COMPORTAMENTO

Os abusados dos escritórios virtuais

Usar o wi-fi gratuito ou roubar a senha do vizinho é cada vez mais comum entre o brasileiros

Patrícia Azevedo
patricia.azevedo@rac.com.br
04/11/2013 às 08:46.
Atualizado em 26/04/2022 às 10:34

O famoso jeitinho brasileiro chegou ao mundo virtual. Vale tudo para conseguir conectar notebooks, tablets e celulares à rede mundial de computadores sem gastar um centavo. As práticas mais comuns vão desde o uso clandestino do sinal do vizinho até abusar dos cafés e lanchonetes que oferecem acesso livre a seus clientes. Tem gente que se acomoda em uma cadeira dos restaurantes, saca o notebook e navega por horas seguidas. Em vez de consumir produtos vendidos no local, trazem o lanche de casa e ocupam o lugar dos clientes. “Eu já cheguei a ver gente tirando biscoito de dentro da mochila para economizar dinheiro”, afirma a garçonete de uma cafeteria.A situação é comum em vários estabelecimentos de Campinas, apesar de uma hora de navegação em uma lan house da cidade custar cerca de R$ 3 (o valor pode variar de acordo com a localização). Algumas casas tiveram que fazer placas ou flyers para orientar o uso do wi-fi em determinados horários. Esse é o caso da Confeitaria Romana, que instalou placas pedindo que os clientes não ocupem várias mesas com os notebooks na hora do almoço.“O wi-fi é uma comodidade que oferecemos aos clientes, mas nos horários de almoço recebemos reclamações de pessoas que não têm onde sentar porque as mesas estão ocupadas com computadores e mochilas. Então decidimos fazer essas placas e iremos imprimir os flyers para conscientizar os clientes”, afirma Ana Cláudia Rozano, gerente de marketing da confeitaria.Um dos usuários de wi-fi dessas padarias é R.C., de 34 anos. Ele conta que chega a ficar horas em um café trabalhando, mas garante que costuma consumir os produtos. “Mas eu vejo muito abuso por aí. Tem gente que vai a uma cafeteria aqui e só consome os produtos de degustação para navegar na internet. Aí é abuso”, afirma. Foto: Janaína Maciel/Especial a AAN Cliente conecta o celular na rede wi-fi da Confeitaria Romana: estabelecimento tenta impor regras para acesso Ele conta que várias vezes presenciou cenas parecidas com as situações retratadas em um comercial para a TV da Vivo, em que um casal entra em estabelecimentos e faz uma série de perguntas absurdas só para para fazer download usando o wi-fi.Se engana quem pensa que é rara a situação mostrada na propaganda em questão, em que a pessoa finge ter interesse por um assunto só para conseguir conectar o wi-fi. “Aquela propaganda da Vivo acontece sempre em vários lugares que têm wi-fi. Muita gente não tem dinheiro para pagar 3G e acaba usando nas praças de alimentação, cafés e padarias”, afirma.De caronaOutra prática muito comum é usar a internet wireless do vizinho. Uma pesquisa divulgada em setembro pelo instituto Data Popular revelou que cerca de 7,1 milhões de brasileiros navegam pela internet usando o sinal de wi-fi do vizinho. Segundo a pesquisa, a classe média é a que mais usa o sinal de internet fornecido por algum vizinho (10% dos que navegam frequentemente em casa). Nas classes baixa e alta, o percentual cai para 4%.O comerciante R.C. conta que durante muito tempo usou a internet do vizinho de andar. “Na época eu não assinava o serviço de internet, e usava para conectar o notebook”, conta. Descobrir a senha não foi tarefa difícil. “Tem muita gente que coloca como senha o mesmo nome que coloca na rede. Assim fica fácil. Aquelas senhas tradicionais como 123456 também costumam servir”, completa R.C. Ele diz que evita ao máximo usar a conexão 3G. “Além de caro, o 3G é instável, tem uma velocidade de conexão ruim e consome muita bateria. Sempre que posso, procuro usar wi-fi. Em consultórios sempre tento abrir as conexões e geralmente funciona porque as senhas são fracas”, afirma.Persistente, o atendente de telemarketing é um dos que não sentem constrangimento algum em usar a conexão do vizinho. Ele afirma que chega a ficar horas tentando advinhar a senha do vizinho até conseguir conectar. Até seus amigos passaram a usufruir do serviço pago pelos moradores mais próximos. “Lembro que ele disse que ficou tentando várias opções até conseguir. E no final até eu usei um dia a internet do vizinho”, afirmou um de seus amigos, que pede para não ser identificado. Acessar rede do vizinho não é crimeCompartilhar o sinal de internet do vizinho não é ilegal, mas o Ministério Público Federal (MPF) já tentou caracterizar a atividade como criminosa. Em setembro, o Tribunal Regional Federal (TRF) negou um recurso apresentado pelo MPF. Segundo a decisão da Justiça, o compartilhamento e a retransmissão não configuram atividades clandestinas de telecomunicações. A intenção era classificar o compartilhamento como “desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação”. Para sorte de muitos, a ideia não foi adiante, mas ainda cabe recurso. Apesar de não ser crime, usar a internet alheia pode trazer prejuízos para quem paga pelo serviço. O analista de redes Rodrigo Lopes explica que usar o wi-fi do vizinho reduz a velocidade de conexão dos computadores e tablets. “Isso acontece porque você tem a banda compartilhada. O mesmo acontece quando, em casa, você conecta computador, notebook e celular. A banda é dividida por todos os dispositivos e, portanto, a velocidade de conexão também cai”, afirma. Mas, mais que ter a chateação de uma conexão lenta, manter uma rede aberta pode ser ainda a porta de entrada para criminosos do mundo virtual. Em uma analogia simples, se você mantém senhas nas suas contas bancárias e até no seu celular, por que deveria deixar desprotegida a porta de entrada do seu computador? O analista Rodrigo Lopes orienta, ainda, que deixar a rede wi-fi aberta é sim um caminho que permite invasões do computador. “É muito mais fácil invadir um dispositivo pelo ar. Se a rede está aberta, um hacker ou outro cibercrimoso consegue invadir o seu computador e ter acesso a arquivos, senhas ou usar a máquina para cometer crimes virtuais”, completa.E, uma vez dentro do seu computador, um criminoso pode ter acesso a todo tipo de dados armazenados na máquina, incluindo senhas, endereços de e-mail e conteúdo privado. Quando o Café vira ambiente de trabalhoCafés e restaurantes se transformaram em uma espécie de escritório virtual para muitos profissionais que trabalham na rua. Além da pausa para um café, um suco ou uma água, esses espaços possuem um outro grande atrativo aos visitantes: conexão wireless gratuita. Não é raro que algumas reuniões de negócios sejam feitas em cafeterias, padarias, praças de alimentação e até mesmo lojas de conveniência. “Às vezes o melhor horário para os encontros é durante a tarde, e como trabalham todos na rua, esses espaços são perfeitos”, afirma a representante comercial Susane Silva. Ela conta que além da internet, é mais barato pagar a conta pelo serviço que manter escritórios físicos com empregado para fazer o café, por exemplo. Nesses casos, os estabelecimentos saem ganhando, já que mantêm uma clientela fixa. “O wi-fi foi disponibilizado aqui na Romana justamente para oferecer mais comodidade aos nossos clientes. É legal ser reconhecido como um ponto de encontro e um lugar para fazer reunião de negócios”, afirma Ana Cláudia Rozano, gerente de marketing da confeitaria. O engenheiro Artur Porto trabalha em casa, mas costuma recorrer a cafés quando está na rua. “Quando o tempo entre uma reunião e outra é curto, vou a um café, é mais vantajoso”, conta. Segundo ele, a única desvantagem é o custo. “Em casa eu nem tomo café, mas hoje já tomei três cafezinhos”, conta. Outra adepta dos cafés é a agente de exportação Sílvia Helena Lucchese Prantera. Ela diz que além de serem ambientes acolhedores, os cafés são perfeitos para encontros e reuniões. “Encontro muita gente e sempre marco minhas reuniões”, afirmou. (PA/AAN) ‘Não me importo que outros usem a conexão’Tem gente que não se importa em manter a conexão wi-fi liberada. “Não é o tipo de coisa que tem como roubar, então não me importo que outros usem”, afirma a dona de casa Felícia Aguiar. Mas segundo técnicos, proteger a conexão com senha é uma questão de segurança. Na casa da empresária Gislaine Niccioli, a senha do wi-fi é tão grande que precisa ser consultada sempre que alguma visita quer conectar um dispositivo novo. “São muitos caracteres, símbolos e números e nem penso em mudar. Quando alguém me pede a senha do wi-fi eu tenho que buscar a agenda para passar e é sempre motivo de risos”, afirma.A dificuldade é o melhor caminho. A orientação dos técnicos é que os usuários evitem as sequências conhecidas como 00000 ou 123456. Colocar como senha o nome da rede não é uma boa opção também. Os preços considerados elevados dos serviços de tecnologia cobrados no Brasil alimentam os “roubos” de conexão nas cidades. “Eu até gostaria de ter R$ 100 para pagar por um bom serviço de 3G, mas esse valor é inviável, então tenho que optar pelos estabelecimentos que usam wi-fi”, afirma o atendente L.S., de 22 anos. Enquanto ele não consegue pagar pelas conexões móveis, a saída é apelar para a senha fraca do vizinho. “É muito fácil advinhar as senhas, eles usam palavras fáceis e mantêm as sequências de fábrica”, diz.    

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