Depois de cinco minutos de tensão, animal se afastou sem atacar; especialista aponta que reação tranquila contribuiu para postura pacífica do felino
‘Jesus, tira essa onça daqui’ foi o apelo espiritual do jovem pastor Paulo Henrique Barreto da Silva (Kamá Ribeiro)
“Jesus tira essa onça daqui. Tira, meu Deus, essa onça daqui”. Foram somente essas palavras, em voz baixa, que o jovem pastor Paulo Henrique Barreto da Silva, de 19 anos, conseguiu dizer ao perceber que uma onça-parda estava a poucos metros de distância do local onde ele transmitia uma oração ao vivo, na tarde de domingo (20), em uma mata próxima ao Jardim Melle, em Vinhedo.
O vídeo, com pouco mais de 16 minutos de pregação, mostra o felino observando o jovem por cerca de cinco minutos antes de sair de trás dos arbustos e entrar no foco da filmagem. Ao visualizar na tela do celular a presença do animal, Silva ficou imóvel e desligou a câmera somente depois do felino se afastar.
“A minha reação, quando eu desliguei a câmera, foi clamar ao sangue de Jesus Cristo, mas continuei olhando para a onça se afastar”, relembra o pastor, que retornou ao mesmo local nesta terça-feira (22). “Foi um livramento que eu jamais vou esquecer”, acredita.
As imagens do pastor viralizaram um dia após uma onça ser gravada por moradores nas proximidades da região conhecida como Sete Bairros. Na noite de sábado (19), o animal foi visto caminhando em uma escada no bairro Jardim Miriam. Ainda é incerto se é a mesma onça-parda.
No caso do jovem pastor da Igreja Santidade e Verdade/ Ministério I.S.V, além de clamar a Deus para que a onça não o atacasse, sua postura pode ter contribuído para o animal ignorá-lo.
“O fato da onça ignorar a presença humana indica somente que naquela circunstância ela não percebeu a pessoa como uma ameaça. O fato de ele permanecer parado, não fazer sons altos e não tentar correr só reforçaram para ela essa percepção”, explicou o biólogo Thomaz Barrella, da Fundação José Pedro de Oliveira (FJPO), que administra a Mata Santa Genebra.
As duas aparições em Vinhedo ocorreram próximas a áreas de mata, ambiente natural da onça-parda. “Pelo que podemos observar ela não apresenta comportamento de forrageamento (busca de alimentos) ou caça, ela está simplesmente se deslocando”, aponta Barrella.
Segundo o especialista, a falta de áreas naturais que interliguem os remanescentes de floresta, os famosos corredores ecológicos, acabam forçando os animais silvestres a circularem por áreas onde há a presença humana. Barrella explica que a área de vida de uma onça-parda tem entre 50 e 1000 quilômetros quadrados, e, portanto, esse deslocamento é “necessário e natural”.
Em nota, a Prefeitura de Vinhedo informou a população pode entrar em contato com a Guarda Municipal (153) ou o Corpo de Bombeiros (193) em caso de novos avistamentos.
ESTUDO
De acordo com recente pesquisa do Departamento de Geografia da Unicamp, atualmente as onças-pardas possuem cerca de 10% da cobertura vegetal nativa da Região Metropolitana de Campinas (RMC) para sobreviverem, sendo a maioria desses remanescentes fragmentos menores que 100 hectares - porções insuficientes para suas áreas de vida, que podem chegar a até 15.500 hectares de mata nativa.
O estudo aponta que, em média, as ocorrências de aparecimento desses felinos se deram a 35 metros de remanescentes florestais, 300 metros de áreas de uso agrícola e a mil metros - ou um quilômetro - de rodovias estaduais e federais. Esse comportamento, segundo a pesquisadora Adriana Fantinati Conceição, “sinaliza que as onças-pardas caçam nas bordas dos fragmentos onde vivem, não sendo sensíveis às mudanças de paisagem, de fato demonstrando suas características generalistas e agilidade para caça”.
Há duas semanas a pesquisadora lançou um questionário online, parte de sua tese de doutorado, cujo objetivo é ampliar o leque de informações e dados sobre como a sociedade se comporta diante do avistamento da espécie.
“Queremos mostrar a importância disso. Independentemente da urbanização e do crescimento econômico, nós precisamos ficar muito atentos para preservar um animal como esse, que está no topo da cadeia nas relações ecológicas”, destacou Conceição.
MAIS AVISTAMENTOS
No último dia 14 de agosto, câmeras de monitoramento no bairro Gramado, em Campinas, flagraram uma onça-parda caminhando tranquilamente na Rua Eliseu Teixeira de Camargo. A presença do animal, aparentemente jovem, foi captada por uma câmera instalada em um cruzamento em frente ao condomínio Colinas Santander.
Através das imagens, veterinários entrevistados analisaram o comportamento do animal em possível momento de “dispersão”, que ocorre quando a onça jovem deixa o mesmo espaço que a mãe. Também foi levantada a hipóteses dessa onça estar em busca de novo habitat após a série de queimadas que atingiu regiões de matas, ao longo da Rodovia José Magalhães Teixeira (SP-083), na última semana.
Nas cidades de Campinas e Cosmópolis, com 39 e 18 ocorrências, respectivamente, é possível observar maior presença das onças-pardas na região, o que pode advir desses municípios possuírem as maiores Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) (Mata de Santa Genebra e Matão de Cosmópolis).