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OMS classifica vício em games como 'distúrbio'

Os pais devem ficar atentos aos sinais que revelam a compulsão por jogos

Beatriz Maineti
28/01/2018 às 08:49.
Atualizado em 22/04/2022 às 09:20
O estudante Caio Marques adora jogar on-line com os amigos em seu computador: refúgio necessário (LEANDRO FERREIRA/AAN )

O estudante Caio Marques adora jogar on-line com os amigos em seu computador: refúgio necessário (LEANDRO FERREIRA/AAN )

Após a resolução da Organização Mundial de Saúde (OMS) de incluir a dependência em jogos eletrônicos, sob o nome de “vício em games”, na 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID), muitos membros da comunidade gamer sentiram a necessidade de debater o que pode ser considerado como dependência. De acordo com o documento da OMS, o problema é descrito como padrão de comportamento frequente de dependência dos jogos a ponto de substituir outras atividades pelos jogos eletrônicos. A CID é utilizada por médicos e pesquisadores para tratar e diagnosticar doenças. Para a nova inclusão do comportamento, a 11ª CID irá sugerir que comportamentos típicos dos viciados devem ser observados em um período de 12 meses, mas ressalta que esse período pode ser menor se os sintomas forem muito graves. Para classificar como distúrbio, alguns dos sintomas citados no documento incluem não ter controle da frequência com que joga, além de priorizar o virtual a outras atividades. Entretanto, para os jogadores, existem outros aspectos a serem considerados. Renato Vinícius Carraro, analista de sistemas de 21 anos, diz que os jogos podem ser usados de refúgio. “Quando estou mal com alguma situação ou estressado, jogar algum jogo é a melhor terapia para mim”, afirma o jovem. Segundo Renato, ele entra no jogo da mesma forma que alguém que ama livros se entrega e se sente dentro da história, por exemplo, mas afirma que é necessário tomar certas precauções. “Assim como qualquer refúgio, isso também pode se tornar uma dependência se você não controlar”, afirma Renato. O gamer, no entanto, diz que o controle é algo difícil de ter, e confessa que já passou por um episódio de dependência em um jogo que havia comprado recentemente. “Passei uma semana trancado no meu quarto. Dormia duas horas por noite, e só saía pra comer às vezes e pra ir ao banheiro, mas só quando estava muito apertado”, lembra. O estudante Thiago Henrique Santos Chagas de Carvalho, de 22 anos, diz que os pais devem intervir antes que os jogos gerem uma dependência, principalmente em crianças. “Crianças não sabem dosar o tempo que passam jogando e nem o que jogam, por isso é muito importante que os pais fiquem atentos a isso”, afirma Thiago. Outro aspecto destacado por ele é o fato que muitos jovens e adultos têm adotado os jogos eletrônicos como profissão, através dos chamados e-sports. “Essas pessoas praticam diariamente por horas. Elas também poderão ser consideradas dependentes?”, indaga o rapaz. Os e-sports, ou seja, os esportes eletrônicos, passaram a ser cotados para se transformarem em esporte olímpico, já sendo disputados a partir dos Jogos de Paris, em 2024. Caio Pires Marques, estudante de 20 anos, joga League Of Leagends, um dos games on-line mais famosos da atualidade, e não acredita que essa resolução possa afetar negativamente seu jogo. “Ao mesmo tempo que os jogos foram considerados, o LoL vem crescendo muito no mercado de e-sports”. O estudante cita a sua mãe para ponderar que “tudo em excesso faz mal”. Segundo ele, os episódios de dependência são comuns e ele mesmo afirma já ter passado por isso. “Meus pais foram viajar e eu fiquei quase 24h jogando sem parar”, confessa o estudante. Ele reconhece que isso já afetou sua vida social e seus estudos, já que a única coisa que ele queria fazer era jogar. Porém, além dos malefícios dos jogos, Iuri Biasi, estagiário na área de engenharia da computação, de 21 anos, afirma que deve ser levado em consideração os benefícios dos jogos. “Nasci na época de ouro dos jogos eletrônicos, na qual o Super Nintendo tinha acabado de ser anunciado no Brasil, e tudo era uma coisa muito nova por aqui. Tive a oportunidade de crescer nesse meio, jogando desde que me lembro por gente, e posso afirmar que isso me trouxe muitos benefícios e alguns malefícios, assim como a prática de qualquer atividade”, afirma Iuri. Segundo ele, chamar a dependência em jogos eletrônicos de distúrbio mental é “algo muito extremista”, embora concorde que não seja algo saudável. “É comprovado que a velocidade no desenvolvimento do raciocínio lógico de pessoas que jogam, e não apenas jogos eletrônicos, é elevada devido aos enigmas e diversas situações impostas nos jogos.” Uso desenfreado de jogos e gadgets vem crescendo A psiquiatra e professora do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Renata Cruz Soares de Azevedo, diz que o uso excessivo de recursos eletrônicos tem aumentado. Segundo ela, a dependência em jogos eletrônicos compartilha de semelhanças com outras dependências, como em drogas ou álcool. A diferença, segundo a psiquiatra, está na ação apresentada no cérebro, que, no caso das substâncias, é mais direta. Renata afirma que o primeiro passo para fazer a avaliação do potencial dependente é a importância dos jogos na vida do indivíduo. Em seguida, segundo a psiquiatra, é necessário ver se ele possui algum outro quadro psíquico, como a depressão. Não existe um tratamento com base em medicamentos para a dependência, apenas que podem diminuir o comportamento compulsivo, além do tratamento para o outro quadro psíquico. Segundo a psiquiatra, o mais importante no tratamento da dependência são os tratamentos psicoterápicos. Para a dependência em games, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é a mais indicada, e se assemelha ao tratamento usado em dependentes alcoólicos. “Com a TCC, o paciente aprende a se controlar sem excluir o comportamento diretamente, aprendendo a fazer metas para suas conquistas pessoais em relação à dependência”, afirma. Entretanto, a psiquiatra afirma que o tratamento psicoterápico deve ser a última alternativa, depois de todas as mudanças em seu ambiente já tiverem sido feitas. Para Renata, é preciso se certificar de que o comportamento é específico do indivíduo, ou se são características familiares. Segundo ela, por exemplo, caso a família “chegue todos os dias, sente cada um em seu canto do sofá e mexa em sua tela particular”, é a modelagem familiar. Entretanto, Renata adverte que os pais, principalmente de crianças que possuem um comportamento preocupante, devem estar atentos e tomar as medidas necessárias. A psiquiatra aconselha, por exemplo, que o computador seja retirado do quarto em casos de sinais de dependência, e afirma que prestar atenção à classificação indicativa dos jogos é um dos principais deveres dos pais. “As classificações indicativas existem por um motivo, e é importante que os pais verifiquem quais são, e porque determinado jogo tem determinada classificação. É preciso respeitá-la”, conclui Renata.

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