ENSAIO

Olhar campineiro antes da tragédia

Produção fotográfica já mostrava a vida precária das famílias que ocupavam a antiga sede da PF no Largo do Paissandu, em 2014

Rogério Verzignasse
04/05/2018 às 07:29.
Atualizado em 28/04/2022 às 07:37
  (Eduardo Petrini/Divulgação)

(Eduardo Petrini/Divulgação)

No feriado de 1º de maio, os brasileiros ficaram impressionados com as cenas do prédio em chamas, que acabou ruindo na região central de São Paulo. Mas, para um campineiro, em especial, a tragédia foi muito mais tocante. O fotógrafo Eduardo Petrini – que há dez anos mora na Capital – elaborou, ainda em 2014, um ensaio fotográfico com os moradores daquele imóvel, no Largo do Paissandu. Na época, o rapaz fazia um trabalho para o curso de fotografia do Senac. Ao lado de três amigos, ele passou dois dias subindo e descendo escadas, vasculhando andares e conversando com os moradores. Suas lentes flagraram imagens fortes, de famílias que viviam em situação sub-humanas, e davam um duro danado para sobreviver. Hoje, Petrini tem 31 anos. Ele mora em um apartamento localizado na Avenida Ipiranga, a 700 metros do local da tragédia. O fotógrafo conta que acordou com o barulho das sirenes e dos helicópteros. Mas no momento ele não se deu conta do tamanho do fato. “Eu fui avisado pelo celular, por uma parente, que tinha um prédio em chamas aqui pertinho de casa. Fui para a rua e, chegando ao Largo do Paissandu, minhas pernas tremeram quando vi que aquele era o prédio do meu ensaio”, diz. “Foi uma sensação inexplicável. Lembrei na hora das crianças, dos moradores que, mesmo muito humildes, nos receberam de uma forma muito carinhosa. Triste, muito triste...” O fotógrafo conta que, no Senac, sonhava fazer fotografias documentais, de fundo informativo, jornalístico. Ele diz que ficava tocado de ver as mazelas sociais, e queria usar a lente para denunciar. Uma amiga, lembra ele, morava ao lado do Edifício Wilton Paes de Almeida, já ocupado pelos sem-teto, e sugeriu a pauta. Petrini e os parceiros do curso toparam na hora. Autorização Para entrar no imóvel, os estudantes tiveram de se apresentar na portaria e pedir autorização para percorrer todos os 24 andares. Já existia um movimento social que coordenava a ocupação. Mas o líder, recorda o fotógrafo, era muito pacífico, e não colocou obstáculo nenhum à execução do ensaio. “Vendo na TV as matérias do incêndio, ouvi muito político falando mal do tal Movimento Luta por Morada Digna, que agora controlava a ocupação. Diziam que os coordenadores exploravam e maltratavam quem morava por lá. Não sei a que movimento pertencia o porteiro que me atendeu em 2014, mas não foi isso que testemunhei. Havia um respeito grande às famílias. Senti que existia mesmo uma causa social”, diz. O cenário Ligações elétricas improvisadas, colchões espalhados pelo chão, vidraças estilhaçadas. As imagens flagradas por Petrini nos 24 andares do prédio, em 2014, mostravam que aquela gente vivia sem conforto algum, em condições totalmente insalubres. O fotógrafo lembra que casa sala, antiga repartição pública, era divida por tapumes. Havia pequenos barracos montados em cada andar: cada família tinha um cantinho. Os canos eram compartilhados. Ainda havia móveis velhos, remanescentes da época em que as salas eram usadas por órgãos do governo federal. “Conversando com cada morador, eu senti que eles viam, naquela morada, a chance de estar na região central da cidade, perto da chance de trabalhar. Era tudo muito pobre, muito improvisado. Mas as famílias eram amáveis. Viviam felizes...”, afirma.

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