DUPLICAÇÃO DA RODOVIA

Obras da Miguel Melhado se aproximam de área com moradores e comerciantes

População se instalou irregularmente no local de domínio do DER e agora precisará ser retirada, o que tem causado insegurança

Da Redação
14/10/2023 às 11:09.
Atualizado em 14/10/2023 às 11:09
Moradores do entorno da Rodovia Miguel Melhado aguardam por ônibus ao lado de onde as obras acontecem; a percepção geral é de que elas são necessárias para dar mais segurança à região ao reduzir a quantidade de acidentes, mas população reclama da saída de moradores e comerciantes e acredita que a oferta de auxílio-moradia é insuficiente (Alessandro Torres)

Moradores do entorno da Rodovia Miguel Melhado aguardam por ônibus ao lado de onde as obras acontecem; a percepção geral é de que elas são necessárias para dar mais segurança à região ao reduzir a quantidade de acidentes, mas população reclama da saída de moradores e comerciantes e acredita que a oferta de auxílio-moradia é insuficiente (Alessandro Torres)

O avanço das obras na Rodovia Miguel Melhado Campos (SP-324) tem causado insegurança em comerciantes e moradores que ocuparam uma área às margens da estrada e precisarão deixar o local. As obras devem separar o trânsito rodoviário do viário municipal. Para que a obra de duplicação aconteça é preciso alargar a via, retirando comerciantes e moradores em uma distância de aproximadamente 25 metros.

O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) ressalta que as intervenções ocorrem dentro de uma área de sua responsabilidade. Por isso, nega que haja processo de desapropriação de imóvel dentro dessa área e diz que as construções são irregulares. O Departamento também lembra que a Companhia de Habitação de Campinas (COHAB) e a Secretaria de Habitação de Campinas (SEHAB) ofertam um aluguel social às famílias que residem nas áreas invadidas desde o início das obras.

Para a população local, a apreensão continua e a avaliação é de que o aluguel não é suficiente. A duas casas do montante de terra que cobre as primeiras moradias retiradas à beira das obras da Rodovia Miguel Melhado Campos (SP-324), uma família se aglomera no portão, assustada. Não querem se identificar, pois já convivem com o medo de perderem sua casa desde o anúncio das obras de duplicação da via e da necessidade de remoção.

Uma marcação no muro do quintal mostra o trecho que dará espaço às obras. Outra marca, na porta de casa, indica a área que deve sofrer intervenção.

“Não nos oferecem nada, nada, só a porcaria de um aluguel que não dá para sobreviver”, diz uma das quatro pessoas da família, com o rosto entre o portão. O aluguel social é um programa da Prefeitura de Campinas que garante pelo menos R$ 600 para as pessoas deixarem a área considerada ocupada de forma irregular.

Essa família conta que vive ali há pelo menos 20 anos e que durante todo esse período anterior ao anúncio das obras não houve nenhuma indicação de que o espaço não poderia ser habitado. “Pagamos nossas contas e construímos uma vida aqui. Agora querem que a gente saia?”, questiona uma jovem. “Isso é uma limpeza social, uma higienização. Não querem os pobres aqui e nem querem conversar com os pobres. Estão tirando a nossa dignidade. Não é justo o que estão fazendo com a gente.”

Os moradores reconhecem e avaliam que a obra em si é importante, mas discordam da forma que ela vem sendo tratada com eles. Uma das lideranças do Campo Belo diz que a situação surpreendeu a todos. “É uma situação que ninguém esperava”, aponta José Aparecido dos Santos, de 70 anos, o Zézinho. “Porque o projeto, quando foi discutido, e eu participei com outros moradores, era um traçado SP-083 com SP-101, passando por dentro do aeroporto e ligando à 101. Ou seja: passava bem fora daqui. Na nossa área a gente discutia uma avenida, não com esse barranco na frente da residência que vai tirar o centro comercial, a feira e os comércios da região. Nesse modelo, tudo isso vai acabar. Falta informação e transparência por parte do poder público.”

Santos também reforçou que o aluguel social é insuficiente para que as famílias deixem o espaço. Ele calcula que pelo menos seis já foram removidas e estão nessa condição. No entanto, ele cita que famílias com comércios na área perdem duas vezes: a moradia e o sustento.

Gilmar Ribeiro Lima, de 43 anos, tem, há 10 anos, uma banca de frutas e verduras localizada perto do km 40 da pista. Ele será um dos afetados com o avançar das obras.

“A gente tem que fazer uma união entre nós”, sugere, como medida para impedir as desocupações. “Mas se for para tirar a gente, que seja com pagamento de indenização ou com a entrega de um apartamento. Não queremos esse auxílio que é dado por um tempo e depois nos deixa abandonados.”

Ao lado da banca de Gilmar está a lanchonete de Ataiza da Silva Costa, de 31 anos. A sensação de medo, ansiedade e do que virá no outro dia também é compartilhada por ela. Sua irmã abre a lanchonete de manhã, enquanto ela trabalha no local à tarde. Sem a lanchonete, as irmãs perderiam aquilo que consideram ser tudo.

Maria Lucia de Souza, de 71 anos, afirma que o pagamento de indenização é necessário e diz que não aceitará nada além disso. “Moro no sobrado e tenho a escritura. Não estou com medo, mas se forem fazer algo, que me indenizem”, frisa.

Para a moradora, a obra vai gerar mais segurança para a região. Ela lembra de uma jovem que morreu atropelada por um ônibus. Seis meses depois, o marido dela faleceu em uma colisão de moto, deixando as crianças órfãs e tendo que morar com familiares. O receio é pelas remoções que vão retirar pessoas que, de boa fé, foram morar em uma área irregular sem imaginar que sofreriam por isso depois.

Em nota, o DER argumenta que realizou no dia 31 de agosto uma reunião aberta ao público para esclarecimentos sobre a duplicação da Rodovia Miguel Melhado Campos. Na ocasião, diretores do departamento detalharam as ações em curso e o andamento das obras, segundo a nota.

De acordo com o DER, a apresentação pública aconteceu no auditório do departamento e teve participação de moradores de bairros limítrofes às obras, do vice-prefeito de Campinas, Wanderley de Almeida (PSB), o Wandão, e de vereadores da cidade. Também participaram o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), além de representantes da construtora, da Companhia de Habitação Popular de Campinas (Cohab) e da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec).

Além da afirmação de que os moradores estão em áreas irregulares, negando, portanto, que haja um processo de desapropriação, a nota aborda a questão dos comerciantes e comunica que "o DER sugeriu a transferência para o trecho do antigo traçado da Santos Dumont que pertence ao departamento".

Em nota, Administração Municipal explica que a duplicação da Miguel Melhado é uma obra do Governo do Estado. “Todos os impactos estão sendo discutidos pelo DER, que é o Departamento de Estradas e Rodagem do Estado. Em reunião com o DER, o prefeito Dário Saadi ofertou às famílias que precisam desocupar a área o auxílio-moradia, benefício concedido pela Secretaria de Habitação (Sehab).”

A nota também destaca que as pessoas que estão sendo notificadas a deixar a área “são famílias que ocuparam irregularmente uma área do Governo Estadual”.

“Toda a ação é voltada para duplicação e está dentro da faixa de domínio de uma área estadual. Vendo esta situação, e tentando ajudar, o município está ofertando um auxílio para as famílias que se enquadrarem nos critérios da lei. A família que discordar, precisa tratar com o Estado”, encerra a nota.

SOBRE A OBRA

Iniciadas no ano passado, e com o término previsto para setembro de 2024, as obras preveem a duplicação e elevação da pista, implantação de viadutos, passagens inferiores de pedestre, construção de calçada e ciclovia (do km 87,4 ao km 90,6), além do trecho de cruzamento envolvendo a Rodovia José Roberto Magalhães Teixeira (SP-083), o Anel Viário de Campinas até a Rodovia Santos Dumont (SP-075) e o Aeroporto de Viracopos. O investimento anunciado é de R$ 100,5 milhões. O volume diário médio de tráfego na Rodovia Miguel Melhado é de 10 mil veículos.

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