DESCASO

Obra parada no Satélite Íris vira 'sítio arqueológico'

Além dos frequentes furtos de materiais de construção, o local transformou-se em área de descarte de entulhos e de ossadas de animais, que estão espalhadas por todos os pontos do terreno

Gustavo Abdel
26/07/2015 às 05:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:28
Isabele e Pedro seguram ossada encontrada em meio ao que deveria ser o Instituto Federal de Campinas: obras não têm nenhum tipo de proteção (Janaina Ribeiro/ Especial para AAN )

Isabele e Pedro seguram ossada encontrada em meio ao que deveria ser o Instituto Federal de Campinas: obras não têm nenhum tipo de proteção (Janaina Ribeiro/ Especial para AAN )

O abandono do canteiro de obras do campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), no Satélite Íris I, em Campinas, revela que além dos frequentes furtos de materiais de construção, o local transformou-se em área de descarte de entulhos e de ossadas de animais, que estão espalhadas por todos os pontos do terreno. Sem qualquer proteção para impedir a entrada, crianças brincam por entre pedaços de madeira, vigas enferrujadas e fundações que se transformaram em poços com água.A reportagem esteve no canteiro de obras. Há um mês, o Instituto Federal informou ao Correio que iria contratar uma empresa de segurança para vigiar a obra, mas na última segunda-feira disse que a fase final de contratação ainda está em tramitação. Entretanto, não há mais materiais a serem vigiados em uma área de 2,8 mil metros quadrados.Ferragens, fios e cabos elétricos, madeira, blocos de concreto, areia e até o alambrado foram alvo de vândalos nos últimos meses. Agora, o que se observa são pelo menos nove pontos de descarte de entulhos. A dona de casa Valéria Xavier, de 43 anos, estava no local e confessou que o genro havia despejado restos de um armário naquela semana, e ela estava ali para recuperar uma das portas. “Não é certo, mas menos ainda é esse abandono com o nosso dinheiro”, justificou-se.Além dos móveis e restos de alimentos que açougues, padarias e restaurantes têm largado no terreno e atraído animais de todas as partes, um verdadeiro “sítio arqueológico” desperta a curiosidade das crianças do bairro que vão brincar no descampado. Ossadas e mais ossadas são encontradas uma a uma pelas crianças que correm por entre fundações expostas com ferragem retorcida e milhares de madeiras com pregos. “Achei mais um”, grita a garota Isabele de Oliveira, de 8 anos, enquanto mede a ossada na sua perna, acreditando ser de humano. Já Pedro Jorge da Silva, de 5 anos, corre pelas fundações que um dia poderão se tornar uma sala de aula. Além dos ossos há também chapas de raio-x que revelam diversas fraturas nos ossos de pelos menos dez pessoas que dispensaram seus retratos no IFSP. As radiografias, no entanto, precisam ter destinação correta por dois fatores, explicam especialistas. O primeiro é que elas são feitas a partir de uma chapa de um plástico chamado acetato. E a segunda é que essa placa é coberta por uma fina camada de grãos de prata, sensíveis à luz. O plástico gera riscos para o meio ambiente, demorando mais de cem anos para se decompor na natureza. Já a prata, assim como outros metais pesados, é altamente poluente e prejudicial à saúde, pois se acumula no organismo, causando problemas renais, motores e neurológicos.Um poço profundo (foto) está coberto até a borda com água e é considerado foco do criadouro do mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti. Em nota, o instituto garantiu que está em contato com a Prefeitura para solucionar o problema. As poças d’água se transformaram em bebedouro para o gado, que agora encontrou novo local para pastar.Instituto culpa empresa e diz que cuidará da segurançaO Instituto Federal de São Paulo explicou, em nota, que a obra referente à construção do campus de Campinas era de responsabilidade da empresa RTA Engenharia e Construções, bem como a administração e manutenção dos equipamentos e estruturas que foram utilizados no local. “Os materiais furtados foram do canteiro de obras, propriedade da empresa contratada para a obra.” No entanto, segundo o instituto, a empresa paralisou a obra e foi acionada judicialmente pelo IFSP. “Estamos averiguando na Justiça as causas e as penalidades reverberadas pela paralização da obra por parte da construtora.”Com relação à segurança, o IFSP detalhou que a licitação para contratação de empresa de segurança que vigiará o local, “não permitindo sua invasão”, está em fase final. “No mês de maio e junho foram enviados ofícios solicitando auxílio no sentido de assegurar o patrimônio e também ao efetivo Batalhão da Polícia Militar a fim de coibir os furtos no local”, completou.A nota do instituto explica, ainda, que está sendo programada uma ação conjunta com a comunidade para a limpeza do terreno e para conscientizar a população da necessidade da manutenção do ambiente limpo. Porém a nota não informou quando haverá o mutirão com a comunidade. Entrega era prevista para este anoO campus do Campo Grande do IFSP foi orçado em R$ 7 milhões em 2009. O valor subiu para R$ 10 milhões no ano passado. Uma cerimônia marcou o início das obras em junho de 2014 e a previsão de entrega à época era o primeiro semestre deste ano. A estrutura não saiu do papel antes por causa de uma série de pendências e problemas no projeto e processo licitatório. Em agosto de 2011, uma empresa venceu a licitação, mas teve negado um aditivo de R$ 4 milhões. Um novo certame deveria ter sido feito logo na sequência, mas isso não ocorreu. Em 2013, o processo foi concluído e uma construtora escolhida. As obras chegaram a começar, mas logo pararam. “Muita gente ficou empolgada com a obra, melhorou pra gente algumas coisas. Só que agora simplesmente parou tudo, ninguém aparece”, disse a dona de casa Verônica Gomes, de 50 anos, relatando que seu filho deixou currículo para trabalhar como pedreiro, mas que nada mais foi construído. O IFSP deveria abrigar a estrutura necessária para atender até 1,2 mil alunos dos cursos de automação, química, mecânica e informática. A obra, localizada na Rua Heitor Lacerda Guedes, praticamente não avançou e apenas alguns alicerces foram levantados pelos trabalhadores. 

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