BIENAL

Obra de arte é narrada para cegos

Técnica permite que deficientes visuais façam interpretação de quadros, esculturas e instalações de mostra no Sesc Campinas e conheçam mais sobre o mundo das artes

RogérioVerzignasse
faleconosco@rac.com.br
25/05/2015 às 15:52.
Atualizado em 23/04/2022 às 13:03

Os olhos não podem ver. Mas o deficiente visual ouve atento à descrição da obra. A cada informação, ele sorri, se entristece, mostra espanto, surpresa. A presença de um grupo de pessoas cegas na galeria de arte emocionou quem passou pelo galpão de exposições do Sesc Campinas, no Bonfim. O público acompanhava curioso a reação daquelas pessoas que, sem enxergar, imaginavam como era o quadro, a escultura, a instalação.Os recursos da audiodescrição foram aplicados por especialistas e monitores da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPD), durante a visita guiada dos deficientes à mostra itinerante da 31ª Bienal de São Paulo. O passeio com os deficientes começou com a exibição do vídeo “Não é sobre sapatos”, de Gabriel Mascaro, que mostrava imagens de manifestações em praças e ruas de diversas cidades. O filme, apesar de mudo, tinha uma linguagem frenética, com a câmera se deslocando rapidamente de baixo para cima, de um lado para o outro, com zoons e panorâmicas. Havia diversos detalhes focalizados: sapatos, pernas, tatuagens, cortes de cabelo, blusas, bermudas. Quem assistia ao vídeo, tinha a impressão de ser o observador do protesto coletivo. E os cegos, com a audiodescrição, deduziam a idade, a aparência, a postura política e as reivindicações dos manifestantes. Em seguida, os cegos foram apresentados à instalação “A leitora de café”, de Michael Gedalyovich, composta por um armário envidraçado similar ao das farmácias antigas, que eram usados para guardar remédios. Dentro da vitrine, foram distribuídas dezenas de objetos: utensílios domésticos, miniaturas, ferramentas, balões, amuletos. Cada peça ia sendo descrita em detalhes, e cada deficiente dava sua interpretação da simbologia da obra. “Martírio”, de Thiago Martins e Melo, é composta de dois painéis gigantescos, em cores fortes, com texturas e corpos contornados em relevo vermelho. As imagens de índios, armas de fogo, serras elétricas, cabeças decepadas e trabalhadores rurais remetiam a diversas interpretações: a luta pela terra, o desmatamento, o extermínio das populações indígenas. Foi o momento mais vibrante da exposição, e que mais deu asas à imaginação dos deficientes. Repertório imagético A audiodescrição, em cada etapa, foi feita por Bell Pacheco, assessora especial da SMPD, que também leciona na pós-graduação em audiodescrição na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). “É a técnica de transformar imagens em palavras. Detalhamos cores, tamanhos, texturas, formatos, para que a pessoa cega possa ser seu próprio repertório imagético sobre a obra. A gente permite que o deficiente faça seu desenho mental da situação”, fala. “Na verdade, mesmo entre as pessoas que enxergam, cada um tem uma interpretação diferente da obra de arte. Este é segredo: o que importa é a percepção individual da mensagem.” Bell teve a ajuda da produtora de vídeo Odila Fonseca, integrante de um grupo especial de estudos sobre audiodescrição, no Laboratório de Acessibilidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E, dentro da proposta de inclusão social do deficiente, o grupo cumpria o roteiro ao lado de dezenas de alunos da rede pública que visitavam a Bienal. Para os deficientes, a experiência na galeria de arte foi inesquecível. Júlia Samira Costa de Borges, por exemplo, de 34 anos, diz que sofreu um derrame ocular gravíssimo há dois anos, e perdeu completamente a visão dos dois olhos. Técnica em informática, ela conta que a chance de participar das visitas inclusivas lhe devolveu a liberdade. “Eu voltei a sentir o que sentia quando apreciava uma obra. Quando ouço a descrição, lembro de cenário que vi, e imagino os que ainda não conhecia”, disse. E ela tem certeza de que não perdeu nada. “É como ler um livro. Cada pessoa imagina como é a paisagem descrita pelo autor.” SERVIÇOA mostra itinerante passou pelo Sesc Campinas. São 30 obras, de 15 artistas, brasileiros e estrangeiros, que destacam o poder da arte na transformação da maneira de perceber a realidade social dos dias atuais. A visita inclusiva foi com a audiodescritora Marília Dessordi. Interessados em saber detalhes sobre o projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPD) podem entrar em contato por meio do endereço eletrônico isabel.machado@campinas.sp.gpv.br.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por