PROBLEMA EM ASCENSÃO

Obesidade e sobrepeso afetam 6,7 mil crianças em Campinas

Quadro é gerado por diferentes fatores, entre eles má alimentação e sedentarismo

Bianca Velloso/ [email protected]
07/03/2023 às 09:23.
Atualizado em 07/03/2023 às 09:23
Estimular a prática de atividades físicas e esportivas por parte das crianças e adolescentes é fundamental para combater o sobrepeso e a obesidade, de acordo com o pediatra Ênio Luís Torricillas (Pexels)

Estimular a prática de atividades físicas e esportivas por parte das crianças e adolescentes é fundamental para combater o sobrepeso e a obesidade, de acordo com o pediatra Ênio Luís Torricillas (Pexels)

Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, apontam que mais de 3,6 milhões de crianças e adolescentes no Brasil estão acima do peso, sendo um milhão na faixa da obesidade.

Em Campinas, os números também são alarmantes e dão conta de que 6.779 pessoas, com idade entre 0 a 10 anos, estão "brigando com a balança". Destas, 50% estão muito acima do peso considerado ideal. Os dados se referem a 2022 e foram divulgados recentemente.

Embora o sobrepeso e a obesidade tenham relação com o acúmulo excessivo de gordura corporal, o segundo estado é considerado mais grave. Por essa razão, tem maior probabilidade de impactar na saúde da pessoa. 

A nutricionista Rebeca Mayer vê esses dados com preocupação. "Os dados são realmente alarmantes, considerando que a tendência é de esses números aumentarem com o tempo. A fase entre 0 e 10 anos é a mais importante, já que as crianças que apresentam sobrepeso ou obesidade nessa faixa etária correm um risco altíssimo de serem obesas quando adultas", alertou. 

Entre os fatores do sobrepeso, de acordo com a especialista, estão a má alimentação e a falta de prática de exercícios físicos. No longo prazo, a combinação desses fatores pode levar ao desenvolvimento de doenças do coração e fígado, além de males como diabetes e hipertensão, entre outros.

A médica e coordenadora do Departamento Científico de Endocrinologia e Metabologia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), Sylka Rodovalho, reconhece que a obesidade é uma doença complexa que afeta cada vez mais crianças e adolescentes, em razão do que ela classifica de "ambiente obesogênico", ou seja, aquele que promove ou facilita a adoção de hábitos alimentares não saudáveis. 

"Alimentação errada, produtos ultraprocessados, sedentarismo. Hoje, muitas vezes as famílias não conseguem mais fazer a alimentação em casa, privilegiando o consumo de produtos naturais. Ademais, a obesidade também tem um componente genético e outro socioambiental importante", explicou. 

A obesidade infantil, continua a médica, pode ter um impacto na vida adulta da criança. "Aquela ideia que muita gente tem de que a criança gordinha não tem problema porque no futuro ela vai emagrecer, não é verdadeira. Nos dias de hoje, com esse ambiente obesogênico, sabemos que provavelmente ela terá, sim, problema no futuro", alertou.

A nutricionista Rebeca Mayer aponta que o uso excessivo de telas, sejam elas de celular, tablet, computador ou televisão, pode ser um fator determinante para a obesidade infantil. "Além da dieta rica em alimentos ultraprocessados, um dos fatores que mais contribuem para o desenvolvimento da obesidade nas crianças é o sedentarismo. A inatividade física, por vezes provocada pelo longo tempo gasto diante das telas, pode agravar o quadro", completou. Ênio Luís Torricillas, pediatra do Hospital Santa Cruz/Rede D'Or, considera os pais precisam encontrar uma atividade que a criança goste, para assim estimular a prática esportiva e combater o sedentarismo. "É importante ver a aptidão que cada uma, evitando colocar a criança para praticar uma atividade que ela não goste. Isso vai gerar frustração e desistência", disse. "É preciso estimular as crianças a gastarem energia. Elas precisam sair, respirar e socializar. Não é recomendado mandar o filho jogar videogame para ter um pouco de sossego", aconselhou o médico. 

A nutricionista Priscila Ricci explica que o tratamento de combate à obesidade deve ser gradual, individual e em conjunto com o paciente e seus familiares. "O objetivo inicial deve ser promover a educação nutricional. A alimentação deve ser balanceada, conter uma distribuição adequada de macro e micronutrientes ao longo do dia. Nesse caso, é fundamental orientar tanto o paciente quanto os familiares sobre a importância de reduzir o consumo de alimentos industrializados e ensiná-los a como introduzir alimentos naturais na maior parte do tempo", enfatizou. 

Priscila também pondera que, além dos aspectos físicos que levam às crianças a estarem acima do peso, é preciso entender os fatores emocionais que estão ligados ao ato de comer. Por isso ela recomenda o acompanhamento de uma equipe especializada, como nutricionistas, psicólogos e pediatras. 

A nutricionista Rebeca Falvo Mayer também aponta o apoio familiar como condição de sucesso do tratamento. "Uma frase que gosto muito é: a palavra convence, mas o exemplo arrasta. Não há nada mais eficiente do que a família", disse. Ela vai além e inclui o papel da escola no processo, uma vez que as crianças passam boa parte do dia no colégio. Segundo ela, é necessário que as escolas reforcem a importância da alimentação adequada e saudável. Para a endocrinologista Sylka Rodovalho, é necessário utilizar abordagens não estigmatizadas no tratamento clínico que levem em consideração as qualidades individuais de cada paciente. Ela destaca ainda que a definição de metas é uma das ferramentas aliadas do tratamento. 

A mãe de um paciente que está fazendo tratamento de obesidade infantil, que preferiu não se identificar, disse que está mudando os hábitos alimentares da família. "Os hábitos alimentares não foram saudáveis sempre, estamos mudando isso agora. Em casa tínhamos o costume de comer coisas com mais gordura e açúcar. A atividade física também entrou com mais frequência na nossa rotina", contou a mulher, que diz que o filho gosta de jogar bola e brincar na rua.

Segundo ela, a criança consome alimentos ultraprocessados. "Ele gosta de alimentos ultraprocessados, mas tento sempre controlar e oferecer opções mais saudáveis", disse. Nesse caso, o diagnóstico de obesidade foi dado após uma consulta e a realização de um exame de sangue. A pediatra constatou que o colesterol estava alto e sugeriu à mãe que buscasse a ajuda de uma nutricionista.

Diagnóstico 

O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma ferramenta que possibilita verificar se o indivíduo está dentro do peso ideal, considerando a sua altura. Por isso é um dos caminhos para detectar a obesidade, bem como a magreza. Esse método, criado no século 19 pelo matemático Lambert Quételet, é baseado no cálculo da divisão do peso (em quilos) pela altura (em centímetros) ao quadrado (peso/ altura²). Embora seja possível realizar o cálculo em casa, dependendo do resultado é recomendável procurar um médico para avaliar o grau de sobrepeso ou obesidade para orientar possíveis tratamentos. O mesmo vale para casos em que o IMC está abaixo do ideal, pois pode indicar desnutrição. 

Apesar de amplamente utilizado, o IMC apresenta limitações. De acordo com a Norma Técnica da Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), o IMC não permite a avaliação da composição corporal, ou seja, não mede a quantidade de diferentes compostos corporais, como água, proteína, gordura, minerais, ossos e músculos. Para ilustrar, uma pessoa com excesso de massa muscular pode apresentar um IMC alto, mas não necessariamente estar obesa. Segundo a nutricionista Fernanda Pucci, a importância do atendimento individualizado está no entendimento da composição do corpo do paciente, para assim fazer um diagnóstico preciso. 

"Se o paciente estiver retendo muito líquido, isso vai refletir no peso dele e vai dar diferença no resultado do IMC. Pode ser que indique obesidade, mas seria por excesso de líquido. Às vezes, o paciente tem massa magra muito elevada, o que também vai impactar no cálculo do IMC. Nesse caso, o paciente pode ser diagnosticado com obesidade, mas por excesso de massa magra". Por essa razão, Fernanda explica que o diagnóstico deve compreender outros métodos, como medidas antropométricas, exames bioquímicos e de imagem. 

A nutricionista Rebeca Mayer esclarece que, em crianças, o diagnóstico de obesidade é feito considerando as curvas de crescimento e IMC. "Apenas o peso não é capaz de diferir o que é músculo ou gordura. O mais importante no processo é acompanhar a diminuição da massa de gordura". A endocrinologista Sylka Rodovalho aponta que existem métodos mais precisos de avaliação de peso, mas o IMC é mais usado em termos populacionais.

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