Organeiro restaura instrumento musical importado da França e instalado na Catedral há 135 anos
Cedinho, o mestre organeiro está na lida. Baixinho, sorridente, vestindo avental, manobrando ferramentas. Georg Jann é alemão. Não fala uma palavra de português. E conta com a ajuda de um auxiliar, que faz as vezes de tradutor. Aquele senhorzinho trabalha na reforma do belíssimo órgão de tubos instalado, há 135 anos, no mezanino dos fundos da Catedral Metropolitana de Campinas. O instrumento, fabricado na França pela Cavaillé-Coll, tem pouquíssimos exemplares no Brasil. No Estado de São Paulo, são apenas cinco. E nenhum deles tem o porte do campineiro: quase 10 metros de altura; pedais e teclados originais; tubos fabricados em estanho e chumbo; e impressionante caixa de carvalho adornada. Um verdadeiro tesouro, desconhecido. A higienização e o restauro recebem, desde fevereiro, investimentos da ordem de R$ 300 mil, que a paróquia levanta com a ajuda dos próprios fiéis católicos. Cada cidadão ajuda com quanto pode, e como pode. O monsenhor Rafael Capelato procura um patrocinador, e sonha pagar as despesas até dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, data prevista para a reinauguração do órgão. O mestre organeiro — que passou a vida reformando e construindo órgãos no mundo todo — emociona quem visita a Catedral. O homem não é hábil só com alicates e pinças. Ele se ajeita na banqueta, corre os dedos nas teclas e alterna passos nos pedais. O organeiro também é organista. Atrás dele, foles enormes se abrem e se fecham, e a melodia belíssima toma conta do ambiente. O senhorzinho fica de olhos marejados. Se emociona cada vez que toca. E quem assiste chora também. A história de vida do alemão baixinho é digna de livro. O pai dele, por exemplo, já reformava e construía órgãos. Ele convive com teclados desde que se conhece por gente. É, virou organeiro diplomado, e nunca fez outra coisa na vida. Já montou uns 200 instrumentos, em catedrais católicas e luteranas do planeta inteiro. Detalhe. Há onze anos Georg mora em Blumenau (SC) com a mulher Gehild. Mas ele não fez questão de dominar o idioma aqui dos trópicos. Ah sim, ele até entende uma palavra ou outra. Mas o português não é sua praia, e o senhorzinho é daqueles sujeitos que não admitem ser mal interpretados. Para onde vai, ele leva a tiracolo o amigo Edson Groth, gaúcho, filho de alemães, auxiliar organeiro e intérprete. O mestre tem 84 anos de vida. E nem pensa em se aposentar. Todo orgulhoso, diz que seus dois filhos, também radicados no Brasil, são mestres organeiros. É uma arte que vai passando de geração em geração. Ele ama trabalhar na Catedral. Por ali, muita gente nem imagina, mas ele deu de cara com a caixa de eco tomada por cupins. Recuperada a caixa, ele se dedica ao restauro dos tubos históricos e na manutenção das palhetas. Volta e meia, leva peças para restauro ao seu próprio ateliê, em Blumenau. Mas a passagem por Campinas, o alemão admite, não é só felicidade. Ele fica impressionado de ver que o órgão, tão imponente e raro, é desvalorizado pelos próprios católicos. Sim, sim. Ele sabe que o instrumento não funciona há pelo menos 30 anos, e que a galera mais jovem nem o conhece. Sampainho O Cavaillé-Coll da Catedral foi instalado na inauguração do próprio templo, em 1883. Era um instrumento de última geração, com mecanismos desconhecidos. Tanto é que ninguém por aqui sabia como tocar. Ficou “mudo” por dois anos, depois de instalado. Os segredos da máquina foram “desvendados” pelo artista plástico e músico Antônio Carlos Sampaio Peixoto, o Sampainho (que hoje dá nome a rua do Cambuí). O rapaz, por sua própria conta, vasculhou manuais e fez uma verdadeira romaria pelas catedrais mundo afora, para aprender a dominar os macetes. Autodidata, ele trabalhou como organista da Catedral até 1887. Pediu a conta porque simplesmente não recebia pagamento decente. Na época, Sampainho pagava as próprias contas tocando em aniversários e casamentos. Ele deixou a cidade em 1889, virou diretor de orquestra em Bragança Paulista, se tronou organista na Catedral de lá. Depois, se mudou para São Paulo e montou o próprio ateliê na Barão de Itapetininga. Dizem os historiadores que Sampainho morreu pobre. Ele foi personagem icônico da história do órgão.