PATRIMÔNIO

O sonho de uma vida

Dedicação do ex-prefeito Toninho fez renascer a Casa Grande e a Tulha

Francisco Lima Neto/AAN
13/10/2019 às 09:48.
Atualizado em 30/03/2022 às 11:30

A Casa Grande e a Tulha, patrimônios históricos municipais, estaduais e nacionais, reinam absolutos na Avenida Dr. Arlindo Joaquim de Lemos, no bairro Proença, em Campinas. Em meio a casas modernas, e vizinho de prédios, o conjunto — que foi o sonho da vida do ex-prefeito Antonio da Costa Santos, o Toninho (PT), e seu objeto de estudos — se destaca das demais propriedades do entorno de arquitetura contemporânea. O imóvel foi comprado por Toninho, que era arquiteto, em 1978. No finalzinho do século 18, Campinas já tinha sido elevada à Vila de São Carlos, e crescia com uma economia baseada na produção açucareira, que durou até o século seguinte. Neste ínterim, a vila sofreu grandes transformações no centro urbano e na zona rural, que passou a ter fazendas focadas apenas no plantio da cana e transformação do açúcar. Cláudio Fernandes de Sampaio e Rosa Maria de Abreu e Silva, sua esposa, sendo alguns dos primeiros moradores da cidade, teriam sido também os primeiros donos da fazenda, onde, mais tarde, foi construída a Casa Grande, por influência da filha e herdeira Maria Felicíssima Abreu, casada com Joaquim Soares de Carvalho. A construção da Tulha se deu entre 1790 e 1795. Já a casa Grande é datada de 1830, momento em que surgia a estrutura cafeeira local. Especula-se que a Casa Grande tenha sido erguida pelo marido de Maria Felicíssima, Joaquim José Soares de Carvalho. Com o passar dos anos a propriedade foi dividida entre seus herdeiros. Arlindo Joaquim de Lemos herdou parte da fazenda, que passou a se chamar Chácara Paraíso e posteriormente adquiriu a parte denominada Chácara Proença. Em 1941, a Chácara Proença foi novamente dividida, cabendo por sorteio a antiga sede da fazenda a Arlindo de Lemos Jr., que a vendeu à família Hossri. Quando comprou a propriedade, Toninho já tinha se formado em arquitetura na USP e, na sequência, foi dar aula na PUC. Na década de 1980, fez mestrado em habitação popular. Integrou a Assembleia do Povo, um movimento para urbanização de favelas. Justamente na Tulha, lembra William Ceschi Filho, advogado da família e assistente de conservação da propriedade, eram desenvolvidos os projetos. "Ele reunia o pessoal das favelas para realizar os projetos de urbanização, era uma espécie de escritório popular", conta. O restauro começou logo depois da aquisição, inclusive, contratando a mão de obra dos moradores das favelas. A Tulha, em seu tempo áureo, já serviu de pouso para os bandeirantes que rumavam para Goiás, já foi uma venda, engenho de cana de açúcar e também espaço para estocar o café. Antes da chegada de Toninho, o aspecto histórico estava desconhecido. Uma parede da Tulha, que é toda de taipa, havia sido derrubada para a entrada de veículos, já que no espaço funcionava uma mecânica. O local estava deteriorado. Foi colocada uma mão francesa de concreto para segurar um pedaço da taipa, a chamada arquitetura de risco. A parede fica de costas para a rua porque antes o que havia lá era apenas mata fechada. No final do século passado, quando a Avenida Dr. Arlindo Joaquim de Lemos foi aberta, houve um corte no talude, causando movimentação no terreno. Isso ocasionou uma leve inclinação na parede. Toninho construiu um muro de pedras para estabilizar o terreno da Tulha. Uma estrutura de ferro também sustenta as paredes. Toninho operava o local como historiador, arqueólogo e restaurador. Ele fazia escavações e descobria coisas novas, como artefatos, moedas e até a base de uma parede de taipa. A escavação também indica que a propriedade tinha uma senzala de dimensões impressionantes, mas a Casa Grande era pequena, de barão de poucos recursos. O que, segundo os estudos, mostra que o local servia como ponto de comercialização de escravizados. Em sua tese de doutorado, Toninho ressalta que adquiriu a propriedade com valor de mercado, mas, na realidade, o valor histórico era muito maior. Ele estudou o local — que serviu de base para sua tese de doutorado — para entender a evolução urbana do Município. Com isso, Toninho lançou um desafio à cidade, para preservar bens e cuidar de seus prédios históricos.  Tombamentos foram pedidos por Toninho A pedido de Toninho, o imóvel foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado, na década de 1980, e depois foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), na década de 1990. Por fim, foi tombado também pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2014, se tornando, junto com o Palácio dos Azulejos, os únicos patrimônios históricos da União existentes em Campinas. O pedido de Toninho teve como base sua tese de doutorado. Esse era o seu maior sonho, que só foi realizado 13 anos após sua morte. CURIOSIDADES Toninho viveu muitos anos na propriedade. Saiu apenas na época da campanha eleitoral, e se mudou para um apartamento, pensando na segurança. A Casa Grande ainda é usada pela viúva e filha do Toninho, quando elas estão na cidade. A propriedade tem três portões, um de vidro, um de concreto e outro de ferro, cada um representando um dos elementos utilizados no restauro. Alguns pontos da Tulha estão pintados, utilizando a linguagem de restauro, para indicar onde houve intervenção. Taipa é um processo de construção de paredes que utiliza barro pilado para preencher os espaços criados por uma grade de paus, bambus ou caules de arbustos.

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