campinas, 246 anos

O socorro na hora mais difícil

Rede de Saúde precisou ser ampliada para atender os ?amarelentos?

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 11:39.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
À época Circolo Italiani Uniti, hoje Casa de Saúde de Campinas: união para o tratamento dos doentes de febre amarela (Leandro Ferreira/AAN)

À época Circolo Italiani Uniti, hoje Casa de Saúde de Campinas: união para o tratamento dos doentes de febre amarela (Leandro Ferreira/AAN)

Nos anos em que Campinas passou a ser assolada pelas epidemias de febre amarela, no final do século 19, Campinas já tinha alguns hospitais, mas outros precisaram abrir as portas para dar conta da demanda por cuidados médicos cada vez mais frequentes. Principalmente porque havia dezenas de residências em que os moradores, todos atingidos pela doença, morriam sozinhos, sem atendimento, medicação ou alimentação. José Paulino Nogueira, presidente da Câmara, governava a cidade e determinou a abertura de enfermarias municipais no Lazareto do Guanabara, no edifício do Circolo Italiani Uniti, na Escola Municipal Correia de Melo e nos hospitais da Beneficência Portuguesa e da Santa Casa de Misericórdia, para a internação dos doentes. José Paulino, espécie de prefeito da época, escolheu umas casas no então afastado bairro do Guanabara e instalou no começo de março de 1889 a enfermaria especial para internação e tratamento dos amarelentos. Uma linha de telefone em conexão direta com o Cemitério do Fundão - atual da Saudade, também foi colocada para facilitar as providências para os enterros. A localização desta enfermaria no Guanabara seria onde está hoje o Liceu Salesiano. O hospital dos variolosos, construído e doado em 1874 pelo coronel Joaquim Quirino dos Santos (1820-1889), pai de Bento Quirino, por conta de uma grande epidemia de varíola, também não tem a localização exata conhecida. Contudo, segundo Lycurgo de Castro Santos Filho, autor do livro Febre Amarela, publicado em 1996, o jornalista Benedito Barbosa Pupo, estudioso de Campinas, morto em 2001, lhe revelou que o hospital ficava atrás do antigo Batalhão da Polícia Militar (PM), da Avenida João Jorge, na Vila Industrial. Esse Lazareto abrigava 30 doentes em dois pavimentos, um masculino e outro feminino. Era chefiado pela Irmã Serafina, da Congregação das Irmãs de São José, deslocadas da Santa Casa. O lazareto do Guanabara era chefiado pelo médico Antônio Alves do Banho, delegado de Higiene da cidade. Saiu em abril e foi substituído por Fernando de Barros, médico da Comissão de socorro do governo do império. Foi fechado em maio. Circolo Italiani Outra enfermaria especial aberta por José Paulino era a Isolamento do Circolo Italiani Uniti, no prédio de mesmo nome, colocado à disposição da Câmara pela sua diretoria. Associação dos italianos fundada em 1881, teve sua sede primitiva inaugurada em 1886. Foi precursora da Casa de Saúde. Foram disponibilizados 40 leitos, metade para homens e a outra metade para mulheres e crianças, em cinco salas do prédio ainda inacabado. A Câmara, os membros da colônia italiana e a sociedade Cruz Verde custearam os atendimentos. Funcionou de 4 de abril até 18 de maio. Atendeu 133 amarelentos, 57 morreram. Existia à época, a Escola Correia de Melo, cujo prédio foi construído pelo engenheiro e arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, tinha a frente que dava para a Rua Bernardino de Campos. De 2 de abril até 30 de junho também serviu de enfermaria. Foi a que mais atendeu os amarelentos. A Sociedade Portuguesa de Beneficência foi fundada em 1873 e o hospital inaugurado em 1879. A sociedade também abriu um lazareto para atender preferencialmente os portugueses, assim como o instalado no Circolo Italiani dava preferência aos italianos. Funcionou até 4 de junho, quando saiu o último doente.     Santa Casa O Hospital da Santa Casa de Misericórdia ficou pronto em 1876, no mesmo ano foi fundada a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Ali também foi aberta uma enfermaria no mês de fevereiro. Os primeiros doentes acolhidos eram funcionários da Padaria Suíça. O hospital foi o primeiro a atender doentes da febre amarela. Foi fechado em abril por falta de pacientes, contudo abriu novamente quando a epidemia se fortaleceu, fechou somente em 2 de maio. Oito farmácias se mantiveram abertas e foram autorizadas pela Câmara a atender e fornecer todos os medicamentos receitados aos pobres e indigentes. Todos os custos foram cobertos pela Câmara. Mortos eram sepultados no Cemitério do Fundão Um vasto local de sepultamentos existia à época onde ficava o pátio de manobras da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Nesse tempo estavam em atividade o Cemitério dos Protestantes, o Cemitério do Santíssimo Sacramento e o Cemitério Público das Almas, conforme Lycurgo de Castro dos Santos Filho conta eu seu livro A Febre Amarela. Com exceção do Cemitério dos Protestantes, eles foram fechados em 1881 e os enterros passaram a ser realizados no bairro do Fundão, à margem da antiga estrada para Valinhos, onde foi criado o Cemitério do Fundão, atual Cemitério da Saudade, no Bairro Ponte Preta. O Cemitério Velho, como eram chamados todos os citados, ficava onde hoje é a Avenida João Jorge, na Vila Industrial. Em dezembro de 1888, a câmara pediu ao bispo diocesano de São Paulo, D. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho autorização para exumar os restos mortais dos enterrados e levar para o do Fundão, sem mexer no dos Protestantes. A autorização foi concedida e os trabalhos foram feitos em etapas. O médico e vereador Ricardo Gumbleton Daunt foi terminantemente contra, mas foi voto vencido. No ano de 1890, sem o cargo de vereador na recente República, viu que as remoções continuavam e apelou ao governador, Prudente de Moraes, para que o trabalho fosse interrompido. Afirmava que remexer aquelas terras espalharia os germes, prejudicaria ainda mais a salubridade de Campinas, já que era o segundo ano seguido que a cidade era assolada pela febre amarela. Quando recebeu resposta do pedido soube que não havia mais o que fazer, já que tudo já havia sido removido. Então, foi no Cemitério do Fundão que foram enterradas as vítimas da febre amarela. Os não católicos, desde 1871 eram enterrados no Cemitério dos Protestantes, que era particular e administrado pela Sociedade Alemã de Instrução e Leitura. Logo, ele estava aberto quando da epidemia, mas não constam registro do enterro de amarelentos lá.

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