PARA ALÉM DA ESTÉTICA

O paisagismo a serviço da conscientização ambiental

Engenheiro agrônomo ensina a fazer quadros vivos e a despertar o interesse das pessoas pela adoção de hábitos mais sustentáveis

Cibele Vieira
06/11/2023 às 11:33.
Atualizado em 06/11/2023 às 11:33
O engenheiro agrônomo Alexandre Eduardo Souza durante a montagem dos quadros vivos: opção por materiais de descarte e por plantas nativas e que consumem pouca água (Rodrigo Zanotto)

O engenheiro agrônomo Alexandre Eduardo Souza durante a montagem dos quadros vivos: opção por materiais de descarte e por plantas nativas e que consumem pouca água (Rodrigo Zanotto)

Ser mais sustentável passa pela tomada de consciência pessoal e profissional. Um bom exemplo pode ser observado em uma área pouco comentada, o paisagismo, que já se preocupa em não mais usar a vegetação como um simples elemento arquitetônico ou estético. Hoje, muitos projetos de paisagismo passaram a valorizar o uso de plantas nativas, que demandam pouca irrigação e menor uso de fertilizantes ou pesticidas. Esse conceito vem sendo incentivado em Campinas pelo engenheiro agrônomo Alexandre Eduardo Souza, 50 anos, que há 15 mora na cidade. "Buscar a sustentabilidade requer uma mudança na nossa forma de consumo e isso significa que precisamos ser conscientes inclusive quando escolhemos um projeto de jardim ou compramos insumos para ele. É preciso promover o consumo consciente e em equilíbrio com o meio ambiente", ensina.

Além de praticar a sustentabilidade nos projetos que cria sob encomenda, ele ensina o manejo de quadros vivos, construídos com materiais reciclados e plantas que cultiva em seu próprio quintal, e promove feiras de troca de plantas gratuitas em diferentes locais da cidade. Os encontros conhecidos por "escambo verde" fazem parte de um projeto itinerante que completou dois anos e é realizado a cada 15 dias, sob a organização de Alexandre. "Além das trocas gratuitas de plantas, é um local onde a informação e o conhecimento circulam e ampliam os cuidados com a natureza, abrindo novas perspectivas". Hoje, por exemplo (sábado, dia 4 de novembro), será realizado um encontro gratuito no Quintal D'Othello (R. Manoel Antunes Novo nº 654), em Barão Geraldo das 9h às 16h. Reúne pessoas que queiram doar ou trocar suas plantas, esclarecer dúvidas sobre cultivos, compartilhar histórias ou trocar saberes. Acompanhe a agenda pelo Instagram @estudio.enquadro.ecoarte.

UMA ARTE ECOLÓGICA E HOLÍSTICA

Alexandre nasceu em São Bernardo do Campo (SP), é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Catarina e veio morar e trabalhar em Campinas há 15 anos. Ele conta que encontrou no curso de Agronomia uma maneira de se relacionar melhor com a natureza, já que foi criado em um ambiente urbano e extremamente industrializado. Hoje, com uma visão holística da vida, entende que tudo está interligado. Ou seja, a prática de pequenos detalhes colabora para o todo, para uma vida melhor individualmente, para a comunidade e para o planeta. Ele coloca esse conceito na sua rotina diária, tanto pessoal quanto profissional. A confecção dos quadros vivos, por exemplo, embora seja trabalhosa, é praticada como uma forma de relaxamento e antídoto contra o estresse.

É essa prática que ele leva para outras pessoas, por meio de oficinas que oferece nas comunidades, principalmente nas áreas periféricas. Além de ensinar a usar materiais de descarte, com plantas adequadas que podem ser cultivadas em casa ou colhidas na rua, os quadros vivos trazem beleza e conforto aos ambientes, além de se tornarem fonte de renda para algumas pessoas. "Temos observado o aumento na procura por esses quadros, que trazem para dentro das casas ou empresas um ambiente mais agradável, uma reaproximação das pessoas com a natureza", conta o agrônomo.

Ele inclusive criou um sistema de "aluguel" dos quadros em grande formato, que são encomendados para a decoração de empresas. E explica que "o cliente adquire o quadro e paga uma espécie de aluguel mensal por um ano, período em que o material recebe uma manutenção adequada semanal com regas, adubação e podas, e ele vai aprendendo a fazer a manutenção e manejo. Após esse período, o quadro é propriedade da empresa e o cliente já aprendeu a gostar, a cuidar e a valorizar a peça".

Alexandre observa que nesse período de contato semanal e manutenções, ele observa que outros assuntos pertinentes vêm à tona e são discutidos e analisados. Entre eles, a compostagem e a reciclagem de materiais. "A gente acaba conversando sobre essas coisas e as visitas para manutenção acabam se transformando em uma espécie de educação ambiental. As pessoas vão adquirindo mais consciência e questionando os próprios hábitos. Isso é um aspecto bem positivo desse trabalho, de ampliar a consciência ambiental", comenta.

PRODUÇÃO MAIS ACESSÍVEL

Os quadros vivos, segundo Alexandre, estão no mercado já há algum tempo. "No exterior são mais comuns, mas aqui no Brasil eles ainda são produzidos de uma forma elitizada, o que encareceu o produto e dificultou o acesso", diz. A sua ideia anda exatamente no caminho oposto, como relata: "minha proposta é fazer um produto mais em conta, trabalhando a reciclagem, barateando os insumos e dando mais acesso as pessoas". Durante a pandemia, o agrônomo começou a desenvolver uma tecnologia que pudesse chagar a um preço bem acessível, e para isso fez muitos testes com tipos de plantas e materiais até chegar "nos quadros com preços que permitem que a população comum compre. Ao mesmo tempo, o método dá um destino mais sustentável a materiais de descarte como madeira, plástico, papelão e isopor".

O sistema de cultivo não é simples e Alexandre conta que as pesquisas e testes são permanentes, já que ele muda as coleções a cada seis meses. Os quadros são montados sobre madeira de reciclagem, que ele resgata em descarte de obras ou madeireiras, como o eucalipto e o pinus, utilizados em andaimes na construção civil. Essas madeiras são cortadas e preparadas para virar molduras e o fundo dos quadros. As telas plásticas (e até de arame) são recolhidas em pontos de reciclagem e servem para fixar o substrato e as mudas. Já o substrato usa terra adubada de compostagem preparada, que ele consegue junto a Guaráipu, uma empresa que recolhe o lixo orgânico em casas, empresas e restaurantes para transformar em substrato.

Tudo é feito artesanalmente por Alexandre, e as proporções dependem do tipo de planta que será usada, por isso a importância dos testes que ele realiza antes. O isopor e o papelão são picados manualmente de modo a se incorporarem à terra, para dar mais leveza. Já a alga (um tipo de musgo chamado esfagno) é usada para conservar a umidade. Após colocar o substrato no fundo e fixar com a tela rendada, as plantas vão sendo colocadas uma a uma, a partir de mudas cultivadas em vasos por ele mesmo no espaço onde mantém seu estúdio. "Essa é a parte do processo que dá a beleza e transforma o quadro em arte, pois vamos determinando a forma e o colorido com as diferentes tonalidades, como se as plantas fossem tintas. A arte é isso, só muda o material. É a forma que encontrei de me expressar, me desestressar", conta. O processo de formação de cada quadro leva no mínimo dois meses, porque é necessário aguardar o enraizamento das plantas e a terra se compactar, para não cair durante as regas. Só depois disso o quadro fica pronto para entrega.

Alexandre trabalha com três tipos de quadro e dá preferência para plantas com menor exigência de irrigação e fáceis de encontrar: em um, usa plantas de forração (ou de cobertura); em outro, somente suculentas variadas; e outro é composto por plantas aéreas (epífitas, as plantas que ficam árvores, quase não precisam de terra como substrato, porque pegam os nutrientes pela a folha e não pela raiz). Ele comenta que "elas estão vivas, vão crescer, se desenvolver, moldando novas formas no quadro, fazendo com que as pessoas manejem da maneira que quiserem". A ideia, explica, é espalhar plantas e vida nos quadros reciclados. "É tirar as pessoas do comodismo, criando um envolvimento com as plantas, permitindo que tenham outras ideias, que desenvolvam o sentimento de pertencimento, e fiquem bem", detalha.

O PAISAGISMO SUSTENTÁVEL

Alexandre veio para Campinas para trabalhar com paisagismo, prestando serviço para arquitetos, fazendo projetos e um trabalho autônomo voltado ao paisagismo sustentável. Para ele "o paisagismo andava se desvirtuando, virando moda, utilizando muitas plantas exóticas que vieram de fora, só preocupado com a estética". Para mudar o rumo dessa tendência e colocar significado em seu trabalho, o agrônomo ecológico começou a incorporar mais sustentabilidade em seus projetos. O primeiro passo foi retomar o uso de plantas nativas, selecionar plantas que não são muito exigentes em água e usar materiais e insumos que não causem impacto na natureza. Até os reciclados em cachepôs e vasos passaram a ser incentivados. "Muitos materiais só precisam de uma mão de tinta, de uma arte na construção para ganharem vida nova. Ficam bonitos e não é necessário comprar novo, há muitas maneiras de fazer", defende. Com isso, sua ideia de mudar a forma de consumo, de ser mais consciente, ganha força.

Até na hora de comprar os insumos necessários, ele orienta para buscar aqueles que não agridem o ambiente, que mantenham o equilíbrio com a natureza. Embora essa não seja ainda uma tendência dominante no mercado, existe um nicho de consumidores que aderem a essas ideias, principalmente entre pessoas que já se engajam em algum movimento ambiental.

Sobre a aceitação dessas ideias no mercado, Alexandre pondera que tudo que é visto como novidade, até que se torne realidade, exige um tempo de maturação. "Os retornos que tenho são os melhores possíveis, acredito que estamos em um processo de desmistificação. Aos poucos, as pessoas vão conhecendo, pensando a respeito, criando consciência, aderindo. É lento, mas a sobrevivência - nossa e do planeta - depende dessas pequenas atitudes, temos essa responsabilidade social, de movimentar uma economia sustentável, abrangendo cada vez mais pessoas. E isso a gente só consegue mostrando que é possível".

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