vitrola

O chiadinho charmoso da agulha

Rogério Verzignasse
13/10/2018 às 19:56.
Atualizado em 06/04/2022 às 16:25

O pessoal que adora passear na feirinha do Cento de Convivência, nas manhãs de sábado e domingo, já está acostumado. O Pedrinho monta a sua banquinha antes do sol raiar. E a decora com os velhos e incomparáveis vinis. Jazz, rock, MPB... E o público é o de sempre. Fiel às capas com encartes, amantes daquele chiadinho inconfundível da agulha. Quem está ali pela faixa dos 50 anos - e teve o prazer de ter uma vitrola - entende bem o romantismo de um LP. O que pouca gente sabe, mesmo os velhos clientes da feirinha, é que Pedrinho - Pedro Duarte Martins - foi, durante 40 anos, dono de uma badalada loja de discos. Lá em 1945, na inauguração, era um negócio raro, que virou ponto de comércio elegante. Bom, tudo começou com o português João Duarte Martins, pai de Pedrinho. Ele chegou ao Brasil em 1905, e arrumou emprego na velha Companha Paulista de Estradas de Ferro. O homem atendia a clientela no sofisticado vagão Puma, onde viajavam políticos, barões, autoridades. Só gente do dinheiro. Que davam gorjetas poupudas. E o João, de olho no futuro, guardou todo o dinheirinho que recebia para abrir um negócio para os filhos. A Livraria Brasil - Discos e Livros, funcionou primeiro na esquina da General Osório com a Barão de Jaguara, no Centro de Campinas. Em seguida, se mudou para a Barão de Jaguara e lá permaneceu até 1985. Pedrinho cuidava dos discos. O irmão dele, Azael, vendia livros especializados em Direito. O estabelecimento foi, durante décadas, ponto de encontro de pessoas cultas, bem informadas. Era lá que Pedrinho vendia, no começo, os discos de Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Orlando Silva, Francisco Alves… Feras sagradas da MPB.  Um causo inesquecível  Mas a loja badalada virou notícia mesmo em 1975. Naquela época, a gravadora CBS lançava, todo final do ano, o esperado LP do Roberto Carlos, campeoníssimo de vendas. Todo mundo esperava ansioso o lançamento em dezembro. Acontece que a distribuidora cometeu um erro bravo, e mandou para a loja do Pedrinho, ainda em outubro, o disco do “rei” . Veio, por engano, embalado na capa do disco do Johnny Mathis. Ou seja, dois meses antes, o Pedrinho já tinha um exemplar raro do LP quie o Brasil esperava. A notícia correu, e o homem ouviu um milhão de propostas de rádios da cidade toda, que queriam tocar primeiro os hits daquele ano: Além do Hortizonte, O Quintal do Vizinho, Olha… Pois o Pedrinho foi ético toda vida. Resistiu às propostas de grana alta para liberar o disco, e ainda ligou para a CBS, falando do erro. O diretor da gravadora esteve em Campinas, pegou o LP e o levou embora, agradecido. As faixas só seriam conhecidas mesmo em dezembro. O Pedrinho nem teve o capricho de gravar as faixas na velha fita k7. “Não era certo. Devolvi”, fala o senhorzinho, que hoje tem 90 anos, e é um sobrevivente de uma época em que o caráter era a maior fortuna de um homem. Raridades Hoje, o Pedrinho guarda em um quartilho do apartamento onde mora, ali na Querubim Uriel, cerca de dois mil exemplares raríssimos, remanescentes da loja, mas que não estão a venda por dinheiro algum. Ele tem, por exemplo, o primeiro disco dos Beatles. Detalhe: na foto da capa o baterista é Pete Best. Na época, Ringo Star nem estava na banda. Tem, também, o raríssimo disco que fez Elvis Presley estourar como rei do rock. O LP tem os hits That's all Right e Don't be Cruel. Bom, mas as preciosidades ficam em casa. Ele leva para a feirinha muitos discos antigos, de ídolos da MPB. E quem ajuda na banquinha é o filho Maurício, de 58 anos, professor de educação física durante a semana. “Eu faço questão de ajudar meu pai na feirinha. Ele ainda ama os discos, não se imagina fazendo outra coisa" , fala. E o senhorzinho concorda. Ele mesmo diz que, quando não está na feirinha, fica em casa tirando o pó dos vinis e babando na própria coleção. Mora ali com a esposa Magali e com a cunhada Carolina (que cuida do casal). A casa é quietinha. Mas vira uma barulheira quando os quatro netos passam por lá. E fazem questão de ouvir vinis, o dia todo.

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