Em março, a Região Metropolitana de Campinas registrou 1,09 milhão de devedores
Alto nível de inadimplência fez lojas mudarem suas estratégias de venda, um estabelecimento do Centro de Campinas parou de ter crediário próprio e passou a aceitar apenas cartão de crédito reduzindo o número de devedores (Rodrigo Zanotto)
A inadimplência voltou a subir em março na Região Metropolitana de Campinas (RMC), com alta de 1,23% em relação a fevereiro, e bateu novo recorde. O número de devedores chegou a 1.090.300, o equivalente a 34,07% da população de 3,2 milhões de pessoas RMC, ou seja, um em cada três moradores tem contas em atraso, de acordo com relatório divulgado pela Serasa Experian. Em comparação a março de 2022, quando o total era de 1,045 milhão, o aumento foi de 4,29%.
O relatório da empresa de análise de crédito mostra que, em quatro anos, 97.690 novos inscritos entraram na lista de devedores. É como se toda a população de Paulínia passasse a ter alguma dívida. Em março de 2019, o número de inadimplentes era de 992.894 pessoas na RMC. O número de nomes negativados no terceiro mês representa uma alta de 9,84% na comparação com mesmo período de 2019, ano a partir do qual estão disponíveis os dados da empresa.
O total das dívidas em março foi de R$ 6,24 bilhões, aumento de 25,45% em relação aos R$ 4,97 bilhões de igual mês de 2022. Na comparação com o terceiro mês de 2019, o crescimento foi 27,75%, quando o montante era de R$ 4,88 bilhões. Segundo a Serasa, em quatro anos, o valor aumentou R$ 1,35 bilhão.
PESA
A vendedora autônoma Maria Souza Santos estimou que acumula uma dívida de R$ 40 mil que começou há cinco anos e que não para de crescer. “Antes, tinha nome limpo na praça. Agora, não mais”, disse ela, que tem dívidas atrasadas de diversas origens, como contas de água, luz, celular, internet e cartões de crédito.
Morando sozinha, Maria paga os débitos de serviços essenciais o suficiente para evitar o corte e não tem nenhuma perspectiva de quitar as outras contas. “Se eu ganhasse R$ 2 mil por mês, estaria bem, não teria mais dívidas”, disse. De acordo com a vendedora, o alimento que chega à mesa muitas vezes são de cesta básica que ganha da igreja ou de outras entidades.
O alto nível de inadimplência fez até lojas mudarem suas estratégias de venda. Há três anos, um estabelecimento do Centro de Campinas parou de ter crediário próprio e passou a aceitar apenas cartão de crédito. “O custo até aumentou, mas o risco passou a ser da operadora do cartão, não mais da loja, que agora recebe tudo em dia”, disse o gerente Matheus Villaverde.
Ele acrescentou que a empresa reduziu as promoções e deixou de trabalhar com itens mais baratos. “O número de clientes que entram na loja diminuiu, mas o valor médio das vendas e o faturamento aumentaram”, disse. O resultado é que a loja, que foi fundada há quase 50 anos, elevou o lucro e segue aberta.
JUROS E DESEMPREGO
Para o economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi, “a inflação e os juros altos são os principais fatores que explicam o atual cenário” de alta da inadimplência. Ele acrescentou que contribuiu também a sazonalidade desfavorável do começo do ano, quando ocorrem muitas despesas extras típicas, como o início do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
“As pessoas ainda utilizam o cartão de crédito, por exemplo, para fazer compras básicas, como alimentação e remédios. Por isso, a relação com o parcelamento também deve ser pautada com base na organização financeira, para que não se torne mais uma dívida”, completou. Para a economista Alessandra Ribeiro, a redução da inadimplência ocorrerá somente com uma mudança na macroeconomia nacional.
De acordo com ela, somente com o aumento na oferta de emprego, da renda dos trabalhadores e queda dos juros é que se criará um quadro em que as pessoas terão condições de quitar as dívidas. Essas mudanças, explicou, serão reflexo do crescimento da economia e dos investimentos no País. “Com a melhora esperada para a renda (das pessoas) e do mercado de trabalho, esses débitos serão quitados”, afirmou.
COMPARAÇÕES
Na Região Metropolitana de Campinas, o maior do tíquete médio por dívida é de Hortolândia, onde o valor é de R$ 1.953,94, segundo a Serasa. O município fechou março com 88.058 inadimplentes, o que dá uma média de três em cada grupo de 11 pessoas. A média leva em conta a prévia da população apontada pelo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é de 246.449 moradores.
Em Campinas, o tíquete médio é de R$ 1.454,99. A cidade tem 431.063 devedores inscritos na Serasa, com o total da dívida sendo de R$ 2,55 bilhões. Responsável por 31,03% das dívidas, o cartão de crédito continua sendo o segmento com o maior número de brasileiros inadimplentes, seguido pelas contas básicas, o que inclui luz, água e gás, (22,02%), e pelo setor de varejo (11,29%). Em comparação a março de 2022, as contas com bancos e cartões tiveram aumento de 2,86 pontos percentuais, enquanto os outros dois segmentos demonstraram queda.
Em março de 2022, os serviços essenciais tinham uma participação de 23,21% do montante das dívidas, enquanto o varejo representava 12,62%. A inadimplência no Brasil chegou em março a 70,71 milhões de pessoas, alta de 0,255% em comparação aos 70,53 milhões de fevereiro, segundo a Serasa. Em apenas um mês, 180 mil pessoas foram incluídas na lista de devedores da empresa. O montante da dívida em março no País foi de R$ 334,5 bilhões, alta de 2,42%.
Apesar de atingir um novo recorde, a proporção de inadimplentes em relação a população na RMC é inferior a média do Estado de São Paulo. Enquanto na região é de 34,07%, chega a 44,97% no Estado, de acordo com o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas da Serasa. Segundo o levantamento, a maior proporção é no Rio de Janeiro, 52,65%. A média nacional é de 43,43%.
O relatório da empresa de análise de crédito mostra que 50,3% dos inadimplentes são mulheres, enquanto os homens são 49,7%. Entre os devedores, 69,5% do total estão na faixa etária entre 26 e 60 anos. Em março, 4,15 milhões de acordos no País foram fechados pela Serasa para pagamento de dívidas. Foi o segundo maior número em um mês desde janeiro de 2022, ficando atrás apenas de novembro passado, quando foram feitos 4,6 milhões de acordos. O valor médio dos acertos em março foi de R$ 744,17.
Além do aumento da inadimplência entre as pessoas físicas, a Serasa registrou em fevereiro deste ano crescimento entre as empresas. Entraram na lista de negativação 6,5 milhões de empresas, o maior número de toda a série histórica, iniciada em janeiro de 2016. A maior parte das empresas que estão na lista de inadimplência é do setor de serviços, representando 53,8% do total. Em sequência estão as do comércio (37,3%), indústria (7,7%), agropecuária (0,8%) e outros (0,4%), que inclui a área financeira e de terceiro setor.
Para o economista Luiz Rabi, a curva crescente na inadimplência dos consumidores acaba impactando também as empresas. “Mesmo que existam oscilações positivas e alguns empreendedores consigam quitar suas dívidas, como aconteceu em janeiro, a melhoria contínua da inadimplência dos empreendimentos depende muito do cenário de negativação entre os consumidores”, disse.