EM CAMPINAS

Número de beneficiários do Bolsa Família volta a subir

Cidade registrava queda nos contemplados desde março até contabilizar novos aumentos em agosto e setembro

Isadora Stentzler/ [email protected]
11/10/2023 às 08:40.
Atualizado em 11/10/2023 às 08:40
Com 28 anos, Jéssica vive com três filhos e o marido em uma casa com apenas um cômodo e é uma das mais de 60 mil pessoas do município que precisam do Bolsa Família: ‘aqui a gente não vive, a gente sobrevive’ (Alessandro Torres)

Com 28 anos, Jéssica vive com três filhos e o marido em uma casa com apenas um cômodo e é uma das mais de 60 mil pessoas do município que precisam do Bolsa Família: ‘aqui a gente não vive, a gente sobrevive’ (Alessandro Torres)

Após atingir o maior número de beneficiários do Bolsa Família desde 2004, com 65.953 pessoas recebendo o benefício em Campinas no mês de março, muitas famílias começaram a deixar o programa, diminuindo os indicadores em até 9%. Os dados são do Ministério da Cidadania. Entretanto, em um movimento contrário, a partir de agosto os indicadores voltaram a subir, o que fez com que setembro fechasse com o segundo maior número de beneficiários da série histórica, 63.057. De acordo com a Secretária de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, Vandecleya Moro, a oscilação reflete impactos da economia nacional e da falta de emprego.

Maior programa de transferência de renda do Brasil, o Bolsa Família foi relançado neste ano com um modelo de benefício que considera o tamanho e as características familiares. O valor mínimo pago aos beneficiários é de R$ 600. O pagamento pode ser maior de acordo com a composição familiar. Por exemplo, há um adicional de R$ 50 para todas as famílias com crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, mesmo valor adicional para as que famílias com gestantes.

Além de garantir renda básica para as famílias em situação de pobreza, o programa busca integrar políticas públicas, fortalecendo o acesso das famílias aos direitos básicos, como saúde, educação e assistência social. Na prática, ele tem garantido o básico para que famílias que não conseguem acessar o mercado formal de trabalho possam sobreviver.

Em maio deste ano, o governo federal também mudou os padrões de classificação de pobreza e extrema pobreza. Atualmente, as duas faixas estão reunidas como "pobreza". Segundo os dados do governo federal, há 65,4 mil famílias vivendo em condição de pobreza, ou seja, que ganham até R$ 210 per capita, em Campinas. Esse número representa cerca de 163 mil pessoas, ou uma fatia de 14,3% de toda a população local, que poderiam receber o benefício.

A região Sul é a que concentra o maior índice de pessoas vivendo nessas condições. Segundo Vandecleya, há uma grande preocupação em relação a esse público, além da complexidade que é, e dos diversos fatores envolvidos para, superar a linha da pobreza até o ponto de um beneficiário conseguir deixar programas de repasse de renda.

“A situação de vulnerabilidade é um problema complexo, que envolve, além da assistência, empregabilidade e toda uma infraestrutura para atender a população, tanto no sentido de acolher como no sentido de superar essa situação. A vulnerabilidade social exige múltiplas medidas de governança. Infelizmente a questão da pobreza afeta o país como um todo. É preciso um trabalho contínuo no sentido de garantir melhores condições de vida a essas pessoas”, destacou.

SOBREVIVER

Para quem não consegue se encaixar no mercado formal de trabalho, o benefício do Bolsa Família tem garantido o mínimo para sustentar a família.

Abaixo da Rua Engenheiro Sylvio Antônio Zuffo Griecco, no Parque Oziel, em uma viela de chão batido que se mistura com pedaços de concreto, crianças brincam com suas pequenas "motocas" em frente à casa de Kaliane dos Santos Nascimento, de 37 anos. Ela é beneficiária do Bolsa Família há cinco anos, mesma época em que mudouse para o bairro, e com o valor de R$ 600 garante a comida da casa e a perua que leva seu filho à escola. A casa é modesta, mas exibe na fachada uma placa de venda de doces escrita à mão, trabalho que garante aproximadamente R$ 120 por mês. A região onde Kaliane vive é considerada de risco. Além disso, está nas mãos de um juiz uma ordem de despejo que, da noite para o dia, pode tirar a família da sua única habitação.

“Meu marido tem um trabalho fixo, com o qual consegue receber pouco menos de um salário mínimo. Tudo o que ele recebe estamos investindo em um consórcio da Caixa, para termos a nossa casinha. Se não fosse o Bolsa Família, mal teríamos para o básico da casa”, lamentou. Durante a semana, ela tem a sorte de contar com doação de carne e calcula a quantidade de duas cestas básicas recebidas por mês para alimentar a família.

Dados do governo federal indicam a existência de 65,4 mil famílias vivendo em condição de pobreza, com até R$ 210 por pessoa, em Campinas; número representa 14,3% da população da cidade (Alessandro Torres)

Dados do governo federal indicam a existência de 65,4 mil famílias vivendo em condição de pobreza, com até R$ 210 por pessoa, em Campinas; número representa 14,3% da população da cidade (Alessandro Torres)

No bairro, Kaliane representa a Central Única das Favelas (Cufa) e gasta os dias buscando recursos para ajudar os vizinhos em piores condições.

Jéssica Raini Melo de Souza, de 28 anos, é uma delas. Ela vive com três filhos e o marido numa casa de um único cômodo. A soma do Bolsa Família e dos bicos do marido faz com que a renda da família atinja R$ 1,1 mil ao mês. Porém, o cenário se agrava por causa de uma condição da filha mais nova, de um ano, que tem intolerância à lactose e depende de um leite especial.

Na sua casa, os gastos são contados, sendo a maior parte com o pensamento apenas apenas nas crianças. Não foi apenas uma vez, conta, que ela abriu mão de si e do marido para que os menores tivessem o que comer, o que não deixa de ser uma conquista obtida pelo cartão do Bolsa Família.

Deixar o programa, para ela, seria uma oportunidade de alcançar a independência, já que o marido não consegue trabalho. E a fila da creche, além de longa, a deixa temerosa devido à situação de saúde da filha. “Aqui a gente não vive, a gente sobrevive”, frisa.

Do outro lado da cidade, na Rua 10 do Jardim Campo Belo, Eliane Santos de Brito, de 34 anos, lembra que ficou fora do programa por oito anos. Naquela época Eliane conseguiu um emprego registrado, o que possibilitava, vivendo com a mãe e o filho, manter o aluguel e as contas sem sufoco, mas em 2019 ela descobriu um tumor na cabeça. A partir dali, suas condições para trabalhar foram afetadas, e o mercado se mostrou hostil à sua realidade.

“Eu estava com tumor na cabeça do tamanho de uma laranja e tive que passar por três cirurgias. Desde então eu não consigo um trabalho fixo porque eu fiquei com sequelas. Eu tenho uma válvula e eu fiquei com problema de esquecimento. Se você me explica uma coisa agora, me ensina, eu já esqueço. Então ninguém vai querer me contratar. Mesmo que eu fique na experiência, não passo adiante”, relata.

Isso a fez passar por diversas dificuldades. Ela afirma que já saiu na rua para pedir dinheiro emprestado a fim de quitar o aluguel.

Agora, inscrita no Bolsa Família novamente, ela conta com o recurso que garante o mínimo para sobreviver. Além disso, ela também recebe cestas básicas que são doadas na comunidade. “O benefício me ajuda muito. É lógico que eu queria estar trabalhando, né, registrado, bonitinho, igual eu sempre trabalhei. Não tem nada melhor. Mas devido às circunstâncias, eu só tenho que agradecer a Deus por eu receber o Bolsa Família”, conclui.

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