REDE ESTADUAL DE ENSINO

Novo Ensino Médio é deficitário na Região Metropolitana de Campinas

Maioria das escolas oferece só dois ou três dos 10 grupos de disciplinas do programa

Isadora Stentzler / [email protected]
11/06/2022 às 20:25.
Atualizado em 12/06/2022 às 10:09
Escola Estadual Doutor Paulo de Almeida Nogueira, em Cosmópolis, é unica da Região Metropolitana de Campinas que oferece os 10 itinerários propostos no Novo Ensino Médio, implementado na rede estadual (Ricardo Lima)

Escola Estadual Doutor Paulo de Almeida Nogueira, em Cosmópolis, é unica da Região Metropolitana de Campinas que oferece os 10 itinerários propostos no Novo Ensino Médio, implementado na rede estadual (Ricardo Lima)

Uma Nota Técnica divulgada pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU) aponta os primeiros impactos da inclusão do Novo Ensino Médio nas escolas estaduais paulistas. Mesmo com a possibilidade de fornecer 10 itinerários formativos (grupos de disciplinas), a maioria mantém o número mínimo: dois itinerários. Segundo levantamento feito pelo pesquisador Fernando Cássio, professor de Políticas Educacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a pedido do Correio Popular, o índice se repete na Região Metropolitana de Campinas. De 250 escolas estaduais, 33,6%, fornecem apenas dois itinerários e 32,02%, três. Em contrapartida, apenas uma escola, em Cosmópolis, traz todas as possibilidades.

A Nota Técnica, que também é assinada pelo pesquisador, afirma que o Novo Ensino Médio limita a liberdade de escolha dos estudantes por ofertar poucos itinerários ou priorizar apenas dois deles; gera falta de professores nas escolas; e expande a carga horária escolar via ensino a distância.

O documento ainda cita que a mudança está levando estudantes do matutino a ter "um dia letivo a menos por semana", por falta de profissionais. Já os alunos dos períodos vespertino e noturno perderam 1,5 dia letivo de aula por semana. A pesquisa também aponta que esse impacto causa maior desigualdade de ensino entre os estudantes.

Os dados analisados foram obtidos pelos pesquisadores a partir de dados oficiais fornecidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) após solicitação via Lei de Acesso à Informação, além de dados socioeconômicos obtidos no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e no portal de Dados Abertos da Seduc-SP.

Novo Ensino Médio

O Novo Ensino Médio começou a ser implementado no ano de 2021 em todas as escolas da rede estadual paulista, sendo o Estado de São Paulo pioneiro na aplicação desse projeto. Ele estabelece uma estrutura curricular que elimina as disciplinas escolares a partir do 2º ano do ensino médio, substituindo-as por itinerários formativos que abarcam determinados grupos de disciplinas.

Na pandemia, estudantes que estavam no 1º ano do ensino médio votaram para apontar os itinerários que gostariam que fosse fornecido a partir do 2º ano. Em um questionário on-line, foram apresentados todos os itinerários nos quais os alunos poderiam votar, conforme o grau de interesse. 

Segundo o programa, todas as escolas deveriam oferecer, no mínimo, duas opções de itinerários e garantir a oferta de todas as áreas do conhecimento. A definição dos itinerários pelas escolas deveria ser feita com base no desejo dos alunos, a partir do projeto de vida e da manifestação de interesse.

Na Região Metropolitana de Campinas, a maioria das escolas possui um ou dois itinerários. Outras 20,95% oferecem quatro; 7,11% têm cinco. Quanto menor a porcentagem, maior é o número de itinerários: 3,95% oferecem seis; 1,19% têm sete; e somente 0,40 das escolas possui oito, nove ou 10 itinerários.

Segundo a Nota Técnica, essa disparidade entre o número de itinerários disponíveis e a quantidade ofertada dependeu muito mais das condições materiais das escolas (salas de aula disponíveis, equipes docentes) e de fatores relacionados à gestão escolar do que da escolha individual dos estudantes. 

“A propaganda divulgada mostra a ideia de liberdade de escolha, de flexibilização, etc, mas na prática, essa oferta é fortemente limitada pelas condições de infraestrutura e de equipes docentes”, critica Cássio. O Novo Ensino Médio deveria aplicar o número de itinerários respaldado pela enquete dos estudantes. Segundo ele, foi constatado na pesquisa que, independente do que os alunos votaram, não são oferecidos os itinerários preferidos escolhidos. 

“Portanto, a enquete é uma farsa, ela não funciona como um instrumento para, digamos assim, expressar a escolha dos estudantes. Porque essa escolha não vai se traduzir na oferta. Então, o estudante que cursar o itinerário que escolheu, vai cursar por coincidência, e não porque a escola pensou na oferta baseada na escolha.”

A professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Dirce Zan, que é pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Educação e Sociedade e estuda os impactos do Novo Ensino Médio, aponta que, nas suas entrevistas, é nítido o que chama de “caos e sentimento de insegurança” entre professores e estudantes.

Dirce Zan endossa os resultados divulgados pela Nota Técnica e aponta que a estrutura do ensino público brasileiro é o maior desafio para a implementação desse projeto. Segundo ela, o sistema foi baseado em escolas do exterior, cuja base e estrutura são diferentes.

Em relação aos professores, Dirce disse que há constantes reclamações sobre orientações vindas da Seduc sobre falta de material e mudanças no planejamento e trabalho que vinham desenvolvendo. “Uma professora usou a palavra ‘desconforto’ por várias vezes na entrevista que fiz para a pesquisa. As direções das escolas também têm alertado para a difícil tarefa de atribuição de aulas. Faltam professores!” Em um dos casos, ela disse que estudantes que optaram pelo itinerário de Marketing Visual não tinham sequer aula de Artes ou Inglês, fundamentais para área. 

Professores ouvidos pela reportagem citaram também a sobrecarga no trabalho. Osmair Querido, que é professor de História e atua na rede estadual há 26 anos, cita que o modelo ofertou mais aulas a um mesmo professor, que precisa se dividir entre turmas.

“No ano em que os alunos deveriam escolher os itinerários, estávamos parcialmente presenciais, até houve algum diálogo, mas sem sustentação sólida, pois, nem mesmo nós, professores, sabíamos a fundo como seria. Para o aluno, o assunto foi totalmente jogado, pior que para nós. Somente agora, na prática, estamos vendo o quanto a implantação é deficiente, faltam professores. Nós, efetivos, evitamos pegar essas aulas, por ser mais uma experiência que já prevíamos que não daria certo. E isso só vem se confirmando com o tempo. Triste pensar em uma educação dessa forma.”

A Apeoesp, sindicato dos professores, destacou que, desde o início da apresentação do formato, vem apontando os impactos negativos que ele causaria. A entidade chama o formato de “currículo bandejão”. 

Preferem modelo anterior

Entre os alunos, a percepção do impacto do Novo Ensino Médio também muda conforme o número de itinerários oferecidos na escola, mas a maioria demonstra interesse pelo retorno ao modelo anterior.

Um deles é o estudante Murillo Celso Santana Urbano Cândido, de 16 anos, da Escola Estadual José Carlos Nogueira, onde são oferecidos dois itinerários. “Eu prefiro o método anterior, pois conseguíamos exercer atividades fora da escola, com uma amplitude maior, como cursos ou trabalho”, disse. O trabalho foi uma das questões mais citadas entre estudantes ouvidos pela reportagem.

Como muitas escolas passaram a adotar o formato integral, eles ficaram com horários livres limitados, sem possibilidade de participar de programas de jovens aprendizes. Sobre a escolha dos itinerários, ele disse que os votos foram dados conforme o interesse dos colegas e nem sempre pelo próprio interesse. Isso, “para ficar próximo dos amigos”.

A estudante Bárbara Lino Afonso, de 16 anos, que também está no 2º ano, disse que chegou a ficar cinco meses sem professor efetivo e que há muitos que não se adequaram ao novo formato. Sobre os itinerários, ela disse que o “material fornecido pelo governo é raso”. 

Em Cosmópolis

Já em Cosmópolis, na Escola Estadual Doutor Paulo de Almeida Nogueira, onde são oferecidos 10 itinerários, a diretora Nilze Chiriato Morais afirmou que a medida foi possível devido ao número de estudantes e que não houve falta de professores nem necessidade de adequação da escola ao novo método .
Três alunos ouvidos dessa escola aprovaram o modelo. Um deles, Leonardo, de 16 anos, disse que a mudança proporcionou mais opções de aulas na escola e que, dessa forma, está “aprendendo mais”. 

O colega dele, Ítalo, de 16 anos e aluno do 2º ano, complementou: “Apesar de ser mais cansativo e da minha preguiça às vezes falar mais alto, eu prefiro esse Novo Ensino Médio, pois há mais tempo para estudar e tirar dúvidas. Há mais interações com os amigos e os conteúdos são mais reforçados, além de muitas questões estudadas serem do Enem.”

Outros estudantes da mesma escola de Cosmópolis não concordam com os colegas e citam a sobrecarga massiva como desrespeitosa ao próprio estudante. Já o aluno Felipe Lacerda afirma que, em 2023, no 3º ano, terá poucas matérias importantes: só Português, Matemática, Inglês e Educação Física. “No itinerário, vamos ter disciplinas que não serão úteis para a profissão que escolhi, Jornalismo", disse Felipe.
Em nota, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) disse que o Novo Ensino Médio foi implementado para garantir que o estudante tenha acesso à área do conhecimento mais desejada e que as escolas devem ofertar, no mínimo, duas opções de itinerários, capazes de garantir todas as áreas do conhecimento. 

Sobre os itinerários, ela defendeu que foram definidos com base no desejo dos alunos, a partir do projeto de vida e da manifestação de interesse. A nota ainda destacou que não foram prejudicadas as cargas horárias dos estudantes. 

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