SUSPEITA DE ASSÉDIO SEXUAL

Novo capítulo torna o caso do ‘pai de santo’ mais misterioso

Dois dias antes de sumir, líder espiritual registrou perda de documentos em BO

Rodrigo Piomonte
09/08/2022 às 09:11.
Atualizado em 09/08/2022 às 09:11
Altar da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim: local retomará o atendimento ao público (Reprodução/Site oficial)

Altar da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim: local retomará o atendimento ao público (Reprodução/Site oficial)

Após o episódio do desparecimento surpreendente e misterioso, ocorrido há 20 dias, do líder espiritual, Domingos Forchezatto, 68 anos, o caso agora ganhou um novo capítulo reforçando ainda mais o tom nebuloso que cerca a investigação, digna de um seriado da Netflix. O pai de santo figura sob a condição de suspeito de abusos sexuais praticados contra mulheres frequentadoras da casa de oração Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim (AEUPT), da qual era diretor.

A nova informação que intriga a Polícia Civil é um Boletim de Ocorrência relatando a perda e o extravio de documentos registrado pelo líder espiritual no 7º Distrito Policial, dia 27 de julho, curiosamente, dois dias antes dele desaparecer. O religioso era aguardado para prestar depoimento em um inquérito na 1ª Delegacia da Mulher (DDM) que investiga os casos envolvendo os supostos crimes de assédio sexual até ser visto pela última vez na madrugada do dia 29 de julho, durante a realização de um trabalho espiritual.

O ritual era realizado em uma área de mata fechada às margens do Rio Atibaia, que é acessado pela chácara que o religioso residia. A Polícia Civil tenta entender se há alguma relação desse Boletim de Ocorrência com o sumiço do umbandista. No documento, Domingos descreve a perda ou extravio de documentos referentes, justamente, à propriedade situada na rua Amélia Rodrigues de Figueiredo, no bairro Vale das Garças, no Distrito de Barão Geraldo, local onde residia e endereço do desaparecido. Segundo informações da Polícia Civil, o endereço era usado costumeiramente para a realização de atividades espirituais pela comunidade da Umbanda. 

O Boletim de Ocorrência de número 691 também descreve a perda ou extravio de certificados de cursos que Domingos teria realizado durante sua vida profissional. Domingos atuou por cerca de 30 anos no maior posto da umbanda na Associação Pai Tajubim (AEUPT), em Campinas. Foi no decorrer dessa trajetória que teriam ocorridos os supostos crimes investigados de violência sexual. No inquérito, as vítimas relataram situações em que o líder religioso exigia que as mulheres tirassem as roupas para dar sequência aos "atos religiosos".

Ainda conforme os relatos, as vítimas citam situações de forte pressão psicológica exercida pelo religioso e contam que Domingos cometia os abusos enquanto dizia a elas que precisavam da sua 'energia espiritual'. Nas denúncias, as mulheres acusam o religioso de introduzir o órgão genital nelas sob a alegação de que aquele ato, supostamente espiritual, ajudaria no relacionamento delas com os respectivos maridos, já que Exu, segundo os relatos, trabalharia com energia sexual, que é matéria, e, por isso, a necessidade do sexo ser presente nos rituais, que aconteciam sempre quando Domingos estava a sós com as vítimas.

Além do inquérito referente às denúncias de crimes sexuais, uma segunda investigação acontece e ressalta os contornos do mistério do caso. A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Campinas vinculada ao Departamento de Investigações Criminais (Deic) iniciou uma investigação para apurar o paradeiro do pai de santo, mas até agora segue sem pistas. 

O delegado divisionário do Deic, Oswaldo Diez Jr., procurado na segunda-feira (8), disse que as investigações estão em andamento, porém, sob sigilo e que todo novo elemento será juntado aos inquéritos. "É claro que a polícia está apurando todas as frentes possíveis e imagináveis, mas qualquer informação divulgada antes do tempo pode atrapalhar as investigações", disse.

O sumiço do líder religioso mexeu com a comunidade religiosa de matrizes africanas em Campinas que repudiou o fato, exigindo das autoridades respostas para as denúncias. Desde que apareceram as primeiras denúncias, ao menos sete mulheres confirmaram terem sido abusadas pelo pai de santo. A polícia não descarta a possibilidade de existirem outras vítimas, já que nesses casos é difícil a pessoa assumir o abuso.

O marido de uma das vítimas que preferiu ter sua identidade preservada, e que disse ter tido uma relação de proximidade com o pai de santo por mais de 20 anos, afirmou que sua mulher tentou suicídio por três vezes desde que o caso de abuso sexual veio à tona no início do mês passado.

Ele afirma ainda que Domingos era suspeito de desviar recursos da instituição e afirmava ter formação em psicologia quando jamais possuiu um diploma de graduação dessa disciplina. O advogado do líder espiritual, José Pedro Said, confirmou a realização do boletim de ocorrência por Domingos no 7º Distrito Policial dois dias antes do desaparecimento. "Não sei o motivo que o levou a esse registro de perda de documentos. A família, a esposa e a filha estão desesperados com o desaparecimento", disse.

Na ocasião do desaparecimento, o pai de santo pediu para ficar sozinho na realização do trabalho espiritual que realizava às margens do rio acessado pela chácara que residia. Duas pessoas acompanhavam o religioso, um funcionário da casa e uma segunda pessoa, identificada como Júlio Andre Parzianello Egúsquiza. Ambos confirmaram à polícia que Domingos havia pedido para seguir sozinho com o ritual religioso às margens do rio. O desaparecimento foi constatado pelas testemunhas após a demora do término da atividade religiosa.

O comunicado para a Polícia Civil foi realizado pela esposa de Domingos, Silvana Maria Porto, 62 anos. No dia seguinte, durante o dia, o Corpo de Bombeiros chegou a fazer buscas no rio e na mata, mas nada foi encontrado, apenas os documentos pessoais de Domingos.

Desde que começaram os episódios e o mistério envolvendo o pai de santo, a comunidade Associação Pai Tajubim (AEUPT) enfrentou diversos problemas, entre eles o desligamento de praticantes. A entidade reforça seu posicionamento de contribuir com as investigações da polícia e anuncia o retorno do atendimento ao público após um trabalho religioso fechado para sacerdotes e médiuns previsto para ocorrer segunda-feira (8).

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