COMPREENSÃO E RESPEITO

No Dia Mundial do Autismo, a palavra chave é 'empatia'

Data foi instituída pela ONU para conscientizar a sociedade para o diganóstico precoce

Mariana Camba/ Correio Popular
02/04/2021 às 14:46.
Atualizado em 22/03/2022 às 02:26
Igor Rafael, de 10 anos, que é portador de autismo (Ricardo Lima/ Correio Popular)

Igor Rafael, de 10 anos, que é portador de autismo (Ricardo Lima/ Correio Popular)

Hoje é celebrado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, instituído em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU). A data pretende despertar a atenção da sociedade para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a importância da detecção precoce desta condição. Quanto antes os sintomas são percebidos e o transtorno é diagnosticado, mais cedo tem início o tratamento, o que contribui para melhora do desenvolvimento do paciente, de acordo com o médico Osmar Henrique Della Torre, psiquiatra do Hospital PUC-Campinas e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças é diagnosticada com TEA. Torre afirma que a condição tem origem a partir de uma alteração cerebral. "Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento, que pode ocorrer devido às condições genéticas e do ambiente, que influenciam no desenvolvimento do cérebro. O TEA impacta principalmente na fala e socialização da pessoa. É possível perceber essas alterações desde bebê, como a dificuldade em começar a pronunciar palavras ou a sensibilidade ao barulho e à luz", explicou o médico.

O ideal, segundo o psiquiatra é que as mães fiquem atentas aos detalhes durante o crescimento dos filhos e avisem ao médico caso percebam alguma alteração no comportamento da criança ou na demora em seu desenvolvimento. Com a junção dessas percepções é possível fazer o diagnóstico completo do transtorno, antes dos dois anos. "Há medicamentos que podem aumentar em até dez vezes o risco para o desenvolvimento do TEA, caso a mãe faça uso desses fármacos durante a gestação. Como exemplo, tem o Valproato de Sódio, usado no tratamento para epilepsia e transtorno bipolar. Autismo é uma somatória de fatores, e alguns remédios podem influenciar", ressaltou Torre.

Quem receber o diagnóstico de TEA, segundo o psiquiatra, deve realizar tratamentos que auxiliem na melhora do comportamento e do aprendizado. "Fazemos intervenções com terapia. O objetivo é fazer com que a criança desenvolva as suas habilidades de acordo com a capacidade dela, e apresente melhora no que tem dificuldade", informou Torre. A pessoa com a condição do espectro autista é capaz de perceber pequenas mudanças, que podem gerar incômodos e ansiedade. Com a pandemia, os pacientes sentiram as alterações em suas rotinas, ficaram mais irritados e hiperativos. Isso fez com que aumentasse a procura por atendimento nos consultórios desde o ano passado, acrescentou o psiquiatra.

A Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (Adacamp) é referência no tratamento de pessoas diagnosticas com TEA no município. Ilsa Regina Faustino de Abreu, coordenadora técnica da Adacamp, lembrou que a entidade foi criada há 30 anos por pais de crianças autistas, que não encontravam escolas para os seus filhos. "A associação foi criada com cunho pedagógico. Ao longo do tempo os pais sentiram a necessidade de inclusão das crianças, por isso elas foram encaminhadas para escolas regulares, mas se mantiveram na Adacamp durante o contraturno escolar", recordou Ilsa.

Hoje a entidade atua com foco na área da saúde, por meio do atendimento terapêutico. Atualmente, são atendidas 214 pessoas na instituição, entre três e 48 anos. Destas, 144 são assistidas diariamente. "Atuamos com a terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, psicóloga, fisioterapeuta, profissionais da educação física, nutricionistas e área médica", acrescentou a coordenadora. A associação realiza oficinas com os portadores do TEA, como a manutenção de hortas e a zooterapia, que é o tratamento através dos cães terapeutas. Quando a pessoa chega à Adacamp, é feito um Plano Terapêutico Singular, em que a família expõe quais são as dificuldades que o portador apresenta e as suas habilidades. "Nós buscamos o potencial de cada aluno. Procuramos conhecer no que ele é bom, através da família. A partir daí desenvolvemos a sua capacidade", pontuou a coordenadora.

As metas do aprendizado são estabelecidas e conquistadas através de etapas. "Nós traçamos propósitos que são alcançáveis, mas de maneira gradativa. É necessário um período de médio a longo prazo para que esse retorno ocorra. Há pacientes com menor e maior possibilidade terapêutica, por isso alguns tem ganhos mais rápidos que outros. Assim, as crianças são divididas por turmas. Conforme vão evoluindo e se desenvolvendo, as crianças migram para grupos mais avançados. Isso ajuda a pessoa com autismo, porque ela aprende por repetição. Desta forma, os colegas com maior facilidade de aprendizado se tornam coterapeutas", explicou Ilsa.

A pandemia fez com que a associação adaptasse o atendimento para o ambiente online. Muitos pacientes sentiram o impacto devido à mudança na rotina, de acordo com Ilsa. Isso fez com que alguns retrocedessem no tratamento, e perdessem um pouco do ganho que tinham conquistado. Mas também há os que se adaptaram ao atendimento remoto, e se identificaram mais com essa nova dinâmica. "A maioria das famílias das pessoas que atendemos na associação é formada apenas por mães. Elas são as que mais cuidam dos portadores do TEA. O atendimento remoto exigiu uma integração maior também dos pais, que antes eram mais ausentes. Isso com certeza foi um ganho", concluiu a coordenadora.

Mãe de criança com TEA pede mais acolhimento

Michele de Lúcia diz que a sociedade ainda não sabe lidar com quem é diferente

A dona de casa Michele de Lúcia, 34 anos, descobriu que o filho Igor Rafael era portador do TEA quando ele tinha dois anos e meio. Quando ele era bebê, a mãe percebeu alguns atrasos nos estímulos. Para começar a falar, engatinhar e andar ele demorou mais que o habitual. "Quando eu recebi o diagnóstico foi um choque, não sabia o que fazer. No primeiro momento eu fiquei com medo. Pensava que eu era nova, então eu iria conseguir ser pra ele, o que ele precisava que eu fosse. Mas o meu receio era em relação à minha velhice, como ele iria ficar quando eu não estivesse mais aqui. Com o tempo busquei informações, e aceitei melhor o TEA.

É uma adaptação contínua. Ele sempre vai estar em uma nova fase. Agora está entrando na adolescência, e assim vamos descobrindo as coisas juntos", relatou.

Michele afirma que o Dia Mundial da Conscientização do Autismo é necessário para que as pessoas consigam entender melhor essa condição. Algumas pessoas ainda não conseguem compreender os manifestações- do transtorno, segundo a mãe. "O Igor teve algumas crises em locais públicos. E, ao tentar contê-lo, fui hostilizada por outras mães, sendo que o meu propósito era deixá-lo em segurança. As pessoas precisam ter um olhar mais afetivo. O repeito é necessário, independente do transtorno. Devido ao TEA, ele ainda é infantil para a idade dele, hoje com dez anos. Por isso vejo que, em algumas situações, o Igor é excluído por outras crianças. Quando eu presencio esses episódios, tento explicar que ele é especial, é diferente, para que ele seja acolhido. Mas tem mães que não entendem e me olham com receio. As pessoas precisam ser mais sensíveis, e demonstrar mais empatia. O que todos nós precisamos é de amor", desabafou.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por