1° DE MAIO

No Dia do Trabalhador, falta emprego e sobra desalento

Brasil tem 14,4 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados, diz IBGE

Erick Julio/ Correio Popular
01/05/2021 às 16:40.
Atualizado em 15/03/2022 às 20:41
Trabalhadores em busca de vaga no CPAT, em Campinas: rotina cumprida sem a certeza de sucesso (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Trabalhadores em busca de vaga no CPAT, em Campinas: rotina cumprida sem a certeza de sucesso (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

De pé em frente ao portão entreaberto do Centro Público de Apoio ao Trabalhador (CPAT), na Avenida Campos Sales, no Centro de Campinas (SP), a desempregada Arlene Matias, 40, manifesta sua insatisfação pela "viagem perdida" que fez a partir do Parque dos Cisnes. Ela conta que chegou ao CPAT por volta das 8h de ontem para procurar um emprego, mas não conseguiu ser atendida porque não tinha feito o agendamento online.

Natural de Brasília (DF) e ex-moradora de Goiânia (GO), Arlene conta que é assistente social e foi até o posto do trabalhador em Campinas para procurar "qualquer oportunidade, em qualquer área", já que desde 2017 vive de trabalhos informais como vendedora, sem carteira assinada. Ela se mudou para a cidade há três semanas "em busca de algum emprego, porque no meu Estado está muito difícil".

Questionada sobre qual o sentimento que tem diante de mais um 1º de Maio sem um emprego fixo, Arlene exibe uma expressão de cansaço. "Para ser sincera, eu sinto tristeza pelo descaso com que os trabalhadores são tratados. Estamos cada dia mais desvalorizados", indigna-se. A situação da assistente social é a mesma de 14,4 milhões de brasileiros que estão desempregados no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A assistente social desempregada Arlene Matias: desejo de oportunidade, qualquer que seja

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo instituto ontem, mostra que a taxa média de desemprego no Brasil foi de 14,4% no trimestre móvel de dezembro (2020) a fevereiro (2021). O resultado representa uma alta de 2,9%, ou de mais de 400 mil pessoas desocupadas, em relação ao trimestre anterior (setembro a novembro de 2020), quando o número era de 14 milhões de desempregados.

As perspectivas quanto à ampliação do mercado de trabalho são ainda piores, de acordo com um levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating, feito a partir das novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). O ranking com dados desde 2016 compara os índices oficiais dos países e as projeções do FMI para 2021 para um conjunto de 100 economias, entre elas o Brasil.

O resultado aponta que o país deve registrar este ano a 14ª maior taxa de desemprego do mundo, ultrapassando a posição de países como Colômbia, Peru e Sérvia. Em 2020, o Brasil ocupava o 22º lugar na lista dos países com piores patamares de desocupação. Para o economista e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann, a atual situação do mercado de trabalho do país decorre da política macroeconômica aplicada pelo Governo Federal desde 2016 e de reformas como a trabalhista.

"O argumento adotado naquela época [2017] era que os custos do trabalho eram exacerbados e os patrões tenderiam a contratar mais trabalhadores com a redução desses custos. Essa visão se tornou dominante no parlamento brasileiro, mas do ponto de vista da realidade só ocorreu a redução dos direitos sociais e trabalhistas. E, mesmo que de fato os custos de uma contratação tenham diminuído, a reforma não gerou empregos porque o que é determinante para uma empresa não é o alto custo da contratação, mas a existência de uma demanda por seus produtos", explica Pochmann.

Ainda segundo o economista, não existe uma demanda por conta da "política econômica neoliberal aplicada pelo Governo Temer e agora no Governo Bolsonaro". De acordo com Pochmann, a falta de investimentos públicos enfraquece ainda mais a economia brasileira. "A própria Organização Internacional do Trabalho [OIT]tem acompanhado as mudanças nas legislações trabalhistas de vários países e constatou que as reformas não têm impacto na quantidade de empregos, mas sim na qualidade. O nível de emprego em si depende das condições macroeconômicas de cada nação. Por exemplo, se a taxa de juros é favorável ao investimento e não às aplicações financeiras, além de outros fatores", esclarece.

Arlene, a assistente social desempregada, considera que crescimento do desemprego é "culpa do governo". A assistente social diz que as políticas aplicadas só favoreceram os empresários. "O problema é que o empresário só quer ver o lado dele. A riqueza no país acaba nas mãos de poucos e a desigualdade só cresce. Não consigo ter esperanças para acreditar que vai estar melhor no Dia 1º de Maio do ano que vem", afirma a trabalhadora, que revelou que iria distribuir currículos nas lojas próximas ao CPAT para não perder a viagem e o dinheiro gasto com a passagem de ônibus.

Quem também perdeu a viagem até o CPAT foi o Marcos da Silva, 28, morador do Centro. Ele conta que foi até o posto do trabalhador "atrás um trabalho fixo". Nascido na Bahia, Silva mora em Campinas há nove anos, quando se mudou de São Paulo para cá em busca de oportunidades. "Estou há dois anos sem um registro em carteira. Estou vivendo de bico como promotor de vendas. Hoje está muito difícil conseguir um emprego. Há 10 anos não era assim. Acredito que ficou pior por conta do enfraquecimento dos sindicatos, que são quem defendem os trabalhadores", opina.

No contexto do Dia 1º de Maio, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Campinas promoveu hoje uma 'Carreta e Bicicletada' para, segundo o sindicalista Carlos Fábio, mais conhecido como Índio, "denunciar e mobilizar os trabalhadores para a luta". De acordo com ele, a situação dos trabalhadores já estava difícil antes da pandemia. Ele acredita que o Governo Federal usa o fechamento provocado pela covid-19 como "desculpa", mas tem aproveitado o atual quadro para "atacar ainda mais" os direitos dos trabalhadores.

"É preciso lembrar da proposta da carteira verde e amarela, que significa o fim da CLT como conhecemos. A pandemia atrasou os planos do Paulo Guedes, mas não impediu o Governo Federal de fatiar sua proposta em partes e com isso usar a questão da covid-19 para atacar os trabalhadores", critica Índio. Pochmann, por sua vez, acredita que as medidas tomadas pelo governo federal, desde Michel Temer (MDB), aprofundaram a crise econômica e trabalhista.

"Estamos em 2021, oitavo ano em que o Brasil não tem crescimento econômico. É só o início do ano e já estamos com um nível de atividade econômica 7% abaixo do que era em 2014. Não tem milagre: se não tem aumento de produção, como vai gerar emprego? As políticas e reformas levaram a uma substituição da CLT por outros tipos e modalidades de trabalho, como as plataformas online que são precárias ao trabalhador", critica.

Marcos da Silva está desempregado há dois anos e vive de bicos: “está muito dífícil”

‘Trabalho passa por processo de uberização’

O Dia 1º de Maio de 2021 será marcado pelo crescimento no número de desempregados no Brasil. Pesquisa do IBGE, divulgada ontem mostra que o país tem hoje 14,4 milhões de brasileiros sem emprego. O número, contudo, não leva em conta os desalentados, cerca de 6 milhões, que são aqueles trabalhadores que desistiram de buscar um trabalho formal por não acreditarem que vão conseguir.

Sem emprego, essas pessoas recorrem à informalidade ou a trabalhos sem vínculo empregatício para conseguir se sustentar. Um dos principais nomes da Sociologia do Trabalho, Ricardo Antunes, que é professor titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), destaca que o "contexto de crise profunda na economia" leva muitos trabalhadores a procurarem as plataformas ou aplicativos, em um processo que ele chama de "uberização do trabalho". O conceito está presente na recente obra do professor, 'O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviço na era digital'.

Antunes lembra que a sociedade vive hoje um "intenso" avanço das tecnologias de informação e comunicação, com o uso de inteligência artificial, "plataformização" do trabalho e a indústria 4.0. "Esse contexto de enorme avanço tecnológico, digital e informacional ocorreu paralelamente ao aumento brutal do desemprego. O resultado disso é que qualquer desempregado tem como sonho conseguir qualquer trabalho. E a forma mais rápida de conseguir algum dinheiro para sobreviver é se inserir nessas plataformas".

Giovani Neres, 25, é um desses trabalhadores. Sem conseguir nenhum emprego com certeira assinada, o morador da Vila Padre Anchieta aguardava, em um banco do Largo do Rosário, por mais algum pedido de entrega. Ele trabalha para as plataformas de alimentos e faz as entregas de bicicleta. "Eu estava fazendo bicos de ajudante de pedreiro, mas nem isso tenho conseguido mais. Estou há um mês fazendo as entregas. É o que tem para hoje", diz Neres, que revelou ter trabalhado cerca de 11 horas por dia para ganhar cerca de R$ 800 por mês.

O trabalhador de aplicativo explica ainda que gostaria de ter "mais direitos" ou suporte das plataformas. De acordo com Neres, as empresas fornecem apenas a capa da mochila de entrega. "Não temos muita ajuda, não. Se você precisa de algum equipamento de proteção, você tem que comprar. É bem complicado conseguir comprar isso", aponta.

Para Antunes, a situação narrada por Neres ilustra o "flagelo do desemprego" do Brasil. De acordo com ele, o processo de 'uberização' do trabalho tem avançado cada vez mais. "As plataformas que se esparramam pelo Brasil e pelo mundo, em um fenômeno mundial, sabem que a tecnologia lhes permite fazer uma modalidade de trabalho que antes era impossível. A quantidade de trabalhadores desocupados permite ainda que eles ofereçam o que quiser, pois os desempregados vão aceitar. Não há nada pior do que o flagelo do desemprego", critica.

Como resultado, segundo o professor, os trabalhadores contratados pelas plataformas não possuem nenhum direito, como férias, jornada de trabalho limitada, descanso semanal remunerado e previdência, por exemplo. "Como é possível em pleno século 21, com o capitalismo em uma fase tecnologicamente mais avançada, nós termos essas formas pretéritas de trabalho que se assemelham à escravidão ou início da revolução industrial. O Brasil consegue ser hoje um dos países com o nível de desigualdade mais brutal, especialmente se vermos os dados da pandemia, com mais de 400 mil mortes, predominantemente de homens e mulheres negras das periferias. Esse é o cenário do 1º de Maio de 2021", finaliza.

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