GARGALO NA PRODUÇÃO

Nacionalização de insumos é a saída para a indústria da RMC

Falta de matéria-prima e preços elevados vêm “travando” a retomada do setor

Edimarcio A. Monteiro / [email protected]
11/06/2022 às 10:56.
Atualizado em 11/06/2022 às 10:56
Funcionários em empresa da placas solares, em Campinas: levantamento aponta que sete em cada dez organizações encontram dificuldades para adquirir materiais e insumos fora do país (Gustavo Tilio)

Funcionários em empresa da placas solares, em Campinas: levantamento aponta que sete em cada dez organizações encontram dificuldades para adquirir materiais e insumos fora do país (Gustavo Tilio)

Empresas da região de Campinas estão buscando novos fornecedores nacionais para fugir dos problemas enfrentados com a importação de matérias-primas causados pela alta do preço em dólar, guerra entre a Rússia e Ucrânia e reflexos da pandemia de covid-19 na Ásia. "O conflito e as sanções impostas à Rússia acentuaram o problema das cadeias de suprimentos, gerando gargalos no fornecimento de insumos e energia, além de barreiras ao sistema de logística internacional. Esses fatos provocam atrasos e interrupções no fornecimento de insumos, além da excessiva elevação de preços, como temos visto", explica o gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles. 

Uma fabricante de automóveis da região trabalha hoje com 60% a 70% de nacionalização dos componentes que utiliza e trabalha para ampliar essa participação. A falta, principalmente, de semicondutores (chips) é apontada como um dos fatores que prejudicou em 2021 o desempenho da multinacional, que sofreu ainda com outros componentes, os quais ficaram presos em navios e aguardando contêineres.

As dificuldades com o fornecimento de chips teve início em 2020, com o avanço da pandemia de covid-19 na Ásia, sobretudo com os lockdowns adotados na China. 

A pior fase desta crise já passou, a partir do aumento na produção, mas o equilíbrio entre demanda e oferta deve ocorrer apenas em 2024, preveem os especialistas. O desequilíbrio na produção de veículos resultou na alta dos preços dos modelos novos no Brasil, o que puxou também os preços dos carros usados.

De acordo com a Sondagem Especial da CNI, divulgada este mês, 43% das indústrias extrativa e de transformação pretendem substituir fornecedores estrangeiros por nacionais. 

No caso da indústria de construção, 54% têm planos para substituir os insumos importados por nacionais. O levantamento aponta ainda que sete em cada dez empresas encontram dificuldades para comprar materiais fora do país. Isso frustra a expectativa de 80% das organizações que esperavam que o fornecimento estivesse normalizado ao longo deste ano.

Novos fornecedores

"Recomenda-se que, quando possível, as empresas regionais busquem o desenvolvimento de fornecedores nacionais", afirma o economista Paulo Oliveira, do Observatório da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), coordenador da pesquisa "Evolução dos Custos de Importação da Região Metropolitana de Campinas". 

De acordo com ele, a nacionalização é uma forma de fugir do aumento dos custos das matérias-primas dolarizadas e do risco de falta de insumos que causam a paralisação da produção.

"É um contexto antiglobalização, que põe em xeque a política de produção dos países", afirma o professor da PUC. Ou seja, a revisão da política internacional adotada pelas empresas que concentraram os fornecedores de insumos e matérias-primas em algumas nações. Oliveira exemplifica que 74% das importações regionais de adubos e fertilizantes são feitas da Rússia, que agora sofre embargo internacional por causa da guerra contra a Ucrânia.

Uma multinacional de fertilizantes instalada em Sumaré divulgou que busca alternativas para "mitigar ao máximo possível os impactos no abastecimento de produtos". Para isso, está se valendo da sua atuação global, o que possibilita uma ampla rede de fornecedores. A empresa tem operações em mais de 60 países e atuação em cerca de 160 nações.

Para tentar reduzir a dependência dos produtos russos, o Ministério da Agricultura tenta aumentar a importação do Canadá. Porém, essa solução não evita a alta em dólar dos adubos e fertilizantes em todo o mundo, o que se reflete no aumento dos custos da produção e chega até bolso do consumidor final com elevação dos preços dos alimentos. 

Superou as expectativas

De acordo com a Sondagem Especial da CNI, a alta dos custos de insumos e matérias-primas importados ficou acima do esperado para 58% das empresas na indústria extrativa e de transformação, chegando a 68% no caso da indústria de construção. Mas os reajustes também foram praticados por fabricantes brasileiros. 
Em cinco setores, o aumento generalizado dos preços nacionais surpreendeu mais de 80% das empresas, como as de produtos de borracha, biocombustíveis, metalurgia, veículos automotores e produtos de limpeza. 

Para Paulo Oliveira, a nacionalização de fornecedores poderá resultar no aumento de investimentos no país e na oferta de empregos. "Do ponto de vista da política econômica, os formuladores de política, em âmbito nacional e regional, devem fomentar a substituição de importações em setores estratégicos, facilitando o desenvolvimento e implementação de ações que visem a ganhos de produtividade", afirma.
O economista do Observatório menciona ainda que o atual cenário é uma oportunidade para a indústria nacional investir em qualidade e tecnologia, a fim de atender às exigências dos novos clientes. Ele explica que muitas organizações têm departamentos voltados ao desenvolvimento de fornecedores nacionais. O professor da PUC aponta que o segmento de eletrodomésticos obteve sucesso nesse campo. 

"As limitações tecnológicas, que impactam, sobretudo, a produtividade nacional, são um fator que deve dificultar essa realocação", acredita Oliveira. O estudo do Observatório da PUC também aponta que os problemas continuarão a afetar a produção nacional. O contexto das cadeias globais de valor continua desfavorável para o fornecimento de insumos, sem mudanças a curto prazo sobre os conflitos na Ucrânia, a desvalorização do real e com sinais de aumento nos casos de covid. 

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