Especialistas atribuem situação à pandemia da covid-19 e à reforma trabalhista
Dos 211.546 processos recebidos pelo TRT-15 no ano passado, 49 mil eram referentes à multa de 40% sobre o FGTS e 48.814 a atrasos nas rescisões (Gustavo Tilio)
O descumprimento de três direitos básicos dos funcionários demitidos sem justa causa lidera os novos processos impetrados no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT), sediado em Campinas, o segundo maior do País. Quase metade dos casos protocolados em 2021 — 46% — envolve a falta de pagamento da multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o atraso de verbas rescisórias, aponta levantamento do órgão. Especialistas atribuem a situação aos reflexos econômicos da pandemia da covid-19 e à reforma trabalhista implementada em 2017, no governo Michel Temer.
Dos 211.546 processos recebidos pelas 153 Varas do Trabalho do TRT-15 no ano passado, 49.001 tinham pedidos relacionados à multa de 40% sobre o FGTS. Já as demandas requerendo a multa por atraso das verbas rescisórias, prevista no artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), apareceram em 48.814 conflitos entre empregadores e trabalhadores.
As auxiliares de limpeza Liliane de Souza e Vanessa Damásio reclamam do atraso no pagamento de FGTS, dos 40% de multa e outros direitos trabalhistas. “Houve dia em que não tive condições nem de ir trabalhar porque a empresa atrasava até o vale-transporte”, diz Liliane, que utilizava dois ônibus para ir ao trabalho.
Vanessa aponta que o atraso no pagamento começou logo no primeiro mês de contratação. Demitida após seis meses de trabalho, ela reivindica agora na Justiça a quitação da rescisão trabalhista. “Não dava para esperar nada diferente de quem nem pagava o salário em dia”, afirma.
Abrangência
O TRT da 15ª Região é responsável pelas ações trabalhistas em 599 municípios paulistas, que representam 95% do território do Estado, onde reside uma população superior a 22 milhões de pessoas, o que proporciona uma fotografia ampla das demandas jurídicas. Em sua jurisdição, estão algumas das regiões mais ricas e importantes economicamente no Estado e no Brasil. Além de Campinas, estão os municípios das regiões de Araçatuba, Bauru, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São José dos Campos, São José do Rio Preto e Sorocaba.
“A principal controvérsia é se a indenização de 40% sobre o FGTS é uma verba rescisória e, em caso de atraso no pagamento, se incidirá sobre ela a multa do artigo 477 da CLT. Como sempre destacava nos processos de minha relatoria, há ampla jurisprudência no Tribunal Superior do Trabalho confirmando que a multa de 40% do FGTS é verba rescisória e deve ser disponibilizada no prazo legal”, explica a presidente do TRT-15, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla.
Aviso-prévio
As reclamações envolvendo o aviso-prévio figuraram em cerca de 20% dos processos submetidos às Varas do Trabalho do TRT-15 no ano passado (45.394). Os processos envolvem casos relacionados a motivos variados, como a falta de pagamento dos direitos trabalhistas e também ao desrespeito à antecedência mínima necessária para comunicação do fim do contrato (oito dias para pagamento por semana ou por tempo inferior e 30 dias para serviços prestados por mais de um ano).
“Previsto no inciso XXI, artigo 7.º da nossa Constituição, a comunicação adequada sobre o término do contrato de trabalho é um dever recíproco, que deve ser cumprido tanto pelo empregador que demite como pelo empregado que pede demissão”, diz a presidente do TRT-15.
De janeiro a dezembro do ano passado, as equipes de juízes e servidores do Tribunal Regional solucionaram 217.427 casos. Já os desembargadores e juízes convocados receberam 122.995 e julgaram 125.861, com os solucionados ultrapassando, tanto no 1° quanto no 2° grau, a demanda recebida no ano.
A advogada trabalhista Juliana Marcondes Sartori, que ontem representava uma empresa reclamada em audiência no Fórum Trabalhista, diz que a reforma trabalhista de 2017 e a pandemia de covid-19 criaram novas situações de trabalho que geram polêmica, como o trabalho a distância, e dão origem a ações. “Não tem como cobrar hora extra em home office, a pessoa faz seu horário de trabalho”, justifica.
Sindicato
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, Sidalino Orsi Júnior, atribui as ações judiciais para reivindicar os direitos trabalhistas básicos como reflexo da reforma trabalhista, que flexibilizou as relações trabalhistas e enfraqueceu a ação das entidades sindicais. Um das mudanças implantadas é que as empresas podem efetuar demissões sem fazer a homologação no sindicato da categoria.
Com isso, funcionários acabam sendo demitidos sem ter garantia de que está recebendo todos os direitos e somente aqueles que ficam com receio de estarem sendo prejudicados é que buscam a entidade representativa. “É frequente a procura por causa dessas verbas. Mais do que isso, é uma conjuntura política e jurídica que faz com que muito trabalhadores sejam prejudicados por causa da reforma trabalhista”, afirma Orsi Jr.
Ele ressalta que 90% das empresas na base do sindicato estão sem firmar acordo coletivo há seis anos, o que atinge os setores de autopeças e eletroeletrônicos, os dois maiores na região. Isso prejudica a negociação para reforçar a garantia dos direitos nas convenções trabalhistas, porque as empresas buscam acordos isolados com seus trabalhadores, enfraquecendo a luta sindical.
O Sindicato dos Metalúrgicos tem cerca de 55 mil trabalhadores em nove municípios: Campinas, Valinhos, Indaiatuba, Paulínia, Americana, Sumaré, Hortolândia, Monte Mor e Nova Odessa. De acordo com o presidente da entidade, as grandes empresas normalmente cumprem a legislação trabalhista, com os problemas ocorrendo nas pequenas e médias indústrias.
Para Orsi Jr, caberá aos sindicatos buscar junto ao novo governo, federal que tomará posse no próximo ano, as mudanças na reforma trabalhista. Essa opinião é compartilhada pelo coordenador da subsede da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Campinas, Agenor Soares. “A reforma só ajudou a precarizar as relações trabalhistas com a promessa de gerar empregos, o que não aconteceu”, afirma.
Para ele, as mudanças feitas em 2017 potencializaram as desigualdades e procuraram desconstruir os sindicatos. “A reforma trabalhista colocou um cabresto nos trabalhadores”, critica. Ele explica que, com o enfraquecimento da ação dos sindicatos, os funcionários ficaram mais vulneráveis a abrir mão de direitos já conquistados, o que é agravado pelo alto desemprego no País, calculado em 12%.
O advogado trabalhista José Antonio Cremasco, que tem 40 anos na atividade, aponta que dúvidas surgidas a partir da reforma trabalhista também levam os demitidos a não buscar seus direitos. Ele cita como exemplo a informação de que, se o trabalhador perder a ação, terá de pagar as despesas do advogado da parte contrária. Por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em outubro passado que pessoas pobres, que têm direito à Justiça gratuita, caso percam a ação trabalhista, não terão que pagar os horários de peritos, nem dos advogados da parte vencedora.
Economia pesa
A economista Eliane Rosandiski, do Observatório da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), considera que a pandemia da covid-19 agravou a crise econômica que afeta o País desde 2013. Para ele, muitas empresas não conseguiram se recuperar após a retomada das atividades, sofreram desequilíbrio financeiro e fecharam sem condições de arcar com as rescisões trabalhistas.
A professora de Economia considera que uma mudança no quadro atual de desemprego ocorrerá quando os empresários tiverem a perspectiva factível de retomada do crescimento econômico e aumento da demanda. “O que leva um empresário a deixar de investir não é o custo trabalhista, mas um País com o consumo fragilizado”, afirma.
Semana de conciliação
O TRT da 15ª Região encerrou a 6ª edição da Semana Nacional da Conciliação Trabalhista com um total de 2.951 acordos, que somam R$ 115,1 milhões homologados aos trabalhadores. O balanço do evento, promovido entre 23 e 27 de maio pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), foi divulgado ontem. Ao todo, foram realizadas 5.279 audiências, telepresenciais e presenciais, com 56% de aproveitamento conciliatório, beneficiando 18.468 pessoas.
Com o resultado, o TRT-15 ficou em 2º lugar entre os tribunais de grande porte no ranking do CSJT, que calculou, de forma conjunta, o total de acordos, a quantidade de pessoas atendidas e o valor movimentado. O 1ª lugar ficou com o TRT-2, de São Paulo, que homologou 3.121 acordos, firmou R$ 71 milhões em conciliação e atendeu 33.164 pessoas. “Mais do que números, esses acordos representam o fim de conflitos entre trabalhadores e empregadores, garantindo direitos e beneficiando diversas famílias”, afirmou Ana Amarylis, presidente do TRT-15.
A Semana Nacional de Conciliação é promovida anualmente pelo CSJT, em parceria com os 24 Tribunais Regionais do Trabalho de todo o Brasil. Neste ano, o slogan da campanha foi “Conciliar para Recomeçar” e marcou a volta das atividades presenciais na Justiça do Trabalho.
De acordo com o CSJT, houve homologação de 21.167 acordos e movimentação de R$ 764.692.451,39. Durante os cinco dias de evento, 219.566 pessoas foram atendidas e 65.035 audiências realizadas. Tribunal de médio porte, o TRT da 5ª Região (Bahia) liderou o ranking geral de valores homologados, com R$ 118 milhões.