Censo 2022 do IBGE revela que elas são responsáveis por 49,4% das residências da cidade, acima da proporção obtida na RMC, Estado de SP e país
Segundo o IBGE, mais de 212 mil mulheres que vivem na metrópole se declaram como responsáveis pelos domicílios em que vivem; na comparação entre as edições de 2010 e 2022 do Censo, o aumento no número de pessoas do sexo feminino nessa condição em Campinas foi de 52,7% (Kamá Ribeiro)
A quantidade de mulheres responsáveis pelos domicílios em Campinas está cada vez mais próxima ao total de homens na mesma situação. Segundo dados divulgados no dia 25 no Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 49,4% dos líderes das residências na maior cidade da Região Metropolitana de Campinas (RMC) são do sexo feminino, o equivalente a 212.209 pessoas. Em 2010, esse porcentual era de 39,8%, quando 138.915 mulheres foram registradas como responsáveis domiciliares. Os dados foram levantados pelo Correio Popular junto ao IBGE.
Trata-se de um recorte do que foi visto em nível regional, estadual e nacional. Mulheres estão à frente de 46,8% dos domicílios vistoriados no Censo de 2022 na RMC (542.385 pessoas), 49,2% no Estado de São Paulo (7.992.490 mulheres) e 49,1% no Brasil (o equivalente a 35.631.098 pessoas). Os dados mostram um aumento relevante em relação ao Censo de 2010, quando eram 36,2% mulheres responsáveis pelas unidades domésticas na RMC (317.312), 38,9% em São Paulo (5.001.854) e 38,7% no Brasil (22.242.888).
Comparando as duas edições do Censo, o aumento no número de pessoas do sexo feminino responsáveis por domicílios em Campinas foi de 52,7%. Na RMC foi de 70,9%, no Estado, de 59,7% e em nível nacional, 60,1%. O IBGE classifica a pessoa responsável pelo domicílio como a pessoa com 12 anos ou mais de idade reconhecida pelos moradores como responsável pela unidade domiciliar.
Segundo a analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Luciene Longo, os dados do Censo mostram que em 10 das 27 unidades da Federação (26 estados mais o Distrito Federal), o porcentual de mulheres responsáveis pela unidade doméstica foi maior que 50%: Pernambuco (53,9%), Sergipe (53,1%), Maranhão (53,0%), Amapá (52,9%), Ceará (52,6%), Rio de Janeiro (52,3%), Alagoas, (51,7%) Paraíba (51,7%), Bahia (51,0%) e Piauí (50,4%). “Os dados revelam que a maior parte dessas unidades da federação estão concentradas na Região Nordeste do país. Por outro lado, os menores percentuais são encontrados em Rondônia, com 44,3%, e em Santa Catarina, com 44,6%. Percebe-se, de forma geral, que as unidades da federação acompanharam o movimento do país, que teve aumento da proporção de unidades domésticas com responsáveis do sexo feminino”, avaliou.
COMPLEXIDADE
Joice Melo Vieira é antropóloga, demógrafa e professora do Departamento de Demografia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, além de pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO). De acordo com ela, apenas o crescimento da população feminina – de 559.248 em 2010 para 596.034 em 2022, usando Campinas como exemplo – não é suficiente para explicar o número de mulheres responsáveis por domicílios. “São vários fatores, inclusive técnicos. O que significa isso? A forma como é feita a pergunta pelos entrevistadores do IBGE. No passado, quando se perguntava sobre o responsável pelo domicílio, era questionado sobre o chefe do domicílio, com o sujeito no masculino. Então, a pessoa responder o nome do marido ou do pai, por exemplo, era algo quase automático. Com a mudança na maneira de perguntar, as pessoas que respondem ao Censo se sentem mais responsáveis para se afirmarem nessa posição de liderança”, disse.
Ainda de acordo com a pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó, as mulheres atualmente possuem uma inserção muito maior em espaços antes ocupados, na maioria das vezes, por homens, como o mercado de trabalho. “Se você observar censos anteriores, a mulher só respondia que era responsável pelo domicílio quando não tinha um companheiro. Isso já não é verdade hoje em dia. E em muitos casos, atualmente, quando um casal mora junto, as pessoas dividem funções e depois entram em acordo sobre qual deles vai ser indicado como responsável pelo domicílio.”
Joice Melo Vieira também afirmou que a monoparentalidade, quando existe apenas um dos pais dentro de casa morando com os filhos, e o envelhecimento populacional são outros aspectos que devem ser observados nesse contexto. “É muito comum as mulheres terem mais dificuldade de conseguirem uma nova união à medida que envelhecem. É muito comum ainda que essas pessoas vivam em um domicílio unipessoal, vivendo sozinhas até perderem a capacidade de mobilidade devido ao processo de envelhecimento. É quando elas vão viver com algum parente ou vão para uma instituição de longa permanência para idosos. Existe também o aumento da monoparentalidade, quando ocorrem as rupturas de união e a mulher fica realmente sozinha com os filhos. Em relação ao futuro, acredito que vamos, de fato, ver mais mulheres como responsáveis pelos domicílios nos próximos censos, mas, sendo muito honesta, estamos muito atrasados em termos de pesquisa sobre família, com as mesmas estatísticas há 60 anos. Tem muitas questões que são novas, que os dados atuais não permitem que sejam trabalhadas”, opinou.
RELATOS
Lara Freire é formada em Administração de Empresas e mora em Campinas desde 2015. Natural de São PauloSP, morou com a mãe em Campanha-MG até entrar em um curso universitário na maior cidade da RMC. Com um filho de 15 anos de idade, chamado Emanuel, Lara, 30 anos, é a responsável pela casa desde que se mudou de Minas Gerais para o Estado de São Paulo. “Pago todas as contas, cuido da casa e sou responsável pelo meu filho. Não é fácil, ainda mais com um adolescente dentro de casa (risos).”
Lara, que trabalha em regime híbrido em uma empresa particular do setor de energia, afirmou que a referência materna a inspira a superar os desafios do dia a dia. “Fui criada pela minha mãe. Ela foi uma mulher muito guerreira e me ensinou que não preciso depender de homens para viver e fazer as minhas coisas”, contou.
Maria Aparecida da Rocha mora em Hortolândia, mas trabalha em uma ótica na região central de Campinas. Atualmente ela vive com a irmã mais nova, com visitas esporádicas da mãe de ambas, uma referência para Maria Aparecida. “Aprendemos a nos virar no dia a dia. Assim como o meu pai, a minha mãe trabalhava fora. Hoje eu faço isso e nos viramos, eu e minha irmã, muito bem”, relatou.
Ana Luiza Ferreira Alves é moradora de Jaguariúna e trabalha como servidora pública em Campinas. Ela tem uma filha de 13 anos de idade, chamada Ana Laura, e foi casada por mais de 10 anos até se divorciar em 2019. “Meu ex-marido é caminhoneiro. Por isso ele ficava muito tempo fora de casa e, mesmo casada, eu já assumia várias responsabilidades dentro da residência, mas tinha um complemento no orçamento com o que ele ganhava. Eu assumi 100% das obrigações depois que nos separamos, inclusive as financeiras.”
A criação da filha adolescente e as manutenções da casa são as principais dificuldades de ser a responsável pelo domicílio, mas ter uma rede de apoio é algo que ajuda. No caso de Ana Luiza, ela tem uma irmã que vive na mesma cidade.
“Toda a minha renda é destinada para fazer a nossa manutenção em casa, minha e da Ana Laura, e estamos juntas na maior parte do tempo. A cada 30 dias ela fica com o pai. Sempre estou me desdobrando, organizando, procurando a melhor estratégia. Não é tranquilo, não é tão fácil, mas também não é impossível”, encerrou.