PROTAGONISMO FEMININO

Mulheres estão à frente de 45,8% das empresas na cidade

Negócios comandados por elas em Campinas superam média estadual

Edimarcio A. Monteiro/[email protected]
05/06/2025 às 09:41.
Atualizado em 05/06/2025 às 10:51
Antonia Ferreira Martins (primeiro plano) inspeciona a produção das refeições do dia na cozinha do seu restaurante; empreender foi a chave da evolução financeira da família (Rodrigo Zanotto)

Antonia Ferreira Martins (primeiro plano) inspeciona a produção das refeições do dia na cozinha do seu restaurante; empreender foi a chave da evolução financeira da família (Rodrigo Zanotto)

Dona Antonia Ferreira Martins, de 75 anos, inicia às 4 horas da madrugada, todos os dias, o comando do restaurante aberto por ela. Começa a preparar o almoço e no meio da manhã já está despachando os quatro motoboys e o motorista da van para fazer as entregas. A movimentação frenética é diferente de 15 anos atrás, quando abriu o próprio negócio em busca da independência financeira e uma vida melhor, depois de 40 anos trabalhando como faxineira. Dona Antonia é exemplo de uma realidade apontada pela pesquisa Monitor Global de Empreendedorismo (GEM 2024), que aponta as mulheres como responsáveis por 45,8% dos negócios em Campinas. São pessoas que trocaram o registro em carteira, deixaram de ser CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), para empreenderem.

A edição brasileira é realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com a Associação Nacional de Estudos e Pesquisas em Empreendedorismo (Anegepe). A pesquisa é a principal sobre empreendedorismo no mundo e já foi realizada em aproximadamente 120 países.

De acordo com a pesquisa GEM, a participação feminina no comando dos negócios em Campinas é maior do que no Brasil (40%) e também no Estado de São Paulo (45,5%). Outras 14 cidades da Região Metropolitana de Campinas também superaram a média nacional ou estadual: Cosmópolis (50%), Paulínia (49,5%), Holambra (48,8%), Indaiatuba (47,4%), Valinhos (47,1%), Vinhedo (46,6%), Jaguariúna (46,3%), Engenheiro Coelho (45,5%), Pedreira (45,2%), Artur Nogueira (44,6%), Hortolândia (43,7%), Sumaré (43,2%), Santo Antônio de Posse (42,9%) e Monte Mor (40,4%).

O levantamento nacional apontou também avanço das mulheres. Em 2024, elas apresentaram crescimento de 26% na abertura de novos negócios e de 22% entre os estabelecidos em relação ao ano anterior, contra -2% e 6%, respectivamente, dos homens.

Em 2019, último ano antes da covid-19, elas representaram queda de 62% entre os negócios em atividade e tiveram aumento de 10% na criação de novos. Entre os homens, as taxas foram de -32% e 16,8%, na mesma ordem. A queda na participação se manteve até 2023. “O crescimento do empreendedorismo feminino é impulsionado por diversos fatores, como busca por autonomia financeira, flexibilidade de horário e apoio institucional”, disse a analista de negócios do Sebrae-SP e gestora do Programa Sebrae Delas, Joice Oliveira.

De acordo com ela, muitas mulheres veem no empreendedorismo uma forma de alcançar independência econômica, realizar seus sonhos e a possibilidade de conciliar a gestão do negócio com responsabilidades familiares. Para Joice Oliveira, elas demonstram resiliência, grande capacidade de adaptação e superação de desafios, características essenciais no universo empreendedor. Ela apontou o Sebrae tem programas específicos voltados para as mulheres no mundo empresarial. 

FEZ O PÉ DE MEIA

Conhecida no Jardim São Domingos como a Vó, Dona Antonia se orgulha de dizer que o empreendedorismo mudou sua vida e da família. Além dela, hoje trabalham no restaurante duas filhas, dois netos, duas netas, além de outros seis funcionários, sem contar os motoboys, que ganham por entrega. Essa paraibana de João Pessoa até diversificou os negócios. “Compramos o prédio, que no início era alugado, temos algumas casinhas de aluguel e uma pousada. É preciso fazer o dinheiro render”, ensinou ela, sem perder a simplicidade e continuando a pôr a mão na massa.

“Hoje ficou apenas no período da manhã, já passei parte do negócio para as filhas e netos”, explicou. O restaurante é homônimo da escola de culinária de Florípedes Paiva, uma cozinheira de mão cheia e personagem principal de “Dona Flor e seus Dois Maridos”. Esse clássico da literatura brasileira foi escrito por Jorge Amado, um nordestino de sucesso como Dona Antonia. 

SEGUE OS PASSOS

Ana Luísa Lima de Mesquita hoje compartilha com o pai o gerenciamento de uma loja de produtos para pets. “Cresci aqui dentro”, disse ela, hoje com 23 anos, para quem assumir o negócio foi um processo natural. A família mudou-se de Indaiatuba para Campinas para abrir a empresa quando ela tinha 6 anos de idade. O negócio começou acanhado, pequeno, foi se desenvolvendo e acompanhou o crescimento de Ana Luísa. Agora, ela tem planos para apostar na expansão através da compatibilidade com outra atividade.

Para o próximo ano, ela pretende iniciar o curso de medicina veterinária. “Vai atrair mais clientes para a loja e vai ser bom para mim também”, disse a futura universitária. Com os pés no chão e a experiência prática no gerenciamento da loja, ela não tem planos para abrir filiais. “É melhor fazer uma boa administração do que está dando certo do que abrir outras e perder o controle”, explicou Ana Luísa. A leitura dela do próprio negócio é apostar na busca do aumento nas vendas.

A pesquisa do GEM mostrou que o Brasil tem o segundo maior contingente do mundo de não empreendedores desejosos de ser donos de negócio. Os chamados potenciais empreendedores – aqueles que ainda não empreendem, mas desejam ter um negócio em até três anos – chegam a quase 50% da população adulta (com 18 a 64 anos), ou seja, 47 milhões de indivíduos. O resultado que coloca o país atrás apenas da Índia (com 163 milhões), mas com uma população mais de seis vezes maior que a brasileira.

VANTAGENS

Pesquisas recentes do Sebrae apontam algumas características que se destacam na gestão feminina. Entre elas, planejamento estratégico, com as mulheres tendendo a ser mais cautelosas e detalhistas; habilidade em construir e manter relacionamentos sólidos com clientes e parceiros; e busca constante por aprimoramento e aprendizado, o que reflete na qualidade da gestão dos negócios. “É importante ressaltar que essas vantagens não significam superioridade, mas sim diferenças de abordagem que podem contribuir positivamente para o sucesso empresarial”, destacou Joice Oliveira.

Dados recentes do SebraeSP indicam que as mulheres têm buscado cada vez mais os serviços da instituição. Em 2024, os 33 escritórios do Sebrae-SP e as mais de 730 unidades do Sebrae Aqui registraram o atendimento de 1,2 milhão de mulheres, representando um aumento significativo em relação aos anos anteriores. No mesmo ano, nas 22 cidades da região de Campinas abrangidas pelo escritório local, foram atendidas mais de 17 mil mulheres. Além de uma sede regional localizado no bairro Ponte Preta, em Campinas, a entidade mantém os programas Sebrae Delas e a Feira da Mulher Empreendedora, em parceria com a prefeitura. “Isso tem sido fundamental para oferecer capacitação e suporte específico às empreendedoras. Esses números refletem o crescente interesse das mulheres em buscar apoio para desenvolver e consolidar seus negócios”, disse Joice Oliveira.

SONHO

A pesquisa GEM indicou que ter seu próprio negócio continua em terceiro lugar como o sonho mais citado por 34% da população adulta no país. Ele ficou atrás de comprar a casa própria e viajar pelo Brasil. No Brasil, para a edição de 2024 da pesquisa, foram entrevistados 2 mil adultos e 58 especialistas. A autora principal do Relatório Empreendedorismo Feminino do GEM mundial, Amanda Elam, apontou os avanços nessa área. As mulheres representam uma grande proporção de empreendedores de alto potencial que impulsionam o crescimento econômico e o progresso social. Na China, Colômbia, Equador, Lituânia e Tailândia, o empreendedorismo feminino é igual ou superior ao masculino.

Para Amanda Elam, destacar mulheres empreendedoras de sucesso está fazendo a diferença. No Brasil, a pesquisa mostrou ainda crescimento de 77% dos empreendedores homens e mulheres na faixa dos 55 a 64 anos, de 52% entre os que têm o ensino fundamental completo e de 46% entre os que ganha até um salário mínimo – R$ 1.518. Para o Sebrae, isto evidencia maior inclusão de mulheres, idosos, pessoas de baixa escolaridade e baixa renda entre os empreendedores iniciais, ou seja, na porta de entrada do empreendedorismo. Já entre os empreendedores estabelecidos, houve expansão do fundamental incompleto (42% ) e de 26% entre os que ganham mais de seis salários mínimo – R$ 9.108.

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