CONSEQUÊNCIAS

Mudança climática provoca impacto negativo na agricultura

Pesquisador Eduardo Assad alerta que aumento da temperatura reduz produção

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
20/10/2022 às 09:09.
Atualizado em 20/10/2022 às 09:09
Estudos demonstram que se a elevação da temperatura média chegar aos 3 graus, as influências serão drásticas para o agronegócio brasileiro: no caso da produção de café, o prejuízo chegaria a R$ 41,59 bilhões ao ano (Kamá Ribeiro)

Estudos demonstram que se a elevação da temperatura média chegar aos 3 graus, as influências serão drásticas para o agronegócio brasileiro: no caso da produção de café, o prejuízo chegaria a R$ 41,59 bilhões ao ano (Kamá Ribeiro)

A aceleração da mudança climática torna mais rápidos os impactos negativos para a agricultura brasileira, com redução da produção, e também reflete nas cidades, que sofrem as consequências de fenômenos extremos. O alerta foi feito na quarta-feira pelo pesquisador visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eduardo Delgado Assad, autor de 175 trabalhos científicos e que coordenou 16 projetos nas áreas de mudanças climáticas, agricultura e agroclimatologia. De acordo com ele, desde 1990 a temperatura média no País subiu 1 grau, com as projeções científicas apontando que a alta chegará a 2 graus entre 2045 e 2050 e até 3 graus em 2070.

"O que antes era um processo que levava milhares de anos para acontecer, agora ocorre em centenas, dezenas de anos", afirma o engenheiro agrônomo. O pesquisador ressalta que os alertas sobre as consequências do aumento do desmatamento e das emissões de gás carbônico (CO2) estão sendo realizados há décadas, mas nada foi feito para evitá-los e, assim, estão se concretizando. No Rio Grande do Sul, em 2020, as perdas na produção da soja devido à seca ultrapassaram 40%, e na de milho, 30%. 

Se a elevação da temperatura média chegar aos 3 graus, as influências serão ainda mais drásticas para o agronegócio, inclusive para culturas importantes da economia paulista e brasileira, com perdas em torno de 39% para a soja e 58% para o café. 

Com produção estimada em 150,36 milhões de toneladas na safra 2022/2023, a soja é o produto mais exportado do Brasil e o que traz a maior renda para o campo, com faturamento previsto de R$ 356,6 bilhões. A redução na produção representaria uma perda de R$ 139 bilhões em valores atuais. Para se ter uma dimensão do que isso significa, o montante é equivalente a 15,69 vezes o todo o orçamento de Campinas previsto para o próximo ano, de R$ 8,9 bilhões. No caso do café, com São Paulo e Minas Gerais sendo os maiores produtores do País, o prejuízo chegaria a casa dos R$ 41,59 bilhões, tendo como base o faturamento de R$ 71,7 bilhões previsto para a safra 2022/2023.

O que fazer

Para Assad, o desenvolvimento de novas variedades mais resistentes à alta da temperatura e ao uso de novas técnicas agrícolas podem mitigar os impactos no agronegócio, mas a solução passa pelo Brasil parar de desmatar o cerrado e a Amazônia. "É preciso tirar o paciente da UTI, mas eles estão preocupados em ganhar dinheiro", afirma o pesquisador. Segundo ele, para muitos produtores rurais brasileiros, falta visão de longo prazo e preocupação com a perenidade do negócio.

"É conhecido que água, luz, temperatura e CO2 são os principais fatores reguladores da fotossíntese. O aumento de qualquer um destes pode provocar o desequilíbrio de outro. Exceto a luz solar, todos são dependentes do aquecimento do planeta. Portanto, temperatura e CO2 podem alterar o funcionamento de uma planta", explica o engenheiro agrônomo. "Há que se buscar um desenvolvimento equilibrado e sustentável em que já se vislumbre um ponto de estabilização, pois não se pode mais conceber que os recursos naturais sejam inesgotáveis ou ilimitados para manter a qualidade de vida de uma população humana que cresce indefinidamente", acrescenta.

"O certo é que, considerando a oferta atual de material genético vegetal e animal, estaremos chegando aos limites da produção agrícola. Daí a necessidade de migrarmos de uma produção agropecuária para uma produção agroambiental", defende o professor da FGV. De acordo com ele, as novas gerações dos produtores têm maior preocupação com o meio ambiente, mas o envolvimento com uma produção equilibrada e sustentável ainda é pequeno. 

Impactos

A área desmatada na Amazônia em setembro foi de 1.455 quilômetros quadrados, a maior da série histórica iniciada em 2015 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É como se fosse desmatado o equivalente a quase duas áreas do município de Campinas (795,7 km2). Assad ressalta que, além de afetar a produção, o Brasil fica sujeito ao risco de sofrer sanções comerciais de outros países por causa dos danos ambientais. "Os produtos, para vencerem as barreiras não tarifárias, irão buscar certificações ambientais, associando a produção agrícola a serviços ambientais, seja na remoção de carbono, seja na conservação de água", afirma. 

O pesquisador visitante da Unicamp explica que o desmatamento reflete diretamente no ciclo de chuvas em vários Estados, provocando períodos maiores de estiagem e precipitações mais fortes, o que atinge também as populações urbanas. 

No domingo à noite, uma tempestade de chuva de granizo provocou danos e prejuízos em São Pedro, na região de Piracicaba. Sete barracões de uma granja desabaram e um oitavo sofreu danos, o que provocou a perda de 60 mil frangos.

Mas isso não é um fato isolado e a ocorrência está se verificando com maior frequência. No início deste mês, uma forte chuva de granizo atingiu cidades do Sul de Minas Gerais, afetando 13 mil hectares de café, o equivalente a 77% da área plantada em Andradas, Coqueiral, Campanha e Paraguaçu, de acordo com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). 

No dia 3 deste mês, uma tempestade com ventos de 96 km/h destelhou 50 casas e provocou vários danos em Caconde (SP). Em apenas 10 minutos, choveu 30 milímetros, com o acumulado em 24 horas chegando a 100 mm. É como fossem despejados 100 litros de água por metro quadrado. Em um viveiro, 40% das mudas de café foram perdidas, um prejuízo de R$ 250 mil. Os estragos causados levaram a Prefeitura a decretar estado de emergência. 

Setembro foi o mais chuvoso em sete anos

Campinas teve o mês de setembro mais chuvoso dos últimos sete anos. Segundo o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, o acumulado foi de 79 mm, sendo que o maior volume para o mês registrado anteriormente foi de 62 mm em 2015. A previsão do órgão as chuvas devem continuar durante toda a primavera, com possibilidade de novos recordes serem registrados. 

A Defesa Civil de Campinas apresentou esta semana o Plano de Contingência de Proteção da Operação Verão, que será realizado de 1º de dezembro a 31 de março, quando as chuvas são mais intensas. A estratégia inclui o acompanhamento de índices pluviométricos e previsão meteorológica com envio de alertas à população e aos órgãos responsáveis, vistorias em área de risco e adoção de medidas antecipadas para reduzir riscos.

"Nosso objetivo principal é salvar vidas, seja numa remoção preventiva, numa ação de socorro ou num trabalho de assistência humanitária adequada a desabrigados. E, apesar de todos os avanços que tivemos ainda há muito a ser feito, por isso, temos que melhorar os procedimentos, ajustar fluxos de acionamento e manter as equipes em alerta constantemente," afirma o diretor da Defesa Civil, Sidnei Furtado. 

Eduardo Assad lembra ainda que o aquecimento global levará a elevação do nível dos oceanos, o que afetará as cidades litorâneas, gerando situações que podem até provocar mortes. Para o pesquisador, as cidades ao longo da costa da brasileira, o que inclui várias capitais, devem elaborar planos de contingência para enfrentar essa situação e evitar maiores danos.

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