CARÁTER DE URGÊNCIA

MP solicita instalação de banheiros públicos no Centro de Campinas

Promotor Daniel Zulian deu 30 dias para que Prefeitura mapeie áreas com maior concentração de pessoas durante a noite e instale os equipamentos

Isadora Stentzler/ isadora.stentzler@rac.com.br
08/09/2023 às 08:28.
Atualizado em 08/09/2023 às 08:28

Há 10 anos dormindo nas ruas, Cesar Augusto lamentou a falta de sanitários, o que causa sofrimento e constrangimento às pessoas em situação de vulnerabilidade e prejudica comerciantes do Centro (Rodrigo Zanotto)

O promotor Daniel Zulian, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), recomendou que o município de Campinas oferte banheiros para a população em situação de rua em um prazo de 30 dias. Na recomendação, expedida em 28 de agosto e em caráter de urgência, ele solicitou que o poder público municipal mapeie as áreas com maior concentração de pessoas durante a noite e instale sanitários móveis ou provisórios para atender esse público. De acordo com a Prefeitura, a medida será analisada na reunião do Comitê Gestor Intersetorial de Acompanhamento e de Monitoramento do Plano Intersetorial de Atenção à População em Situação de Rua, prevista para acontecer na próxima semana.

Conforme a recomendação, os equipamentos que serão instalados nas áreas selecionadas devem garantir a privacidade necessária. Esses banheiros devem contemplar a região central da cidade e os locais onde há maior concentração de população de rua. No texto, ele ainda solicita que os sanitários fiquem em funcionamento durante as 24 horas do dia ou ao menos durante o período noturno, especialmente das 22h de um dia até 7h do outro.

Segundo Zulian, a recomendação visa atender a uma demanda urgente, uma vez que não há banheiro público no Centro de Campinas que permaneça acessível durante as 24 horas do dia.

Embora haja banheiros disponíveis nos serviços dos Centros POP, Casa da Cidadania e Refeitório da Cidadania, nenhum deles possui funcionamento permanente durante a noite. Além disso, na região central, na Praça Rui Barbosa, os banheiros que estavam dentro dos contêineres passam por reformas há cerca de quatro meses e também estão fechados para acesso do público.

Para a recomendação, o promotor ainda levou em conta a recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de obrigar estados e municípios a aderirem à Política Nacional para a População em Situação de Rua, que contém medidas de zeladoria urbana.

“Não é razoável que pessoas em situação de rua e condição de hipervulnerabilidade não tenham acesso a banheiros públicos durante o período da noite, o que leva não só à situação pessoal degradante de realizar as necessidades fisiológicas em local inapropriado, como tem por consequência a degradação do próprio ambiente e espaço público, além da exposição aos riscos de contaminação e proliferação de doenças”, destacou o promotor. O não atendimento da recomendação dentro do prazo de 30 dias poderá levar ao ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Ministério Público.

‘A CIDADE É O BANHEIRO’

A recomendação foi bem vista por pessoas que atuam ou que estão em situação de rua no Centro. Uma mulher que trabalha nas redondezas da Praça Rui Barbosa, e que pediu para não ser identificada, argumentou que sem acesso a sanitários, “a cidade é o banheiro” de quem vive em vulnerabilidade.

“Os banheiros ficam muito longe. As opções para eles são o Mercadão ou o Terminal Central. Com isso, a cidade fica com mau cheiro. Eu já presenciei pessoas urinando na rua e até defecando, o que piora à noite”, criticou. Para ela, é urgente a instalação de banheiros, ainda mais porque os que estão na praça seguem fechados há pelo menos quatro meses. “É preciso um espaço para essa população usar, para lavar as mãos, tomar um banho”, enfatizou.

Quem vive nessa situação assiste a perda da dignidade pessoal todas as vezes que precisa fazer suas necessidades fisiológicas. Cesar Augusto Fevereiro Filho, de 50 anos, e que vive há 10 anos nas ruas do Centro, lamenta a falta de sanitários, sem esconder que já recorreu à caçambas de entulhos na falta do equipamento.

“É uma vergonha. Não tem banheiro público em lugar nenhum, por isso que eles falam que o cidadão de rua faz as necessidades na rua. Tinha um banheiro ali (na Praça Rui Barbosa), mas eles fecharam. É horrível. Não tem banheiro, não tem onde fazer as necessidades fisiológicas. Nenhum estabelecimento libera para gente fazer. É uma vergonha”, criticou. “Toda praça precisa ter um banheiro. Se eles não têm competência para colocar, que coloquem um banheiro químico. As fezes e o cheiro de urina na rua nunca vão parar. Se eu tenho vontade de usar o banheiro e não tem, eu vou para a rua. É uma vergonha.”

Antonella Marianne Ferreira, de 26 anos, e que está em situação de rua há 17 anos após brigas familiares, disse que os funcionários dos estabelecimentos não deixam usar os banheiros. Quando ela precisa, caminha cerca de 20 minutos até o Mercadão para usar. Cleoci, que estava com Antonella e que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, alegou usar o banheiro apenas uma vez por dia para evitar essas caminhadas.

“Toda vez que a gente pede para usar o banheiro eles falam que está interditado ou está limpando. Não sei se é discriminação com a gente. Aí a gente precisa se deslocar daqui (Catedral) até um lugar longe para usar o banheiro”, explicou Antonella.

“É uma coisa humilhante”, acrescentou Edivanio Candido da Silva, de 46 anos. “A situação é crítica. Se eu for numa loja eles não deixam, jogam você pra rua. Aí nós temos que achar um poste de árvore ou uma lixeira. Fazer o 'número dois' é mais humilhante ainda. Tem que fazer na rua para não fazer nas calças. Nem a igreja deixa entrar.”

Procurada, a Administração disse que o pedido do Ministério Público “está sendo avaliado no contexto de uma série de ações que a Prefeitura de Campinas está desenvolvendo na questão da população em situação de rua”. Ela também alegou que tema será discutido na próxima semana na reunião do Comitê Gestor Intersetorial de Acompanhamento e de Monitoramento do Plano Intersetorial de Atenção à População em Situação de Rua. A data da reunião não foi divulgada.

A nota ainda destacou outras 16 políticas públicas em vigência no município para população em situação de rua. Em relação aos banheiros que estão nos contêineres da região central, a Prefeitura informou que obras ficarão prontas até a sexta-feira da próxima semana, dia 15.

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