INFRAÇÃO

Motorista recebe dica para furar pedágio em Indaiatuba

Funcionários de praça da Santos Dumont orientam condutor sem dinheiro a forçar a passagem

Luciana Félix
18/06/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 16:45

A concessionária Rodovias das Colinas obriga os motoristas que trafegam pela Rodovia Santos Dumont (SP-75) e que estão sem dinheiro ou cheque para o pagamento de tarifa de pedágio a forçar a passagem pela cancela nas praças localizadas nos Kms 60 e 61 (entre Campinas e Indaiatuba). Na prática, os usuários são orientados pelos próprios funcionários da empresa a, nas palavras deles, “estourar” a cancela (bater o veículo contra a barreira que é revestida por espuma e levanta facilmente) e atravessar.

A justificativa é de que não há como agendar o pagamento para outro dia, com boletos bancários ou reconhecimento de dívida, nem saída para retorno no local. A ação obriga o motorista a cometer uma infração ao Código de Trânsito Brasileiro punida com multa de R$ 127,69 e a perda de cinco pontos na carteira de habilitação.

O problema foi vivenciado pela reportagem do Correio Popular na manhã do último sábado (15). A reportagem foi até o Aeroporto Internacional de Viracopos, por motivos particulares, e na volta errou o retorno e entrou na SP-75, sentido Indaiatuba. Sem dinheiro ou cheque disponível, portando somente cartão de débito, a repórter ouviu de duas funcionárias da concessionária que a empresa não emite mais nenhum documento para a tarifa ser paga posteriormente.

Como o veículo também não possuía dispositivo eletrônico de pagamento, como o Sem Parar, ou vale-pedágio, a única opção, segundo elas, era sair do local “furando” o pedágio, o que a motorista foi obrigada a fazer.

A Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) informou que o procedimento realizado pela concessionária não condiz com as práticas recomendadas pelo órgão, que é o de dar opções ao usuário. A agência é responsável pela fiscalização das empresas concessionárias.

A Artersp informou ainda que irá investigar a atuação da concessionária nessa prática e que medidas serão tomadas para mudar o procedimento e, se for o caso, a empresa deverá ser penalizada. Advogados especialistas em direito administrativo e constitucional ouvidos pelo iG Paulista consideram a medida ilegal e “absurda”.

Na região de Campinas, a Colinas é a única a operar com esse tipo de procedimento. Nas demais rodovias as concessionárias responsáveis adotam diversos meios para atender o usuário que, por qualquer motivo, estiver sem dinheiro ou talão de cheques e que também não possuir dispositivo eletrônico de pagamento ou vale-pedágio.

Entre os meios disponibilizados estão a emissão de boletos para pagamento em até três dias após a passagem pelo pedágio ou um retorno na praça.

Segundo funcionárias da Colinas, a prática de não conceder nenhuma forma de pagamento posterior à passagem na praça de pedágio foi iniciada em setembro do ano passado e não houve nenhuma explicação para a medida.

“Não sei explicar, só sei que aqui não pode mais emitir ordem de pagamento posterior. Não nos passaram nada”, afirmou uma das funcionárias que estava na cabine de cobrança manual. A mulher ainda afirmou que é comum usuários serem pegos de surpresa com a prática da concessionária. “Muitos ficam revoltados, xingam, até já fui ameaçada de agressão. Mas não posso fazer nada. A gente fala para eles ‘estourarem’ o pedágio. Muitos assustam, mas é assim que funciona”, afirmou. A prática também foi confirmada por funcionárias da praça que fica do lado oposto da rodovia (sentido Indaiatuba/Campinas). “Muitos motoristas se revoltam. Outros acabam pedindo dinheiro emprestado para o carro detrás. Mas para você fica difícil a essa hora o movimento é pequeno.” Eram 5h de sábado.

Outro lado

A concessionária Rodovias das Colinas, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que nunca emitiu boletos ou qualquer documento que gere pagamento após a passagem pela praça de pedágio. Disse também que aceita como formas de pagamento dinheiro; vale-pedágio, sistema eletrônico (tags), Visa Vale-Pedágio e cupom para empresas que precisam fornecer vale-pedágio aos transportadores. A reportagem insistiu no contato com a assessoria para confirmar as informações dadas pelas funcionárias das praças de pedágio e a assessoria informou que os funcionários “não representam” a empresa. E afirmou que em todas as suas praças de cobrança há placas indicativas de último retorno disponível antes de acesso ao pedágio.

Saiba mais

Opções dadas pelas concessionárias para o motorista sem dinheiro

Rota das Bandeiras

Emite um documento chamado de “reconhecimento de dívida” que é um cupom para pagamento em até três dias em qualquer praça da concessionária.

Rodovias do Tietê

Não possui mais boleto bancário ou termo de reconhecimento de dívida, mas oferece ao usuário o retorno operacional na praça de pedágio.

CCR AutoBAn

A passagem do veículo pode ser autorizada após o usuário ser informado e concordar com procedimentos para pagamento posterior, que são definidos caso a caso.

Renovias

O motorista é orientado a estacionar em local seguro ao lado da praça e a fazer o retorno operacional, com prazo de 20 minutos para utilizar o próximo retorno e voltar ao seu ponto de origem.

Rodovias das Colinas

Quem não tiver dinheiro tem de usar vale-pedágio, sistema eletrônico (tags), Visa Vale-Pedágio ou cupom fornecido a empresas.

Ponto de Vista

Gustavo Bovi Gonçalves, Advogado especialista em direito administrativo

A ação da concessionária Colinas é completamente ilegal. Se a pessoa não tem dinheiro, ela não pode ser obrigada a evadir o pedágio. Para acontecer a evasão de pedágio é preciso que o indivíduo sinta vontade de cometer a prática, e não se sinta coagido a fazer isso, como eles estão fazendo com o usuário. Ela tem que apresentar alternativas, o número de uma conta corrente, por exemplo.

Já aconteceu comigo. A concessionária me deu uma conta bancária para fazer o depósito, é legítimo e correto. Eles estão violando o princípio da moralidade administrativa, em que são obrigados a agir com lealdade e boa-fé, já que são empresas concessionárias do Estado. Eles não podem obrigar um indivíduo a fazer evasão de pedágio.

As pessoas que sofreram essa ação devem, assim que chegar a multa, abrir um pedido administrativo na concessionária para anular a infração e também por meio de um advogado na Justiça para pedir a anulação imediata da infração, já que ela é ilegal. Uma coisa dessa não tem cabimento.

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