MISÉRIA

Moradores em situação de rua mostram sua "casa" instalada na Orosimbo Maia

Gilson Rei/ Correio Popular
14/04/2021 às 14:58.
Atualizado em 21/03/2022 às 22:28
Moradores de rua constituem núcleo fraterno sob o sígno da privação  (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

Moradores de rua constituem núcleo fraterno sob o sígno da privação (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

Uma família sem um teto para morar, sem emprego, sem vacina e sem auxílio emergencial em tempos de pandemia. Esta é a realidade diária captada por olhos curiosos quando alguns cidadãos passam pela avenida Orosimbo Maia, no Centro de Campinas, bem no entroncamento da avenida Dona Libânia com rua Prefeito Passos. Além de acolhimento, eles pedem vacina para se proteger do coronavírus.

Vivem uma realidade que passa despercebida para muitos, pois em geral as pessoas são insensíveis ou acostumados a cenas semelhantes, espalhadas por diversos pontos da grande metrópole.

A cobertura de uma loja fechada na esquina, vazia e impactada pela pandemia, serve como amparo para essa família em situação de rua, formada ao longo dos últimos cinco anos de queda na economia e de desemprego galopante.

Contam com doações de pessoas solidárias para ter o que comer. Antes, viviam de empregos formais e informais até que veio a economia em queda e a pandemia. Hoje convivem com a sombra do medo de perder a vida e pedem vacinação.

Desemprego

Aline Maria Bortolati Stefanini, chamada de "Mãe da Rua", é uma das integrantes da família. Ela disse que foi morar na rua há dois anos porque descobriu que contraiu o vírus da Aids e foi demitida de uma peixaria em que ela trabalhava. "Nunca mais consegui emprego e nem ajuda de ninguém. Minha família não me apoiou e está na cidade de Praia Grande, de onde eu vim para a região de Campinas há 21 anos", comentou. "Antes de Campinas morei em Amparo e Jaguariúna e já não tinha muito contato com a família", afirmou.

Já Fábio Mendes de Souza, que morou na região do Jardim São Marcos, disse que trabalhava em Campinas como pedreiro e faxineiro, mas ficou desempregado há cinco anos e nunca mais conseguiu emprego. "Fui obrigado a buscar moradia nas calçadas porque não tive outra opção. Hoje vivo com a ajuda das pessoas solidárias na família e com a venda de recicláveis", afirmou.

A família que vive na região da avenida Orosimbo Maia retrata a realidade de um mundo movido pelo dinheiro e marcado pela má distribuição da renda. As oito pessoas que formam a família são de cidades e regiões diferentes. Uniram-se pela ajuda mútua, com a divisão do "pão nosso de cada dia", concretizando uma família.

Jorge Alex dos Santos Souza, disse que veio da Bahia há mais de 30 anos, trabalhou como pedreiro, casou-se e constituiu família, tendo dois filhos. Porém, está vivendo nas ruas há sete anos por conta do desemprego. "Fico com esta nova família na avenida e quando consigo algum dinheiro com bicos e venda de reciclagem vou visitar os filhos, que já estão com mais de 20 anos, morando na cidade. Eles não sabem que fico pelas ruas", comentou.

Lar

A família criou um "lar" porque houve união para ocupar alguns espaços vazios. Transformaram a calçada em sala de estar, cozinha e dormitório. Dois animais domésticos fazem parte também da família, dois vira-latas: a cadela Brandina e o cão Oziel, companheiros do dia e da noite.

Para dormir usam alguns colchões e cobertores doados. Criaram também uma sala com cadeiras que foram entregues por pessoas solidárias.

Aline contou que faz comida com os sacos de arroz, feijão, sal e temperos, além de alho e cebola que eles ganham de pessoas solidárias. "Usamos panelas que também foram doadas e a gente criou uma cozinha na calçada com pedaços de madeira. Esquentamos a comida com álcool em latas. Os alimentos doados são guardados em uma caixa de isopor", explicou. Mesmo sendo na calçada, o local é limpo porque a família higieniza o espaço com produtos de limpeza doados.

Vacina

Todos pedem que as autoridades decidam pela vacinação contra o coronavírus, pois alegam que estão no grupo de risco e que estão com medo de contrair a doença. Edivaldo de Paula Ferreira, que trabalhou como segurança de empresas está desempregado desde 2016 e destacou que, além do desemprego, a saúde é a grande preocupação. "Sem vacinação a gente fica muito exposto. Além disso, existe uma truculência de alguns guardas municipais que chegam a levar remédios, roupas, cobertores e produtos doados que acabam prejudicando na saúde, afinal em uma noite fria fica complicado não ter cobertor, por exemplo", afirmou.

A necessidade de vacinação foi lembrada também por Maria Polowei, que nasceu no Piauí e está nas ruas há 13 anos. Ela revelou que sua família saiu do Piauí para o município de Lins e, depois, veio para Campinas, no ano de 1986. Ela formou-se em Letras e escreveu poemas. Casou-se, constituindo uma família com dois filhos. Foi para as ruas de Campinas há 13 anos porque teve problemas com a família que preferiu não revelar.

Aline pediu ajuda para vacinação e para ajudar em sua saúde. "Tenho aids, sou grupo de risco, mas não me dão o direito de vacinar. Além disso, os remédios que preciso para a aids tenho que esconder. Eles são entregues de graça nos postos de Saúde, mas alguns guardas municipais levaram meus remédios. Fiquei um tempo sem poder me cuidar", afirmou. "Somos grupo de risco e o vírus pode nos matar. Também somos uma família de seres humanos", desabafou.

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