entrevista

‘Missão do Lide é conectar empresas e poder público’, diz Silvia Quirós

A presidente da entidade fala da trajetória que a colocou à frente do grupo de empresários

Edimarcio A. Monteiro
01/05/2022 às 11:05.
Atualizado em 01/05/2022 às 11:07
Silvia Quirós discursa em um dos eventos promovidos na cidade pelo Grupo de Líderes Empresariais (Tatiana Ferro)

Silvia Quirós discursa em um dos eventos promovidos na cidade pelo Grupo de Líderes Empresariais (Tatiana Ferro)

Interagir para quebrar barreiras e chegar a resultados positivos para as duas partes. Esse é o lema da presidente do Lide Campinas (Grupo de Líderes Empresariais), Silvia Quirós, que, como filha de diplomata, aprendeu esse princípio desde o berço e o aprimorou ao morar em vários países, onde teve que se adaptar a diferentes culturas. Silvia é argentina e escolheu, há anos, Campinas para morar. 

As diferentes experiências vividas lhe mostraram a importância do networking — a criação de uma rede de contatos profissionais —, que abre portas quando se conhece a pessoa no local e momento certos. Silvia entende que essa é a missão do Lide com foco na geração de investimentos e promoção do desenvolvimento dos municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC).

Em visita ao presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni, a presidente do Lide fala sobre sua atuação à frente do grupo de empresários, os desafios que lapidaram seu conhecimento e como considera que devem ser as relações entre o setor privado e o poder público. Para ela, as cidades têm que saber se vender para atrair o interesse dos investidores. Não basta apenas reunir as condições ideais, mas desenvolver ações para que os investimentos se tornem uma realidade.

Correio Popular - Qual é a sua origem?

Silvia Quirós - Minha origem explica como fui desenvolvendo a função do Lide, que é o networking, o relacionamento. Eu nasci na Argentina e com 2 anos vim para o Brasil, para Campinas. Meu pai era diplomata das Nações Unidas, da OEA (Organização dos Estados Americanos), um cientista bastante renomado e foi chamado pela Unicamp para fundar o projeto do álcool, isso décadas atrás. Quando eu tinha 7 anos, me tornei brasileira, me naturalizei. Por questões de trabalho do meu pai, nós moramos em vários países. Isso me deu vivência, a necessidade de me integrar em novas escolas, novas línguas, novos grupos. Isso me ensinou o valor do networking, da necessidade de ter uma rede de relacionamento de pessoas, em que uma apresenta outra. É você poder sempre estar conectado para seguir adiante.

Fale um pouco mais de sua experiência em Campinas..

Nós sempre voltávamos para Campinas em função da ligação muito grande com a Unicamp, com o projeto de álcool. Estudei em colégios de Campinas. Quando tinha 16 anos, fui para os Estados Unidos também por causa do trabalho de meu pai. Estudei lá e me formei em Relações Públicas, isso em uma época em que a área de relações públicas não era de organização de eventos, era jornalismo. Trabalhei como jornalista em duas empresas lá e isso me deu a formação em inglês, lógico, mas também mostrou a importância da venda de uma imagem, que era o que o profissional de relações públicas fazia na época. Eu voltei para Campinas há 40 anos. Sempre gostei do fato dela ser uma cidade próxima de grandes centros, está muito perto de São Paulo, mas, ao mesmo tempo, nunca perdeu a característica de ser uma cidade acolhedora. 

Qual foi o seu primeiro desafio empresarial?

Eu sempre estive na ativa, mas meu primeiro desafio empresarial foi quando trouxe a Casa Cor para Campinas. Sempre que falo Campinas, me refiro não só à cidade, mas a toda a Região Metropolitana, porque quando uma empresa de fora quer vir para Campinas, não está pensando só na cidade. Muitas empresas visam outras cidades, como Jaguariúna, Valinhos, Indaiatuba, mas Campinas é o eixo. A proposta com a Casa Cor foi atrair os arquitetos, os fornecedores e os visitantes de toda a Região Metropolitana. Foi um grande desafio e o Correio Popular foi um parceiro fundamental para o sucesso da Casa Cor. 

Como foi essa experiência?

A nossa primeira mostra foi no Parque Ecológico, que na época estava abandonado, cheio de capivaras. Não sei se vocês se lembram, mas as pessoas tinham medo de ir até lá. Foi um desafio muito grande, porque era cogerido pelo Estado e pela Prefeitura, mas isso me ajudou a desenvolver depois as conversas com o público e o privado. Eu tinha que conversar com o Estado e com a Prefeitura ao mesmo tempo, fazê-los entender que nós, os empresários, não queremos destruir, visar somente o lucro. Nós podemos trabalhar em conjunto para ter resultados positivos.

Qual foi o resultado desse trabalho?

Nós ganhamos o prêmio da organização da Casa Cor no Brasil, foi uma mostra muito visitada, teve muito destaque porque preservamos o casarão do Parque Ecológico e fizemos um belo evento. Posso citar o exemplo do casarão, que tem paredes de taipa, e alguns arquitetos queriam pendurar lustres, quadros. Eu não podia deixar porque tínhamos o compromisso com o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) de preservar o local. Isso instigou a criatividade e pensávamos em outras formas de colocar as pinturas, os quadros, os lustres. Quando não dava para colocar os lustres, buscávamos luzes indiretas. Foi um sufoco, toda semana tínhamos que apresentar os projetos para as Secretarias de Cultura do Estado e de Campinas. 

Como foi a reação do público?

Nós inauguramos a Casa Cor em uma segunda-feira com um público de 2 mil pessoas. Também convidamos empresários, secretários, o governador e todas as pessoas que participaram do processo, começando aí a integração. Nós fizemos mais duas mostras. Depois da terceira, me retirei da sociedade e o evento durou só mais um ano. Eu deixei a Casa Cor porque assumi o compromisso de presidir o Lide em Campinas.

O que é o Lide?

O Lide não é uma associação como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Ele nasceu no intuito de unir o poder público e o privado, os tomadores de decisão das empresas. Inicialmente, só podiam ser empresas que faturavam R$ 200 milhões por ano, que é a realidade de São Paulo. Mas houve um ajuste porque em cidades como Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São José dos Campos há empresas que faturam R$ 50 milhões e é o dono que está à frente, que é o tomador de decisão. Então, nessas unidades do Interior e de outras regiões, cabe ao comitê de gestão do Lide avaliar a inclusão desses participantes. Vocês falam muito isso e a gente gosta de repetir: no Brasil, existem 500 multinacionais de porte e em Campinas estão sediadas 50. Então, Campinas tem empresas de grande faturamento, de grande poder de decisão, mas também empresas que empregam, mudam a cidade, têm poder de influência e não têm o faturamento que era exigido inicialmente. 

Qual é a missão do Lide?

A missão é integrar os empresários que fazem parte do Lide para realizar negócios, trazer investimentos. Esses investimentos modificam a cidade porque trazem recursos, renda, empregos. A nossa bandeira é a atração de investimento, mostrar que a cidade tem potencial, tem um DNA. Por exemplo, o Lide Campinas é muito procurado por empresas de outras regiões que vislumbram a importância da região. São empresas de saúde, de tecnologia porque esse é o DNA muito forte de Campinas. O Lide tem hoje uma capilaridade muito grande, está presente em 16 cidades, como o Rio de Janeiro, Curitiba, Pernambuco e também em muitos municípios no Estado de São Paulo. No exterior, está presente em oito países. São 1.700 empresas participantes. 

Como é o relacionamento com os municípios?

Nós temos contato com muitos prefeitos e secretários. Pontuando Campinas, o prefeito Dário Saadi está fazendo um trabalho espetacular. Inclusive, o Lide entregou o prêmio ao prefeito logo nos primeiros meses de seu governo porque nos surpreendeu de forma muito positiva. Ele está sendo um parceiro muito importante. A Unicamp está desenvolvendo um projeto superimportante que é o Hids (Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, que visa atrair empresas que buscam o desenvolvimento sustentável, tecnologias inovadoras e agregar ações nacionais e internacionais para a produção de conhecimento). Quando as grandes empresas de tecnologia procuram o Lide, nós fazemos, na hora, contato com o reitor, com o prefeito e eles sempre as recebem, demonstram interesse. Nós procuramos desenvolver uma conversa agregadora. Então, quando trazemos o empresário, tudo flui de uma maneira muito institucional, agregadora e agradável.

Como é a atuação do Lide?

É um grupo de amigos de trabalho, que estão lá para fazer negócios. Quando fazemos um jantar, convidamos os filiados e há uma sensação de amizade. Após o jantar, todo mundo marcou reunião, quer fazer negócio. Quando você fala “eu faço parte do Lide” significa que passou por um conselho de aprovação, que você faz parte desse grupo transformador. Todos estão lá para agregar, para tratar de questões positivas para a cidade, para trazer investimento e para fazer com que as coisas aconteçam. Sempre que uma empresa quer se instalar, ela busca primeiro a mão de obra. Uma grande vantagem de Campinas é que está muito perto das universidades e centros técnicos. 

Mudou a forma de relacionamento entre o poder público e o setor privado?

Antigamente, as prefeituras davam terrenos, remissão de impostos, mas isso não existe mais. Nas reuniões em que participei, quando uma empresa decide se instalar em uma cidade, tem que vir para contribuir. No caso da região de Campinas, ela é escolhida por estar próxima do aeroporto, pela capacidade do sistema viário, segurança e qualidade de vida. 

Qual a importância de uma prefeitura na atração de investimentos?

O secretário de Desenvolvimento da cidade tem um papel fundamental. Ele precisa ter a consciência do valor de trazer empresas de fora. Hoje, as pessoas estão extremamente carentes de serem bem recebidas, de conversar, de receber atenção. Eu estou falando de vários secretários, mas a Adriana Flosi (secretária de Desenvolvimento Econômico de Campinas) é fantástica, tenho altos elogios para ela. A Prefeitura de Campinas está fazendo algo importante que é sair para vender a cidade, ir a outros lugares para falar com os empresários e apresentar o município. A cidade é um produto que precisa ter apelo, tem que ser vendido. O Lide ajuda nesse processo, nós fazemos o trabalho de vender a cidade, mas também integrar os empresários que já estão aqui para fazerem negócios. Uma grande empresa precisa de fornecedores, que são as pequenas e médias empresas. 

Qual o papel da mídia nesse processo?

Ela faz a apresentação dos projetos desenvolvidos. Eu sempre destaco a importância do Correio Popular por ser um formador de opinião. O jornal tem um papel importante por estar à frente de muitas discussões. A mídia mundial sofre, há muitos anos, por causa da transformação gerada pela internet. Os jornais tiveram que se reinventar, e o Correio soube se adaptar a esse novo tempo. 

Como são os eventos do Lide?

Nossos encontros são promovidos de uma forma em que o palestrante, o convidado especial, sabe que está se encontrando com um grupo diferenciado. Eu costumo fazer muitos jantares porque é algo mais descontraído, o palestrante fala de forma mais relaxada. Nós estamos em um ano político e trazendo pré-candidato à presidência, ao Governo do Estado, mas também presidentes de empresas para dividir um pouco os seus anseios, contar um pouco de sua história. Os encontros têm o intuito de trazer um convidado especial, ter um assunto, mas o principal é que os participantes falem entre si, haja troca de cartões, isso gera as conexões.

Como a alta carga tribuária no Brasil e em Campinas prejudicam os negócios?

Eu sempre escuto os anseios dos empresários, em geral, em relação à carga tributária, de unificar em um só imposto. Isso sempre é conversado, discutido, mas o Lide não levanta uma bandeira específica. Essa missão é de outras entidades, como a Fiesp. A nossa missão é promover negócios. No nosso último evento, convidamos Gilberto Kassab (presidente nacional do PSD, ex-prefeito de São Paulo, ex-deputado federal e ex-ministro) para falar sobre o momento que estamos vivendo, em que novas notícias surgem a todo momento. Nós queríamos ouvir alguém experiente sobre o panorama político do Brasil. Ele falou muito bem e bateu também na tecla da polarização, que ninguém ganha nessa questão da polarização. Mas esse é um problema mundial. Eu acho que a internet trouxe essa agressividade, e ele bateu muito nessa tecla. Foi muito gostoso. Tudo no Lide é muito estudado, eu faço o trabalho de entender meu associado, entender o que ele precisa, aí eu faço o networking. 

Além de empresários, os políticos também participam dos encontros?

Nesse encontro com Kassab, estavam representantes de grandes empresas, o prefeito Dário e outros políticos à mesa. Nesse momento, a conversa é mais geral, não são discutidas questões específicas. O resultado é a quebra de barreira, que depois resulta na discussão de assuntos mais específicos. No jantar, o discurso do Dário não é sobre Campinas, os assuntos são abordados de forma mais genérica. Mas são abertas as portas para a discussão de investimentos em Campinas em reuniões que são realizadas depois. A função do Lide é quebrar as barreiras, criar intimidade para que, no dia seguinte, a pessoa ligue para a outra: “Oi, tudo bom? Tivemos um jantar ontem, vamos tomar um café?” A reunião ocorre porque a barreira já foi quebrada no dia anterior. O Lide funciona dessa maneira.

Campinas tem uma questão importante que é a cobrança do IPTU retroativo de áreas rurais usadas para a implantação de loteamentos urbanos. A cobrança é retroativa a cinco anos pelo valor atual, o que muitas vezes inviabiliza novos empreendimentos e incentiva loteamentos clandestinos. Há um projeto na Câmara para acabar com essa cobrança. Como a senhora vê isso?

Como eu disse, a função do Lide não é levantar bandeiras, criticar ou julgar. O que eu vejo é que os dirigentes de uma cidade têm sempre que buscar a melhor fórmula para atrair os investimentos, atrair o investidor. Lógico que existem leis no meio do caminho, mas eu não posso entrar no mérito. É lógico que ninguém vai gostar de perder dinheiro. Normalmente, quando a pessoa está vendendo algo e tem um ônus muito grande, vai aplicar esse ônus no preço de venda, isso é matemático. Mas nós não entramos nessa questão. Há outras entidades em que os representantes são eleitos e que têm esse papel. A nossa missão é diferente. Podemos lembrar, por exemplo, quando o Paulo Skaf (ex-presidente da Fiesp) levantou a bandeira contra a volta da CPMF. Ele, sim, tinha o poder para promover essa discussão, que é o poder que foi lhe dado por voto. Ele podia comprar essa briga. Nós não somos uma instituição associativa nesse sentido. Se eu for conversar com eles, vou de forma diplomática, vou ouvir e procurar o diálogo. Acho que é algo que herdei de meu pai.

Qual o seu hobby preferido?

Eu gosto de caminhar, adoro andar, fazer viagens para caminhadas. Uma das viagens mais lindas que fiz foi para o Atacama (Deserto de Atacama, no Chile). Eu andava mais de 8 horas por dia, gostei muito. Lógico que aí você tem que cuidar do físico, fazer um pequeno treinamento. A pandemia me trouxe o hobby de assistir séries. Agora, sou viciada em séries. Gosto de produções como “Vikings” e também das que envolvam história. Eu acabei de assistir “Last Kingdom” (“O Último Reino”). Foram cinco temporadas.

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