PLANO RUAS VISÍVEIS

‘Minha Casa, Minha Vida’ anuncia moradias para pessoas em situação de rua

Campinas foi incluída na relação de 38 cidades que passarão a reservar unidades habitacionais para essa população

Bruno Luporini/[email protected]
25/04/2025 às 10:26.
Atualizado em 25/04/2025 às 10:50
Censo de 2024 apontou a existência de 1,5 mil pessoas em situação de rua em Campinas (Alessandro Torres)

Censo de 2024 apontou a existência de 1,5 mil pessoas em situação de rua em Campinas (Alessandro Torres)

Campinas é uma das 38 cidades do Brasil que devem reservar no mínimo 3% das unidades habitacionais dos empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para pessoas e famílias em situação de rua ou com trajetória de rua, dentro da modalidade Fundo de Arrendamento Residencial (Far). O anúncio foi feito pelo Ministério das Cidades na última terça-feira, dia 22. As pessoas selecionadas receberão gratuitamente os imóveis, que serão financiados pela Caixa Econômica Federal.

A novidade foi anunciada por meio de Portaria conjunta entre o Ministério das Cidades (MCID), Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). A determinação vale para cidades brasileiras que registraram mais de mil pessoas em situação de rua, de acordo com registros do CadÚnico atualizados até outubro de 2024. Portanto, estão inclusas todas as capitais estaduais, o Distrito Federal, e mais 11 cidades, sendo elas Campinas, Feira de SantanaBA, Foz do Iguaçu-PR, Guarulhos, Joinville-SC, Juiz de ForaMG, Osasco, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Uberlândia-MG. 

A Portaria também definiu quais são os critérios de elegibilidade para as pessoas que receberão uma unidade habitacional. Elas devem ter histórico de situação de rua registrado nos sistemas municipais de cadastro por pelo menos 6 meses até a data de solicitação de acesso ao programa; estar em acompanhamento pela rede socioassistencial do município; estar inscrito no CadÚnico e com o cadastro devidamente atualizado, conforme o Decreto nº 11.016, de 29 de março de 2022; e possuir grau de autonomia suficiente para realizar a transição para uma moradia definitiva.

A iniciativa faz parte do Plano Ruas Visíveis (PNRV), lançado em dezembro de 2023 e que tem como meta garantir moradia digna à parcela mais vulnerável da população do país. De acordo com o Ministério das Cidades, os grupos prioritários são os que estão em maior vulnerabilidade, como famílias com crianças, mulheres, gestantes, pessoas trans, pessoas com trajetória de rua oriundas da rede socioassistencial ou de iniciativa de moradia temporária, pessoas idosas, pessoas com deficiência, participantes de projetos e programas locais que sejam vinculados à Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua (PNTC PopRua) e pessoas indígenas.

A expectativa é que cerca de mil unidades habitacionais sejam destinadas a esse público nesta primeira fase de implementação. Porém, o Ministério das Cidades ainda não detalhou como serão divididos os imóveis por município. O órgão também não especificou como será estabelecida a linha de comunicação com as cidades envolvidas, a fim de implementar a ação.

Segundo o ministro das Cidades, Jader Filho, “as 38 cidades terão a obrigação de distribuir no mínimo 3% dos seus empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida aos moradores em situação de rua. Isso não é um limite, mas sim um piso mínimo que precisa ser atendido”. Ele acrescentou que agora as Prefeituras terão que destinar uma parcela das moradias às pessoas que estão em situação de rua, o que vai ocorrer quando elas fizerem o processo de seleção, o que costuma acontecer quando as obras chegam na metade.

Procuradas, a Secretaria de Habitação, a Companhia de Habitação Popular de Campinas (Cohab) e a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social de Campinas afirmaram que não receberam oficialmente as informações sobre os critérios de funcionamento. A Prefeitura avaliou como importante a inclusão das pessoas em situação de rua nos programas da moradia popular, pois garante dignidade aos mais vulneráveis, mas disse que aguarda orientações mais específicas do Governo Federal sobre a implementação da medida.

VIDA NAS RUAS

De acordo com o Censo da População em Situação de Rua em Campinas, publicado em 2024, o município tinha 1.557 pessoas em situação de rua, sendo 1.300 vivendo na rua e outras 257 em centros de acolhimento. Para o responsável pelo Programa de Desenvolvimento Humano e Integral (PDHI) da PUC-Campinas, Everton Silveira, a publicação da portaria é importante para mitigar esse problema social. No entanto, ele considerou que ainda é uma ação muito tímida perto do número estimado de pessoas em situação de rua. “Precisamos avançar com políticas mais robustas e intersetoriais para avançar na solução dessa questão.”

O professor também fez uma reflexão sobre o público prioritário definido pela Portaria. Ele explicou que, em Campinas, 81% das pessoas entrevistadas para a realização do censo eram homens, em sua maioria entre 18 e 49 anos, ou seja, que em tese estariam fora da prioridade. “São pessoas que deveriam estar em franco desenvolvimento de suas vidas, porém, a maioria, para sobreviver nas ruas, faz uso de álcool e de tantas outras substâncias psicoativas.”

Osvaldo Cardoso, 68, veio do Paraná em 1977 e está em situação de rua há 25 anos. Ele contou que perdeu o trabalho e o convívio com a família por conta do vício em álcool. “Acabou com minha vida”, lamentou. Osvaldo disse que deseja ir para São Paulo, uma vez que Campinas está muito perigosa. “Gosto de ficar sossegado”, contou. Ao saber sobre a proposta do Governo Federal, ele sorriu. “Eu queria muito uma casa, sair dessa vida e ter onde morar. Aliás, tem muita gente boa aqui que gostaria também”.

Já para Sidnei Rosário, 53, o sonho de ter uma casa própria é muito distante. “Eu acho que não vai acontecer, pelo menos para mim. Não tenho mais documento nenhum, não consigo me identificar.” Ele também relatou que perdeu o contato com a família, em Itapira, por causa do abuso de álcool. “Não uso drogas, é a bebida mesmo. Perdi tudo. Queria, sim, ter uma casa”.

O próximo Censo da População em Situação de Rua em Campinas deve ser publicado em 2026. “É uma população que vive em função de sua própria sobrevivência, migrando entre os territórios urbanos em busca de condições de vida, por isso a itinerância é um fator”, explicou ao falar sobre como em pouco tempo o perfil da população em situação de rua muda muito.

O professor analisou que a vida nas ruas se torna uma questão cultural, com suas próprias regras e dinâmicas sociais, “que são muito diferentes da cultura de morar em uma casa, em um condomínio”. Por isso, de acordo com a Portaria publicada, as pessoas selecionadas para as unidades habitacionais deverão ser acompanhadas por uma equipe técnica do Trabalho Social de cada cidade. Estão previstas ações a serem realizadas durante as fases de pré e pós-ocupação, incluindo o acompanhamento individualizado a cada família, com vistas à autonomia e à adaptação à vida domiciliar.

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