VIOLÊNCIA E TORTURA

Menino acorrentado em pé em barril permanece internado

Garoto se preocupa com o pai, acusado de torturá-lo; Conselho Tutelar será investigado em caso de tortura

Lilian de Souza/ Correio Popular
02/02/2021 às 12:11.
Atualizado em 22/03/2022 às 08:44
P?s inchados do menino de 11 anos que estava acorrentado e em p? no barril por, no m?nimo, dias (Importação)

P?s inchados do menino de 11 anos que estava acorrentado e em p? no barril por, no m?nimo, dias (Importação)

Mesmo depois de ter sido encontrado acorrentado pela Polícia Militar (PM) de Campinas, no último sábado, dentro de um barril e com graves sinais de maus-tratos e de desnutrição, a principal preocupação do garoto de onze anos é com o pai, acusado de ter praticado esse conjunto de violências contra ele. A criança continua internada no Hospital Ouro Verde e segue acompanhada pela tia paterna. A ela, o garoto tem falado sobre o homem que é para ele "a única pessoa que tem", e que "espera que não tenham feito nada" contra o pai.

O menino foi deixado aos cuidados do genitor aos 18 dias de vida. A mãe era usuária de drogas e não acompanhou o crescimento dele. Quando o garoto tinha aproximadamente quatro anos, o pai deu início a uma nova família. Por conta do nascimento das irmãs mais novas, acredita a tia paterna, que pediu para não ser identificada, o menino teria se tornado rebelde e começado a dar "trabalho" para o pai. Segundo ela, o garoto chegou a pular o muro da escola e a fugir de casa. Na época, o pai procurou o Conselho Tutelar para obter ajuda. Ele disse à irmã que não estava dando conta do filho. Depois, afastou-se do restante da família.

Para a mulher, houve falha dos órgãos responsáveis no atendimento ao caso de abuso cometido contra o sobrinho. "A gente não imaginava que estava acontecendo isso. Eu sabia que meu irmão tinha ido buscar ajuda, levou o menino no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e no Conselho Tutelar, mas eles falharam. O conselho disse que ia tirar todos os filhos dele, porque se não dava conta de um, não daria conta das outras duas", contou. "E aí aconteceu tudo isso. Se a gente não tivesse recebido essa notícia horrível, daqui um tempo ia receber a notícia da morte do menino", diz. A tia revelou que, segundo relato da criança, a prisão no barril era castigo. "Por alguma coisa que ele tinha feito, como pegar comida escondido."

Responsabilidade

De acordo com o Conselho Tutelar de Campinas, a família era acompanhada desde 2019 e já havia sido encaminhada para os órgãos "de média complexidade". Isso acontece quando o Conselho nota a gravidade da situação e aciona outras entidades públicas da rede de proteção, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que atende pessoas que vivenciam situações de violações de direitos ou de violências.

"Diante das denúncias que chegaram a este órgão sobre as fragilidades de saúde e das relações familiares da criança, o Conselho Tutelar Sul requisitou, como é de sua atribuição, que o serviço socioassistencial correspondente fizesse o acompanhamento do caso", explicou em nota. O órgão também alerta a população para a importância de não expor fotos e vídeos do menino nas redes sociais para preservar sua dignidade.

O prefeito Dário Saadi (Republicanos) comunicou que solicitou um levantamento para saber por quais equipamentos municipais a criança era atendida e apurar se houve falha no acompanhamento. "Eu me reuni com as secretarias de Assistência Social, Saúde e Justiça para pedir toda as informações. Essa criança era acompanhada e com os relatórios em mãos nós vamos tomar as providências cabíveis para saber se vamos instaurar um processo investigativo e apurar se ocorreu alguma falha no atendimento da criança, prometeu".

O Juiz da Vara da Infância e Juventude, Iberê de Castro, ressalta a importância das denúncias em casos nos quais há suspeita de abusos contra crianças. "É preciso lembrar que sem respaldo social não há como prevenir crimes desse tipo. Ainda mais em uma situação como essa, na qual a violência não é de fácil verificação, porque acontece dentro de casa", disse.

Ele observa que um dos principais mecanismos de denúncias são as escolas, que estão fechadas neste momento de epidemia. "Por isso é ainda mais importante que a comunidade esteja atenta. Ainda que o Conselho Tutelar tenha falhado, o que ainda é preciso investigar, o trabalho feito por esse órgão é muito importante. As pessoas precisam confiar nesses mecanismos e denunciar", afirmou.

Ele explica que a atuação do órgão deverá ser apurada pelo Ministério Público e pela Vara da Infância. Em última instância, caso fique constatada falha grave, o conselheiro responsável pelo caso pode até mesmo ser destituído do cargo. O Ministério Público (MP) abriu um procedimento para apurar a responsabilidade dos órgãos. As comissões de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em Campinas e da Câmara de Vereadores também solicitaram informações sobre a atuação da rede de proteção.

Ontem, a Justiça decretou a prisão preventiva dos três envolvidos no caso: o pai da criança, a madrasta e a filha mais velha da mulher, que estava em casa no momento em que a polícia chegou e flagrou o menino acorrentado. A advogada de defesa relacionada no boletim de ocorrência do caso não quis falar com a reportagem. Denúncias sobre maus-tratos a crianças e adolescentes podem ser feitas de forma anônima pelo Disque 100, pelos telefones 190 da PM, 153 da Guarda Municipal ou pelo conselho tutelar, no número 0800 770 1085 .

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