CAMPINAS

Memória dos combatentes na II Guerra pode desaparecer

Abandono ameaça preservação do acervo que remete à participação de campineiros na II Guerra

Rogério Verzignasse
14/09/2013 às 21:30.
Atualizado em 26/04/2022 às 02:51
O campineiro Justino, remanescente da campanha na Itália, lembra causos ao lado da esposa Olette (Elcio Alves/AAN )

O campineiro Justino, remanescente da campanha na Itália, lembra causos ao lado da esposa Olette (Elcio Alves/AAN )

A Associação dos Expedicionários Campineiros (ExpCamp) foi fundada em outubro de 1945, para preservar a memória de cidadãos convocados para a II Guerra Mundial. A entidade é considerada a mais antiga associação brasileira de ex-combatentes. E a sede própria, fundada em 1961, guardou ao longo das décadas um rico acervo documental que conta a epopeia brasileira em solo europeu. Acontece, no entanto, que a rica história desaparece aos poucos. Restam apenas quatro pracinhas que comparecem regularmente às atividades na sede. E o grupo é mantido por descendentes de senhores que vestiram a farda. Não há dinheiro para reformas básicas do prédio antigo, ou para o pagamento de faxinas eventuais. Os cômodos do piso superior do sobrado permanecem fechados, empoeirados. Quadros, pastas, documentos e fotografias ficam empilhadas.Hoje, a presidência do grupo é ocupada por Guaraci, filha mais nova do ex-pracinha Justino Alfredo. Aos 94 anos, ele foi um dos dois únicos veteranos da guerra que, a bordo de um jipe do Exército, participaram do desfile cívico de Sete de Setembro. Ele caminha com muita dificuldade, não pode mais enxergar, mas se enche de alegria e fala sem parar quando recebe visitas. O homem descreve cenários e repete os diálogos, como se eles tivessem acontecido ontem. A companheira da vida toda é Olette Vanny Alfredo, de 89 anos, que sabe todos os causos, e o até lembra de detalhes esquecidos no discurso.O casal mora com a filha Guaraci em um apartamento próximo do Largo do Pará. Ela foi aeromoça da extinta Vasp, e hoje ganha a vida como professora de jovens que se formam comissário de bordo, em uma escola técnica do Guanabara. Ela, que nasceu no lar do ex-pracinha, cresceu ouvindo histórias. E se apaixonou de tal forma pelo tema que se entregou ao trabalho voluntários na associação.A situação atual do patrimônio, no entanto, a deixa muito preocupada. A própria sede, na Rua Falcão Filho, precisa de reforma urgente nas redes hidráulica e elétrica. Torneiras foram roubadas. Sai fumaça do bocal vazio quando o cidadão aperta o interruptor. O chão cerâmico é opaco. Em diversos trechos do piso, placas de cimento substituem peças quebradas e nunca recolocadas.Nas prateleiras e gavetas, estão amontados quadros com fotografias históricas da campanha. A madeira das molduras, infestadas por cupins, se desmancham. E nem há identificação de tantos heróis fardados. É certo que as imagens foram doadas pelas próprias famílias, ao longo de quatro décadas. Mas nunca houve o cuidado de identificar a personalidade ou a paisagem fotografada.Guaraci gostaria, enfim, que a Prefeitura ou algum parceiro privado pudesse ajudar com a reforma e com a recuperação do acervo comprometido. A única fonte de recursos é a anuidade paga por cada uma das 30 famílias de descendentes. Cada um contribui com o que pode. Mas a arrecadação é suficiente para pagar água, luz e impostos. O piso inferior tem um salão de festas, que serve para os reencontros ocasionais de veteranos e parentes. Mas, legalmente, a entidade (sem fins lucrativos) é proibida de alugar o espaço.Guaraci, desapontada, admite que a sede precisa ser vendida. A associação, no caso, passaria a promover suas reuniões em salas alugadas. Exatamente como era antes da inauguração do sobrado. "Lá em 61, os ex-combatentes se envolveram com a causa, dividiram os cursos do imóvel, instalaram uma entidade que virou orgulho para Campinas. Hoje, não dá mais. Nossos herois se vão, e a cidade parece não ter interesse nenhum na preservação da memória", lamenta.Desde 2008, a história da associação é difundida em um site criado por veteranos e simpatizantes. E lá, na página virtual, os idealizadores celebram o envolvimento histórico de Campinas com a campanha brasileira na Itália. Lembram, por exemplo, que é de autoria do campineiro Guilherme de Almeida a Canção do Expedicionário, hino dos pracinhas, decorado por cada jovem que, ainda hoje, se alista para o serviço militar. A letra "Você sabe de onde eu venho, venho do morro do engenho..." ressalta que rapazes de todo o canto, das mais diversas origens sociais, defenderam a bandeira brasileira na guerra. Gente como o veterano campineiro Justino Alfredo, que deixou o trabalho pesado no Curtume Cantúsio para carregar um rifle.A Associação dos Expedicionários Campineiros fica na Rua Falcão Filho, 96, Centro. Contatos com Guaraci pelo fone (19) 3234-8609.A sede está fechada, mas a parte preservada do acervo está na exposição FEB, no Memorial do Imigrante, em Vinhedo (próximo do portal da cidade), aberta diariamente, das 10h às 16h. O telefone é o (19) 3886-3528.

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