Especialistas apontam que salto ocorreu a partir da reforma trabalhista aprovada em 2017
Acic disponibiliza um espaço exclusivo para atendimento de MEIs, no prédio da entidade, localizado na Rua José Paulino, no Centro, que centraliza diversos serviços e proporciona atenção especial aos usuários (Kamá Ribeiro)
O surgimento de novos microempreendedores individuais (MEIs) acelerou em Campinas nos últimos quatro anos, conforme dados extraídos do Painel do Mapa das Empresas, do governo federal. No quadriênio 2019-2022, o saldo de novas empresas que se enquadram na modalidade teve variação positiva, com média 15 mil aberturas por ano. Já nos quatro anos imediatamente anteriores, 2015-2018, o saldo foi de 5,7 mil aberturas por ano. A aceleração é da ordem de 9,3 mil aberturas a mais na média anual.
Em 2019, a metrópole registrou 20.524 aberturas e 6.153 encerramentos, com saldo positivo de 14.371. Na sequência, 2020 contabilizou 21.081 aberturas e 5.823 encerramentos, variação positiva de 15.258. Nos dois últimos anos do quadriênio, 2021 e 2022, os números mostram 25.141 aberturas e 8.683 encerramentos (saldo de 16.458), no primeiro, e 24.243 aberturas ante 10.258 encerramentos (saldo de 13.985) no segundo. A média anual resulta em 15 mil.
Em igual período anterior, no quadriênio 2015-2018, os saldos, apesar de positivos, possuem variações menores. Em 2015, foram abertas 9.838 MEIs e encerradas 2.592, saldo de 7.246. No ano seguinte, foram 10.920 aberturas contra 3.645 encerramentos, saldo de 7.275. Em 2017, 12.658 MEIs foram abertas e 4.498 encerradas, saldo de 8.160. Por fim, em 2018, foram 15.856 aberturas contra 15.357 fechamentos, saldo de apenas 499. A média anual é de 5,7 mil.
A rigor, os números mostram um crescimento médio de aberturas de MEIs e tem como largada o ano de 2019. Para o coordenador do curso de economia das Faculdades de Campinas (Facamp), José Augusto Gaspar Ruas, o crescimento acelerado se explica pela reforma trabalhista, aprovada em 2017, durante o governo do então presidente Michel Temer e pela desaceleração econômica, além da pandemia a partir de 2020, que contribuiu ao deixar milhares de pessoas desempregadas. De acordo com a Associação Industrial e Comercial de Campinas (Acic) são cerca de 115 mil MEIs registrados em Campinas. No entanto, conforme dados do Mapa das Empresas, 96 mil estão ativos.
Para o professor Ruas, o aumento do saldo não significa necessariamente um desempenho positivo da economia. "Se olharmos os últimos sete anos da economia brasileira, de 2015 a 2022, do qual o período analisado se enquadra, o crescimento médio anual desse período é de 0,2% ao ano. Certamente o pior resultado para sete anos consecutivos. Em termos de produto, se produz hoje o que se produzia em 2014. Esse enfraquecimento desestimula o emprego formal e empurra o trabalhador para empregos menos formalizados", explica.
Além do baixo desempenho econômico, o professor cita ainda a reforma trabalhista como fator que contribuiu para o crescimento acelerado de MEIs. "Ela (a reforma) passa a permitir estratégias menos formalizadas de contratação", disserta. "Com isso, algumas profissões que antes teriam que obrigatoriamente funcionar como CLT passam a admitir profissionais como prestadores de serviço, através da emissão de notas", conclui.
Visão corroborada pelo sociólogo Vitor Berleta, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. “Quando se cria uma legislação que dá margem para uma modalidade de trabalho paralela à CLT, é de se esperar que o crescimento desse tipo de modalidade acelere”, analisa.
A cuidadora Manoela Bueno, de 28 anos, se adequou à modalidade em 2019, quando tinha uma lanchonete. Ela mudou de profissão, mas manteve o CNPJ ativo como forma de ganhar mais que a média oferecida pelo mercado. "Para atuar como cuidadora de idosos em uma empresa, tirando o percentual da empresa que intermedia o trabalho, te sobra muito menos no valor final. Com o MEI, eu mesma emito a nota e recebo diretamente do contratante", conta. "Continuo contribuindo com previdência, e o fato de não estar presa em um contrato me agrada muito. Amanhã posso não vir mais. Já prestei o serviço, emito a nota e tudo tranquilo", finaliza.
A abertura do MEI abre um leque de possibilidades para quem se cadastra. É possível, por exemplo, abrir um pequeno estabelecimento comercial, prestar serviço ou atuar em espaço compartilhado como colaborador, desde que a atividade não se caracterize como CLT, nos termos da legislação trabalhista. Fernando Lopes, de 30 anos, atua como motoboy. Ele presta serviços autônomos de entrega e retirada de documentos desde 2017, mas, eventualmente, atua em aplicativos de entrega. Com o MEI, pode se cadastrar nos aplicativos e emitir nota para os clientes, sem tem que optar apenas por uma opção. "É uma alternativa que tive, já que dá um grau mínimo de formalidade. Além disso, eu posso atuar em diferentes modalidades sem ter que fazer um registro em carteira, sair, ir para outro. Tenho direitos e obrigações como qualquer um”, comenta.
NOVO ESPAÇO
A Acic disponibiliza um espaço exclusivo para atendimento de MEIs, no prédio da entidade, localizado na Rua José Paulino, número 1.111. Com grande participação dos trabalhadores assim enquadrados na economia da cidade, o espaço centraliza os serviços oferecidos em um só local, reduzindo o movimento na prefeitura proporcionando atenção especial aos usuários. O espaço funciona de segunda a sexta, das 8h às 18h.
O prefeito Dário Saadi (Republicanos) ressaltou que o espaço é importante para orientar os microempreendedores individuais sobre programas, documentações e cursos. “O verdadeiro programa social é a geração de emprego e renda, que dá sustento e dignidade para as famílias”, disse. Entre os serviços oferecidos no Espaço MEI estão a captação de crédito com juros mais baixos, abertura de contas, declaração anual, abertura e gerenciamento de MEI, emissão de certificados e orientação para cursos.
“Mais do que orientação, queremos trazer oportunidades para este empresário. O Espaço MEI vai se somar ao trabalho que o Sebrae e a Secretaria de Trabalho e Renda já fazem”, disse Adriana Flosi, secretária de Desenvolvimento Econômico, Tecnologia e Inovação e presidente da Acic.
MEI
O MEI é tido como uma forma de evitar a informalidade total de trabalhadores que não atuam no regime CLT. Ao adquirir o CNPJ, o trabalhador consegue emitir nota fiscal eletrônica sobre os produtos ou serviços oferecidos. O montante, no entanto, não pode ultrapassar R$ 81 mil por ano ou R$ 6,7 mil por mês. Além disso, para abrir, a pessoa física não pode ser associada a nenhuma outra empresa. Por fim, a categoria permite a contratação de um funcionário com salário-mínimo ou piso da categoria.