EM CAMPINAS

Meios de pagamento rápidos e modernos põem cheque em desuso

Envio deste título para protesto em cartório registra queda de 72,1% em cinco anos

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
28/02/2023 às 09:34.
Atualizado em 28/02/2023 às 09:34
Gilberto Ricardo disse que em 2015 teve um prejuízo de R$ 6 mil com cheques sem fundo, sendo aquele o último ano em que recebeu o título como pagamento (Rodrigo Zanotto)

Gilberto Ricardo disse que em 2015 teve um prejuízo de R$ 6 mil com cheques sem fundo, sendo aquele o último ano em que recebeu o título como pagamento (Rodrigo Zanotto)

O cheque, que já foi a principal forma de pagamento, está caindo cada vez mais em desuso. Esse tipo de título de crédito se torna raro no comércio e nas estatísticas oficiais. “Ninguém pede mais. Em pouco mais de quatro anos que estou aqui, nunca vi ninguém pedir”, diz o gerente de uma loja de roupas do Centro, Rodrigo Barbosa de Souza. O estabelecimento até aceita essa ordem de pagamento, mas ela perdeu espaço para outros meios mais modernos e rápidos, como cartões de débito e crédito, Pix e até mesmo dinheiro vivo.

Um indicador dessa realidade é que o envio de cheques para protesto em cartório em Campinas caiu 72,1% nos últimos cinco anos, aponta levantamento do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil - Seção São Paulo (IEPTB/SP), entidade que reúne os estabelecimentos cartoriais no Estado. No ano passado, apenas 1.049 títulos desse tipo foram protestados na cidade, média de 2,87 por dia, enquanto o valor total despencou 61% no mesmo período.

“Apesar de ainda ser utilizado para transações de maior valor, acaba sendo muito arriscado para o credor, que acaba dando preferência a outras formas de cobrança”, afirma o presidente do IEPTB/SP, José Carlos Alves. “O cheque caiu em desuso em razão de uma evolução natural dos meios de pagamento, hoje cada vez mais digitalizados e instantâneos”, completa. O cheque também passou a ser um pesadelo para os credores que tentam quitar as dívidas. 

De acordo com o IEPTB/SP, entre 2018 e 2022 caiu em 61,4% a proporção de cheques quitados após serem protestados em cartório. Muitas vezes isso ocorre porque o devedor não sabe para quem passou o cheque que acabou não compensado, acabando por ter o nome protestado, sem conseguir saber como liquidar a dívida. Uma alternativa para a pessoa física ou jurídica identificar a origem do protesto é acessar gratuitamente o site dos Cartórios de Protestos de São Paulo, fornecendo o CPF ou CNPJ.

Cheque barrado

O comerciante Gilberto Ricardo tem no caixa do estabelecimento um aviso “não aceitamos cheque”, que é acompanhado da informação de receber pagamento com cartões de débito e crédito, com a identificação das bandeiras aceitas, e Pix. “Para mim, o cheque nunca foi uma forma de pagamento. É uma promessa de pagamento”, diz o comerciante. Ele lembra que no último ano que aceitou o título, em 2015, teve um prejuízo de R$ 6 mil com cheques sem fundo. “Infelizmente, acontecia muito”, afirma Gilberto.

Na época, o montante era equivalente a US$ 2.085. Atualizado pela moeda norte-americana, o valor hoje é equivalente a R$ 10,8 mil. O comerciante diz que, ao aceitar os meios de pagamento eletrônico, mesmo que tenha de pagar a tarifa, evita justamente o calote. No caso do cartão de crédito, o risco passa a ser da operadora. 

“Não aceito cheque desde que deixou de ser obrigatório, por lei, aceitar”, afirma Gilberto. Porém, a realidade não é bem essa. “Não existe lei que autorize um comerciante a não aceitar cheques. Na verdade, utilizando-se de uma interpretação invertida da lei, estabeleceu-se o seguinte entendimento jurídico: o comerciante está obrigado a aceitar pagamento em moeda corrente do país e somente se não o fizer cometerá o crime previsto no artigo 43 da Lei de Contravenções Penais”, explica o advogado Maurício Ejchel.

O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor caracteriza como prática abusiva recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento. “Chegou-se ao entendimento que o pagamento em cheque, não sendo pronto, por depender de compensação, a sua não aceitação não constituirá crime. Portanto, não seria proibida, ainda que independente de qualquer previsão expressa”, completa o advogado.

Jovens não usam 

Ana Carolina Ribeiro, de 22 anos, diz nunca ter usado um cheque. “Eu preencho apenas no emprego”, explica ela, que é caixa de supermercado. “Mesmo assim, quem usa são os mais idosos”, afirma. O barbeiro Wesley Oliveira, de 18 anos, também não usa essa forma de pagamento, preferindo dinheiro ou cartões, tanto para pagar suas contas quanto para receber os cortes de cabelo que faz no salão. “Nunca usei cheque”, diz ele, que trabalha desde os 16 anos.

Caixa de um posto de combustíveis na Avenida Dr. Moraes Salles, no Centro, há três anos, Ariana Silva dos Santos diz nunca ter recebido pagamento por esse título de crédito. Os cartões de débito ou crédito respondem por 70% das transações, o restante fica por conta de pagamento em dinheiro e Pix, que passou a ser aceito há um mês. “Assim, não tem risco, não tem calote”, explica Ariana.

Já um estacionamento na Rua José Paulino, também no Centro, aceita apenas Pix ou dinheiro. “Usar a maquininha tem custo”, diz o manobrista Airton Alves, que trabalha no local há 15 anos. De uma forma geral, os pagamentos com cartão têm custo a partir de 0,99% por transação de débito à vista até 6,49% no crédito parcelado, dependendo da bandeira da operadora. “De cada dez pagamentos feitos, sete são com cartões de crédito. Depois vem o cartão de débito, dinheiro e Pix”, diz o frentista/caixa de outro posto de combustíveis, Daniel Henrique.

Fora das estatísticas

A queda do uso de cheques levou até o Banco Central a parar de fazer estatística específica desse tipo de pagamento. De acordo com os dados do BC, 1,2 bilhão desses títulos foram compensados no Estado de São Paulo em 1997. Em 2020, último levantamento feito pela autarquia federal, o número havia caído para 121,3 mil, queda de 89,9%. Atualmente, essa forma de pagamento entra no levantamento do órgão junto com outras - Transferência Especial de Crédito (TEC), DOC, transferências interbancárias e Transferência Eletrônica Disponível (TED).

Mesmo juntas, essas cinco modalidades ocupam o último lugar entre os meios de pagamentos usados no país, com 545,6 mil operações entre janeiro e junho de 2022, último dado disponibilizado pelo Banco Central. A liderança é dos cartões de crédito, débito e pré-pago, com 9,5 bilhões de transações nos primeiros seis meses do ano passado. A segunda colocação é do Pix, que soma 5,47 bilhões no mesmo período; seguido por boletos, convênios e débitos diretos, com 3,8 bilhões. 

Os dados do BC mostram que os clientes bancários reduziram até o uso de dinheiro vivo. Os saques ficaram na penúltima colocação entre as transações bancárias, com 855,6 mil operações no primeiro semestre de 2022, “Eu não uso dinheiro, apenas cartão”, diz o gerente comercial Rodrigo Barbosa de Souza.

De acordo com o Banco Central, o uso do Pix segue aumentando mês a mês no país, desde que foi criado há exatamente dois anos. O recorde foi em dezembro passado, por causa das vendas de final de ano, com 2,89 bilhões de operações. Em janeiro deste ano, foram 2,59 bilhões, aumento de 101% em comparação ao 1,29 bilhão do primeiro mês de 2022.

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