Mais votada entre todos os candidatos a vereadores nas últimas duas eleições, a parlamentar acredita que as mulheres sofrem tentativa de desqualificação no Legislativo
Vereadora mais votada nas últimas eleições municipais, Mariana Conti visitou a sede do Correio Popular a convite de Ítalo Hamilton Barioni, presidente-executivo (Rodrigo Zanotto)
Mariana Conti, do PSOL, ficou em primeiro lugar nas últimas duas eleições municipais para o cargo de vereadora. Integrante da bancada de oposição ao prefeito Dário Saadi (Republicanos) na Câmara Municipal de Campinas, ela preside a Comissão da Mulher no Legislativo e considera que o feminicídio é uma triste realidade permanente e tem a pauta do fim da violência contra a mulher como uma das mais importantes bandeiras de seu mandato. Enquanto vereadora, ela conta que precisa lutar contra a violência política de gênero, que tem como objetivo desqualificar mulheres com mandato.
Nascida em Campinas em 23 de julho de 1985, Mariana Conti Takahashi tem três irmãos e é filha de um engenheiro elétrico e de uma socióloga. Ela se formou em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde ingressou em 2004. Foi lá o lugar em que ela deu os primeiros passos na militância, iniciando uma aproximação com o movimento estudantil. A vereadora coordenou à época o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unicamp e participou de lutas em defesa da educação pública, pelo passe livre e em defesa dos direitos das mulheres.
Filiada ao PSOL desde a juventude, Mariana foi eleita vereadora pela primeira vez em 2016, com 6.956 votos. Ela foi a única mulher da Legislatura 2017-2020 e ficou entre os quatro parlamentares mais votados. Nas últimas duas eleições ela recebeu mais votos do que todos os vereadores. No ano passado, foram 14.356 votos, mais do que o dobro em relação ao que angariou na primeira vitória. “As últimas duas eleições municipais foram as mais dramáticas, considerando o contexto da pandemia em 2020 e do momento político do país após a eleição nacional de 2022”, lembrou.
Em entrevista concedida a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni, a parlamentar também opinou sobre os casos envolvendo os vereadores Vini Oliveira (Cidadania) e Zé Carlos (PSB), ambos com risco de serem cassados, o primeiro em um processo que se aproxima do fim e o segundo em outro que pode ser iniciado nesta semana. Ela preside a Comissão Processante (CP) que apura uma eventual quebra de decoro de Vini. No caso do pessebista e ex-presidente da Câmara, que fechou um acordo em junho com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) admitindo o crime de corrupção passiva, Mariana foi taxativa. “Eu defendo a cassação do vereador Zé Carlos. A multa não é suficiente. Eu votei pela abertura da Comissão Processante em 2023 e sigo defendendo isso.”
A vereadora também discorreu sobre a influência do histórico político Plínio de Arruda Sampaio, ex-deputado e fundador do PSOL, falecido em 2014, em sua formação política. Acompanhe os melhores momentos da entrevista.
Vereadora, conte aos nossos leitores sobre a sua origem. A senhora é filha de qual cidade?
Eu nasci em Campinas, no Hospital Maternidade, mas meus pais são de Americana, então vim para cá apenas para nascer (risos). Na época era algo mais comum, pois as cidades menores não tinham muita estrutura para os partos. Eu passei a minha infância e adolescência em Americana.
E sua família? A senhora tem irmãos?
Sou filha de um engenheiro eletricista, filho de japoneses e que trabalhou na CPFL antes de ela ser privatizada, e de uma socióloga que trabalhou no INSS. Tenho mais três irmãos. Nós éramos uma família de classe média baixa, os meus pais se dedicaram bastante para termos a melhor educação possível.
Onde estudou? Lembra-se de algo bem específico da época de escola?
Passei pelo Dom Bosco, em Americana. Na época já era uma escola muito bem conceituada. Uma das atividades que mais me marcaram foi a participação da Pastoral da Juventude por lá, onde tinha a turma do teatro. Eu adorava.
A sua participação no movimento estudantil começou nesse momento?
Não, não. Tive esse contato apenas na Unicamp. Passei no vestibular de Ciências Sociais em 2003, ingressando em 2004. Uma curiosidade da época de faculdade é que entrei no curso pensando em ser comentarista política. Achava um máximo quando via esses profissionais na televisão e queria ser como eles (risos).
Houve influência também de sua família? Considerando a profissão da sua mãe…
Sim, claro que tive meus pais como referências. Sempre tivemos muitos livros em casa, meus pais sempre tiveram pensamentos mais ligados ao que eu acredito.
Como foi a primeira impressão quando entrou na Unicamp?
Foi uma experiência maravilhosa. Isso abriu meus horizontes para o mundo, pois eu tive contato com alunos e professores de várias partes do Brasil e do mundo. É na faculdade que você começa a descobrir que o planeta é muito amplo. Com novas vivências culturais, comportamentais. Lembro que comecei a ouvir, na minha época de faculdade, estilos musicais que nunca tinha ouvido na vida. E também me lembro da biblioteca da Unicamp, que é fantástica.
Além do movimento estudantil, com o Diretório Central dos Estudantes, houve também o envolvimento na universidade com a militância político-partidária?
O movimento político era algo já comum para mim. Sou neta de um dos fundadores do PT em Americana, minha mãe foi filiada e próxima ao partido por muitos anos. Na minha época de faculdade estávamos vivendo o começo do primeiro mandato do presidente Lula. Era uma etapa de muitas mudanças. Em 2004, mesmo sem ser filiada, apoiei a candidatura da Marcela Moreira para a Câmara de Campinas. Ela foi eleita pelo PT na época. Depois que veio o PSOL. Hoje somos colegas do mesmo partido.
E como surgiu o PSOL na sua vida?
O Plínio de Arruda Sampaio ministrou uma palestra na Unicamp na minha época de faculdade. Ele foi e sempre será uma referência política muito importante na minha vida. Na ocasião, o PSOL estava sendo fundado, em uma dissidência do PT. Vários quadros políticos foram expulsos por votarem contra medidas do Governo Lula na época, como a Heloísa Helena, que era senadora. Em paralelo, o Plínio, que perdeu a eleição interna para presidir o PT, entendeu que a legenda não mudaria mais, do ponto de vista interno. Então todas essas pessoas se uniram na criação do PSOL. Foi o partido ao qual me filiei e onde estou até hoje. Acho que uma das coisas que mais marcou minha formação política foi a possibilidade de conviver com o Plínio nas ocasiões em que foi candidato a governador e presidente.
Como foi a sua primeira candidatura?
Não foi algo planejado. Isso eu posso garantir para vocês (risos). O grupo político ao qual eu fazia parte entendeu que minha candidatura seria importante na construção do partido, que tinha poucos recursos na época. Fazíamos campanhas na base da militância, mesmo. Disputei as eleições de 2008 e 2012 para vereadora e de 2010 e 2014 para deputada federal, antes de ser eleita para a Câmara de Campinas em 2016. Eu perdi mais do que ganhei, mas isso faz parte da disputa democrática.
Uma dúvida: todo político com mandato precisa de uma base de sustentação eleitoral?
O processo inverso também existe, quando o político sai candidato para apoiar a construção do partido.
E a senhora pensava que seria a mais votada entre todos os candidatos a vereadores de Campinas?
As últimas duas eleições municipais foram as mais dramáticas, considerando o contexto da pandemia em 2020 e o momento político do país após a eleição nacional de 2022. Eu até imaginava que teria uma votação maior a cada eleição que passava, mas não a ponto de ser a mais votada em dois pleitos seguidos.
Vereadora, os temas levados pelos eleitores aos políticos mudaram atualmente em relação aos temas das legislaturas anteriores?
Acho que o contexto de cada legislatura é diferente, mas os temas permanecem os mesmos. O que mais pega hoje em Campinas é a crise dos serviços públicos. Estamos em um patamar de restrição, negação e deturpação dos serviços públicos na cidade. E em várias áreas: no transporte público, na saúde, na própria educação…
E o que seus eleitores te pedem, especificamente?
Eu tenho uma relação com o meu eleitorado que é um pouco diferente do padrão adotado por outros vereadores. Geralmente o vereador vira um despachante de luxo, não é? Se os eleitores não conseguem acesso aos seus direitos, pedem para os vereadores votados por eles que “encurtem” um pouco o caminho. Os meus eleitores não me pedem esse tipo de coisa, pois não é possível que eu faça. É um vício político do nosso sistema político, onde o Executivo estabelece uma relação clientelista com o Legislativo, que faz o mesmo com o seu eleitorado.
Esse vício é o chamado sistema de coalizão? Quais são os impactos para a população?
Sim, é um pacto de coalizão. Entendo que é um vício do nosso sistema político, em todos os níveis. Seja federal, estadual ou municipal. Ele tem suas raízes nas relações paternalistas da República Velha (1889-1930), garantindo uma dependência contínua da população em relação aos políticos. Foi uma forma de se contornar uma situação de extrema miséria, pois o Brasil tem uma origem escravocrata, com uma população enorme sem acesso aos elementos básicos e uma elite que controlava o poder político. Nesse contexto é criada uma relação de dependência na qual a população em massa não tinha acesso aos direitos sociais e civis. Em última instância, isso criou o mercado do voto, onde você votava em prol dos políticos que poderiam te proporcionar algo – e quem controla o poder do Estado, acaba mercantilizando o voto. Esse, para mim, é um dos grandes engodos que temos na nossa história.
A população entende que o Congresso Nacional está divorciado dos interesses da população e focados em temas internos. Como a senhora avalia isso no âmbito local?
Concordo com essa percepção da população, mas em alguma medida. Grande parte dos projetos que a Câmara Municipal aprova são homenagens, como nomear ruas e avenidas da cidade. É um fato. Isso é um movimento de agradar a população. Ao mesmo tempo não quero desprestigiar as pessoas que são homenageadas. Eu mesma sempre voto a favor nesses assuntos, mas eu acredito que a máquina pública utiliza esse tipo de ação do Legislativo como uma forma de manutenção de poder.
Vereadora, a senhora integra um partido cujos integrantes enxergam com bons olhos as relações políticas e econômicas com a China. Qual sua avaliação sobre isso?
Essa é uma pergunta bem complexa, mas vamos lá. Existe certo preconceito da nossa sociedade ocidental com aquilo que é do exterior, mas precisamos entender que o Oriente possui muitos pontos fortes e destaques que precisamos aprender e valorizar. Agora, qual o problema da China? Ela conseguiu um feito impressionante, deixando de ser um dos países mais pobres do mundo na virada da década de 1940 para a década de 1950, para uma das maiores potências do planeta. No entanto, estabeleceu relações imperialistas em meio a esse processo. Esse é o problema.
Como a senhora observa a relação entre a esquerda e a sociedade nos dias atuais?
Precisamos falar das coisas como elas são. Precisamos nos manifestar considerando o atual momento do nosso país e do mundo. Vejo que estamos em um momento no Brasil, por exemplo, de reversão neocolonial. É o retorno da situação de colônia. Isso ocorre por vários fatores, e é influenciado por um movimento de extrema direita. Precisamos combater essa situação por meio da esquerda, chegando à sociedade com fatos e contrapondo os conservadores.
A Comissão da Mulher é presidida pela senhora atualmente. Quais os principais temas hoje na cidade que dizem respeito às mulheres?
O feminicídio e a violência política de gênero infelizmente são realidades permanentes. Temos discutido muito na comissão o aumento do assassinato de mulheres negras, por exemplo, além do aumento dos assassinatos das crianças. E por quais motivos debater esse tipo de crime contra as crianças? Há uma tendência de que o feminicídio seja acompanhado pelo assassinato dos filhos da mulher. É uma realidade que não vejo como coincidência, já que acontece na medida em que temos o crescimento do número de propagadores do ódio contra as mulheres, principalmente nas redes sociais.
Vereadora, qual a sua opinião acerca da Comissão Processante que investiga o vereador Vini Oliveira?
Ficou explícito durante as oitivas que o Vini sabia que a médica que fez a denúncia estava trabalhando. Ele inclusive falou que teve acesso a uma planilha que mostrava os atendimentos que a servidora tinha realizado. Sei que existiram casos de corrupção envolvendo outros vereadores no passado que terminaram sem punição. Eu, inclusive, sempre apoiei as respectivas punições, mas não acho que é possível dizer que a prática do Vini é menos grave. Ele fez algo de forma articulada, pensada e sistemática. (A entrevista foi realizada dias antes da leitura do relatório da CP que recomendou a absolvição de Vini Oliveira em plenário. Nelson Hossri, relator, e Nick Schneider foram favoráveis à absolvição. Mariana defendeu a cassação de Vini. O parecer da CP será levado aos demais parlamentares na terça-feira).
E quanto ao caso do vereador Zé Carlos?
Eu defendo a cassação do vereador Zé Carlos. A multa não é suficiente. Eu votei pela abertura da Comissão Processante em 2023 e sigo defendendo isso.
Como atuar em um ambiente majoritariamente masculino e conservador, como é a Câmara de Campinas?
Eu acho que fui desenvolvendo uma casca dura, sabem? (risos). É um ambiente muito conservador, com certa cordialidade. Mas a violência política de gênero, algo muito grave, acontece quando surgem polêmicas na Câmara. O que eu mais ouço é que eu não estou entendendo um determinado assunto assim que ele é discutido, entre outros exemplos. É a velha tática de desqualificar os seus adversários em um debate. Outro exemplo é lançar um jargão de que “a esquerda é violenta”.
Ou seja, a discussão ideológica na Câmara, entre esquerda e direita, é pura retórica?
É um argumento retórico para fugir dos assuntos debatidos. Também acho que há outra questão. A extrema direita trabalha com a mobilização constante dos seus apoiadores. Faz parte da estratégia desse grupo incitar permanentemente os seus apoiadores. Como eles fazem isso? Apontando para um inimigo. E quem é esse inimigo? A esquerda.
Como está a preparação da oposição para a próxima disputa eleitoral municipal?
O atual cenário é muito instável. Tudo pode acontecer, inclusive nada (risos). Então temos de analisar os cenários que podem mudar conforme o tempo passa. Essa instabilidade que vejo acontecer hoje em nossa sociedade, além de posições adotadas por vários atores políticos, como o prefeito Dário Saadi apoiando figuras consideradas bolsonaristas, a exemplo do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pode gerar espaços para a criação de novas alternativas. Essa geração de espaços precisa ser trabalhada.
Mariana, para finalizar, quais são seus hobbies atuais?
Voltei a praticar teatro, algo que eu fiz na minha adolescência, em Americana. Voltei às minhas origens. Estou achando muito legal.
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