Ex-presidente da Ordem em Campinas e da Câmara Municipal acredita que a entidade não se posicionou sobre os grandes acontecimentos dos últimos 15 anos
Ex-presidente do Legislativo de Campinas analisou as chances dos principais candidatos a deputado federal oriundos do município nas eleições de 2026 (Rodrigo Zanotto)
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) perdeu a representatividade em relação à sociedade civil nas últimas décadas devido ao distanciamento da entidade das discussões sobre temas que interessam à população brasileira. Essa é a avaliação do ex-vereador e presidente da Câmara de Campinas, Marcos Bernardelli (PSB), que também presidiu a OAB na cidade na década de 1990.
Advogado de formação e com atuação em Campinas desde 1984, com foco no Direito Comercial, o profissional se destacou em vários momentos importantes do município nas últimas décadas. Um deles foi a criação do Fórum Regional da Vila Mimosa. Outro, o apoio para o nascimento da Defensoria Pública do Estado, o que ocorreu nos anos 2000.
Nascido em Vargem Grande do Sul (SP) em 11 de março de 1960, Bernardelli tem contato com o Direito desde os 10 anos de idade, quando começou a trabalhar como office boy no fórum da cidade de origem. Ele também trabalhou no cartório do município antes de se mudar para Campinas aos 18 anos de idade para atuar no 4˚ Cartório local. Depois, trabalhou no Fórum de Campinas como escrevente.
Em entrevista concedida a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni, o advogado se posicionou contra o Quinto Constitucional (regra que determina que um quinto das vagas de determinados tribunais brasileiros seja preenchido por advogados e membros do Ministério Público, e não por juízes de carreira), e contra mandatos eletivos no Poder Judiciário (“Não estamos prontos para isso”). No entanto, ele destacou a importância do processo de informatização para a Justiça brasileira, além da necessidade de ter a gestão profissionalizada.
A trajetória política de Bernardelli começou na década de 1990. Foi candidato a deputado estadual em quatro oportunidades (1998, 2002, 2006 e 2010) pelo PDT, mas sem conseguir ser eleito. O primeiro mandato como parlamentar chegou em 2012, ao ser eleito vereador pelo PSDB. Ele foi reeleito quatro anos depois pelo mesmo partido. Durante seus mandatos, integrou a base aliada do então prefeito Jonas Donizette (PSB), tornando-se presidente da Câmara Municipal entre 2019 e 2020.
Como chefe do Poder Legislativo, o político passou por um dos momentos mais críticos da história recente da cidade, do país e do mundo: a pandemia de covid-19. Bernardelli relembrou a necessidade de unir os vereadores da época em prol dos cuidados com a população. “Reuni os vereadores da época que eram médicos ou profissionais da saúde. Deixei a análise técnica para eles, dizendo que eu acataria as orientações deles quanto às ações de combate ao vírus, desde que eles assinassem todos os atos comigo”, detalhou.
Bernardelli opinou ainda sobre o nível de preparo dos juízes atuais nas cortes espalhadas pelo Brasil, analisou o quadro político da região para a eleição de 2026 à Câmara dos Deputados e os impactos de uma eventual aplicação de votação distrital para as próximas eleições e ainda abordou outros temas, como o apoio à reeleição de Jonas Donizette para mais um mandato como deputado federal. “Pode anotar aí que meu candidato em 2026, para deputado federal, é Jonas Donizette”, resumiu sobre a próxima eleição. Bernardelli não especificou se pretende se candidatar no ano que vem ou em 2028, nas eleições municipais. Ele foi derrotado nas últimas duas oportunidades de voltar ao Legislativo campineiro, em 2020 e 2024
O político também ocupou outras funções e cargos na vida pública e privada, como presidente do Conselho de Administração da Sanasa entre 2021 e 2024. Antes disso foi advogado do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Indaiatuba; vice-presidente da Federação das Associações de Advogados do Estado de São Paulo; presidente do Conselho Deliberativo do Clube Campineiro de Regatas e Natação; conselheiro consultivo do Clube Círculo Militar de Campinas; diretor e atualmente voluntário da Casa da Criança Paralítica de Campinas.
Muito obrigado por vir à sede do Correio Popular para a entrevista. Bernadelli, o senhor pode começar falando da sua origem?
Nasci em Vargem Grande do Sul, a “Pérola da Mantiqueira”. Sou filho de uma costureira e de um mecânico. Com 10 anos eu saí do grupo escolar e fui para o primeiro ginasial. Em fevereiro de 1970, fui trabalhar no cartório da cidade. Lá fiz um pouco de tudo. Até faxineiro eu fui. Trabalhei como office boy, entre outras atribuições. Fiquei lá até os 17 anos de idade.
Foi lá onde o senhor teve os primeiros contatos com o Direito?
Sim, foi onde tive meu primeiro contato com a área que milito até hoje. Aos 14 anos atuava na Vara Cível, dando andamento a vários procedimentos cartorários. Alguns anos mais tarde oficializaram o divórcio, então foi uma época de muito aprendizado para mim e outros profissionais que atuavam no Direito. No final de 1977 me mudei para Campinas para trabalhar em um dos cartórios da cidade, mas logo na sequência fui convidado para ser escrevente de sala do juiz José Augusto Marinho, na época diretor da 2ª Vara Cível do Fórum de Campinas. Aprendi muito com ele. Era muito austero e sério.
Na sequência começou a estudar para ser advogado?
Sim. Comecei o curso de Direito e terminei no final de 1983, abrindo meu próprio escritório em 1984, onde estou desde então. É uma história muito bonita, que envolve a minha família nela.
Como assim?
A minha esposa é advogada e meus quatro filhos também são. É uma profissão que une toda a família. Os meus filhos inclusive trabalham comigo. Isso tudo é muito bom, essa convivência no ambiente profissional.
Como foi que o senhor começou a atuar na Ordem dos Advogados do Brasil?
Fui secretário da Subseção da OAB Campinas entre 1993 e 1994. Na eleição seguinte fui eleito presidente para um mandato que foi até 1997, mas antes disso eu já militava pela representatividade dos funcionários do Judiciário, ainda na época de cartório, ajudando a criar a Associação dos Funcionários do Judiciário de Campinas. Mais adiante, nos anos 1990, colaborei para que estagiários em Direito fizessem parte da OAB. Acabei ganhando essa representatividade junto aos mais jovens, me tornando secretário e depois presidente da Subseção de Campinas. Conseguimos grandes conquistas na época, como a criação do Fórum da Vila Mimosa. Isso ajudou a levar a Justiça para mais perto das pessoas mais vulneráveis. Fui o presidente mais jovem, à época, da OAB Campinas. E sem vir de uma família tradicional, sem advogados na família. Anos depois me tornei conselheiro estadual da OAB. Foi a minha última função por lá.
Acha que a OAB perdeu a representatividade junto à sociedade?
Tenho certeza que isso se perdeu. No caso, a representatividade propriamente dita da classe como um todo e também do ponto de vista institucional. Onde está o posicionamento da OAB em relação aos grandes acontecimentos do Brasil e do mundo que ocorreram nos últimos 15 anos? Em relação aos advogados em si, a Ordem faz hoje uma prestação de serviços para a categoria, como oferecer convênios odontológicos e palestras on-line. Isso é comum para todas as categorias profissionais na atualidade. O que vemos hoje é que as legislações mais recentes estão cerceando e arrochando o mercado de trabalho. Vejo que seria um bom espaço para a OAB militar, pensando na categoria, pois o advogado precisa que a OAB lhe dê trabalho.
A Defensoria ajuda nesse papel de dar trabalho aos advogados?
Com certeza. Nós brigamos muito, no começo dos anos 2000, para que a Defensoria Pública do Estado fosse criada. Ela valorizou o advogado que faz a assistência para os mais vulneráveis, pois eram profissionais vistos como de “segunda categoria”, o que era uma grande bobagem. Rodamos o Estado de São Paulo conversando com advogados de todos os lugares que você possa imaginar. Foi um trabalho muito bonito. Nós transformamos esse conceito negativo em relação aos advogados de assistência em um excelente conceito. O serviço da Defensoria Pública é de qualidade. A Defensoria dá opções de trabalho para muitos advogados.
Quais são as suas discordâncias em relação ao Direito?
Sou contra o Quinto Constitucional, por exemplo. Nada contra os juízes que são indicados por esse dispositivo, mas eu entendo que eles chegam à magistratura de uma forma diferente dos juízes de carreira, que prestam concurso e iniciam como substitutos ou titulares de varas de cidades menores, em primeiro grau.
Como o senhor avalia a preparação de quem ingressa nos quadros da magistratura?
Vou responder de uma forma diferente. O Judiciário não tem a oxigenação que existe nos outros poderes. Se tivéssemos um tempo mínimo definido para atuar em cada instância, essa oxigenação poderia acontecer. Conheço casos de juízes que ficaram décadas na mesma vara. Eu não acho isso positivo para o Poder Judiciário, tampouco para os magistrados. Se não me falha a memória, o Tribunal de Justiça precisa de cerca de 500 juízes a mais para desempenhar funções dentro do Estado. Acredito que existem pessoas capacitadas para prestarem concursos e desempenharem essas funções. Outro ponto que quero abordar é sobre um juiz exercer várias funções dentro do Poder Judiciário. Hoje um juiz responde por uma vara, mas ao mesmo tempo é diretor do fórum local. Ora, ele prestou concurso para julgar. Não para se intrometer na administração do Judiciário. O ideal é profissionalizar essas gestões via concurso, chamando profissionais do Direito, mas apenas para fazer a gestão do Poder Judiciário. E, assim, deixando os juízes de carreira focarem nas áreas técnicas correspondentes.
Quando você diz que é favorável à profissionalização da gestão do Judiciário, isso quer dizer aplicar mandatos eletivos para a magistratura, por exemplo, como acontece em outros lugares do mundo?
Não acredito que estamos prontos para isso. Vou além: não acho necessário eleições para escolhermos juízes e promotores, pois a carreira no Judiciário não é simples. Agora, falando especificamente dos advogados, na minha concepção o mais difícil é ser advogado e o mais difícil é ser advogado autônomo (risos).
Ainda abordando a questão da profissionalização da gestão do Judiciário, qual a sua opinião sobre o processo de informatização?
Vejo isso com bons olhos. Alguns colegas torcem o nariz, mas vejo como necessário. Antes era preciso ir pessoalmente para São Paulo, com uma cópia física de todo um processo, para pedir um recurso, e aí protocolar isso tudo na capital. Hoje todo esse procedimento é feito de forma on-line. Isso gera economia de custos e de tempo para todos os envolvidos nesse sistema.
Bernardelli, como se deu a sua entrada na política?
Fui candidato a deputado estadual entre o final dos anos 1990 até 2010. Entrei na chapa do Dr. Hélio, pelo PDT, com o objetivo de representar os advogados na Assembleia Legislativa Estadual, em São Paulo, mas não consegui ser eleito. Em 2011 fui convidado para ir ao PSDB pelo Artur Orsi. Conheci o pai dele na época em que era presidente da OAB, quando o Edivaldo Orsi era prefeito de Campinas. Nós tínhamos uma boa relação, e o o Artur me chamou para sair para vereador. Fui eleito, ao lado dele e de outros companheiros de chapa. Lembro que tive uma campanha, fato que se repetiu nas outras vezes que saí candidato para vereador, feita entre meus amigos. Em especial com advogados. Fui eleito e entrei na base do prefeito Jonas. Fizemos um trabalho muito bacana, e eu aprendi muito, afinal, eu não tinha a experiência parlamentar de conhecer os ritos da Câmara etc. No entanto, usei minha vivência como presidente da OAB e como advogado para mediar, intermediar, conversar. Posso dizer que não tive inimigos na Câmara.
A sua postura foi o que contribuiu para o senhor não ter feito inimigos?
Posso dizer que sim. Eu dialogava com colegas do mesmo partido e de outras legendas, até daquelas que eram do bloco de oposição. Nós éramos adversários apenas nas questões ideológicas. Foi uma vivência extraordinária, pois você é testado em vários aspectos, como na postura enquanto parlamentar. Depois me tornei líder de governo, na sequência sendo eleito presidente da Câmara durante um dos piores momentos da história, que foi a pandemia do novo coronavírus.
O senhor pode destacar algum momento específico desse período?
Pedi para os vereadores que eram médicos e outros da área da saúde para se reunirem comigo, independentemente da filiação partidária, de serem base ou oposição. Precisávamos avaliar algumas ações do Executivo, como o lockdown. Reuni os vereadores da época que eram médicos ou profissionais da saúde. Deixei a análise técnica para eles, dizendo que eu acataria as orientações deles quanto às ações de combate ao vírus, desde que eles assinassem todos os atos comigo. Foi um momento histórico da nossa cidade.
Acredita que as críticas da sociedade quanto ao trabalho atualmente feito pelo Poder Legislativo são justas? Alguns vereadores que vieram aqui reconhecem que falta o chamado “amassar o barro”, ou seja, estar mais próximos dos eleitores. Como o senhor analisa esse tema?
Acho que são conceitos diferentes. Boa parte dos vereadores da atual legislatura foram eleitos com votos recebidos, em alguns casos, de uma única localidade. Ou seja, é praticamente um modelo distrital. Vejo poucas pessoas discutirem sobre isso. Eu discuto. São parlamentares eleitos para representarem toda a cidade, mas possuem muita proximidade com suas bases eleitorais específicas. Até acho que poderíamos ter uma reforma oficializando esse dispositivo, de que metade dos eleitos seja via voto distrital e a outra metade de forma mista. Outro ponto é que a atuação do vereador vai além das votações em plenário. Ele é um viés de ligação entre a população e a máquina pública. O vereador indica, cobra, articula. Acredito que os parlamentares precisam se cercar de profissionais competentes e, assim, deixarem os trabalhos acontecerem de uma maneira mais séria e organizada. Por fim, temos de respeitar os votos da população. Eu mesmo fui eleito, reeleito e depois não consegui mais voltar para a Câmara, porém vivo agradecendo os votos que recebi. São procurações da população para que os vereadores a represente na Câmara.
Ainda sobre a Câmara de Campinas, qual a sua opinião sobre o caso do vereador Vini Oliveira (Cidadania), denunciado por ter agido de maneira supostamente irregular em uma fiscalização no Hospital Mário Gatti? Ele deve mesmo ser cassado?
Acredito que ele precisa amadurecer. Uma punição tão extrema não é o caminho para isso. Acho que se ele levar um gancho, uma suspensão, vai amadurecer mais rápido, inclusive. No entanto, isso não invalida que o vereador precisa ser responsabilizado de alguma forma pelas suas ações.
Quais foram as suas atividades após deixar a Câmara em 2021?
Continuei com meu escritório de advocacia e fui chamado para presidir o conselho da Sanasa. Foi uma época muito importante. Conheci mais dessa empresa tão fundamental para a nossa cidade e vários projetos interessantes foram apresentados para nós.
Como o senhor analisa o quadro político da nossa região para as eleições do ano que vem? Quais são seus projetos políticos?
Vou começar respondendo pela segunda pergunta. O projeto político hoje é a reeleição do Jonas como deputado federal. Ele mostrou trabalho e, diferentemente da última eleição, já definiu que será candidato com mais antecedência. Jonas trabalha muito e está mostrando isso para a população. Acredito que ele será reeleito ano que vem. O Carlos Sampaio, após a ida para o PSD do Gilberto Kassab, deverá ser reconduzido também. O Pedro Tourinho foi bem pelo PT nas últimas eleições municipais, ganhou mais visibilidade no período em que ficou como deputado federal na ausência recente do Rui Falcão, sendo outro possível bom candidato. Dizem que o Rafa Zimbaldi vai tentar uma vaga na Câmara, considerando um acordo com o União Brasil, mas o vejo mais consolidado como deputado estadual. Lá ele teria mais chances de se manter com um mandato. Agora é esperar para ver.
Marcos Bernardelli, para finalizar, quais são os seus hobbies?
Por incrível que pareça, o meu hobby é ir ao meu escritório de advocacia. Chegar lá e estar em companhia, mesmo que em um ambiente de trabalho, da minha família. Esse é o meu hobby.
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