Em Americana, provocou protestos entre grupos católicos e evangélicos e acabou sendo substituída por uma emenda na votação do projeto na Câmara
Em Valinhos, o próprio prefeito Clayton Machado (PSDB) se antecipou e propôs uma substituição no texto do Plano Municipal de Educação (Dominique Torquato/17set2013/AAN)
Mais três cidades da região, Americana, Santa Bárbara d'Oeste e Valinhos, suprimiram de seus Planos Municipais de Educação (PMEs) diretrizes que promovem o combate à discriminação por gênero e orientação sexual, depois de manifestações de vereadores e grupos religiosos. Como em Campinas, as metas foram interpretadas como a apologia à ideologia de gênero, ainda que técnicos das secretarias de educação e educadores aleguem que os itens sejam importantes para acabar com preconceitos e prevenir a violência.Em Americana, uma meta que garantia práticas pedagógicas para abolir o preconceito por opção de gênero e orientação sexual provocou protestos entre grupos católicos e evangélicos e acabou sendo substituída por uma emenda na votação do projeto na Câmara. Santa Bárbara também citava em seu plano a superação de desigualdades entre gêneros — mas cedeu à pressão antes mesmo da votação e o Executivo acabou retirando o termo item. Em Valinhos, foi o próprio prefeito Clayton Machado (PSDB) que se antecipou e propôs uma substituição no item do PME que abordava o tema.Fiéis marcaram presença na votação do PME em Americana, e vereadores e Secretaria de Educação concordaram em fazer uma alteração no 2° artigo do projeto. O plano precisou entrar em regime de urgência especial na pauta da Câmara por conta do prazo apertado para aprovação: se o projeto não for sancionado até o dia 24 de junho, a cidade pode perder recursos do governo federal para investir em escolas. O movimento na Câmara foi organizado pelo Ministério Jovem da Renovação Carismática Católica. O artigo substituído pela emenda visava “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Agora, o item diz “promover os valores da tolerância e do respeito à diversidade nas escolas”.O vereador Antonio Lima e Silva, o Tonhão dos Veteranos (PMDB), foi um dos parlamentares que apoiaram a alteração. “Eu me posiciono a favor do que a Igreja Católica prega. Nada contra a opção sexual de ninguém. Mas sou a favor de homem usar banheiro de homem e mulher o banheiro de mulher”, disse Tonhão. O missionário católico César Quirino acompanhou a articulação em Americana e Santa Bárbara para que o plano fosse barrado. “Promovo periodicamente encontro para estudar vários aspectos da sociedade, como cidadania e moral. E estudamos também a ideologia de gênero. Entendo que este não é um assunto que deva ser levado a crianças”. A ideologia de gênero prega que o homem e a mulher não diferem pelo sexo, mas pelo gênero, e que esse seria mais uma construção do ser humano, através da família, da educação e da sociedade, do que uma base biológica. O secretário adjunto de Educação de Americana, Wellington Zigarti, afirmou, no entanto, que o conceito nunca fez parte do projeto do PME de Americana. Ele lamentou a polêmica em torno do item sobre o combate a discriminação por gênero e orientação sexual. “Nosso objetivo com a meta era acabar com os preconceitos em todas as suas formas. Mesmo porque o plano não era somente para as crianças, mas para a educação de jovens e adultos”.Santa BárbaraSanta Bárbara d'Oeste não incluiu em seu plano qualquer menção aos termos gênero ou orientação sexual. Mas, para garantir que os temas nunca entrem em pauta no currículo oficial das escolas da cidade, o vereador Carlos Fontes (PSD) protocolou na Câmara uma emenda à Lei Orgânica semelhante a outra feita pelo vereador Campos Filho (DEM), em Campinas. O texto proposto por Fontes diz que “não será objeto de deliberação qualquer propositura legislativa que tenha por objeto a regulamentação e políticas de ensino, currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero ou orientação sexual”.O parlamentar sustenta que a emenda evita prejuízos à saúde física e mental das crianças — e da sociedade como um todo. Na defesa protocolada, Fontes diz ainda que a ideologia de gênero vem para “excluir toda e qualquer forma de identidade feminina e masculina, deixando as crianças sem qualquer referência de identidade como pessoa e seu papel social”. Para ele, apenas a família pode tratar desse tipo de assunto com as crianças e adolescentes. “A escola não pode determinar como as crianças devem se relacionar com esses assuntos. A ideologia de gênero não precisa estar explícita, ela vem de forma sutil”, disse.ValinhosO prefeito de Valinhos, Clayton Machado, mudou a meta 12 do PME. A primeira redação dizia que o plano deveria seguir os princípios do Plano Nacional pela Primeira Infância, conforme as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e pelo Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Machado acabou excluindo a parte do Plano Decenal, que tem em suas diretrizes o combate a discriminação de gênero. InadequaçãoA psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Angela Soligo, afirmou que vereadores e religiosos estão utilizando o termo ideologia de gênero de forma inadequada. “A ideologia apenas desconsidera as desigualdades entre homens e mulheres, que está presente na sociedade e nas escolas. O uso que está sendo feito é totalmente incorreto”.Ainda segundo Angela, está definido na Constituição que o papel da escola é formar para a cidadania, para o respeito aos direitos humanos e para a paz. “Para formamos sujeitos críticos, criativos e transformadores, devem ser discutidas questões de relações entre os sujeitos. E dentro desse prisma, a escola deve sim discutir questões de gênero, sexuais e raciais. Pois elas são formadoras de violência e doença”. Angela explicou que o preconceito contra mulheres, homoafetivos e negros são latentes na sociedade, e que existe uma grande parcela da população que sofre com ele. “O preconceito se vence com conhecimento. E é na escola que temos uma base mais ampla do conhecimento, que muitas vezes a família não cumpre”.