Reportagem constata o desrespeito à lei nas viagens rodoviárias; especialista aponta uso correto
Thaisy e Roger, que divergem sobre o uso de cinto: ela passou a usar após presenciar vários acidentes (Janaína Maciel/Especial para AAN)
A maioria dos passageiros de transporte rodoviário não utiliza o cinto de segurança, equipamento obrigatório, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e que pode salvar vidas. A queda de um ônibus da Viação Cometa na Rodovia Anhanguera, na última sexta-feira (29) , que deixou três mortos e 28 feridos, levanta a questão da importãncia do uso do acessório.
O risco de sofrer politraumatismo e hemorragias em acidentes é comprovadamente diminuído com o uso correto do cinto de segurança, aponta o chefe do setor de Ortopedia do Hospital e Maternidade Celso Pierro, José Luis Zabeu. “O uso do cinto é fundamental para diminuir as chances de morte.” No caso de capotamento de ônibus, por exemplo, o cinto fixa o passageiro no assento e evita que role sobre os bancos, seja arremessado batendo no teto do veículo e sofra várias fraturas e danos graves.
A reportagem esteve no Terminal Rodoviário Ramos de Azevedo, em Campinas, e conversou com passageiros que desembarcam no local, por onde passaram 145 mil pessoas no feriado prolongado de Páscoa, constatando que a maioria ignora o uso do cinto. A falta de conscientização e de fiscalização são os principais motivos do não cumprimento da lei.
A reportagem embarcou em um ônibus com destino ao Sul de Minas e observou que dos 17 ocupantes do veículo, somente o motorista e mais quatro pessoas — incluindo a repórter e o cinegrafista — usaram o item obrigatório. No embarque, o motorista conferiu o preenchimento da passagem e um documento dos passageiros, mas não orientou sobre o uso do cinto, recomendação que é prevista em lei.
Ao longo da primeira meia-hora de viagem pela Rodovia Adhemar de Barros, outras três pessoas afivelaram o cinto. Alguns passageiros questionados sobre a negligência em relação ao item de segurança, deram desculpas variadas como o fato do dia estar muito quente e que o cinto iria incomodar ou, ainda, que não usavam porque simplesmente não queriam.
A adolescente Lorraine Leandro de Oliveira, de 15 anos, embora ache o item importante para sua segurança, iria percorrer os 40 minutos de viagem até Pedreira sem o cinto. “Não estou acostumada”, admitiu. A adolescente viajava com a mãe, uma irmã e um sobrinho de quase três anos. Por insistência da criança, que ao se sentar sozinha na poltrona tratou de abotoar o cinto, sua mãe e avó — irmã e mãe de Lorraine — colocaram o cinto.
Quatro avisos da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) estavam espalhados pelo ônibus alertando sobre a proibição. Além dos avisos fixados no vidro atrás do motorista, janelas e nos fundos do ônibus, todas as 46 poltronas trazem uma lista de instruções, como a proibição de fumar, de viajar em pé ou nos degraus e o uso obrigatório do cinto de segurança.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), desde 2005, baixou uma resolução que obriga as empresas de ônibus a informar os passageiros sobre a necessidade do uso de cinto. É impossível não olhar as recomendações durante a viagem, mas apesar dos alertas afivelar o cinto ainda é uma prática pouco adotada entre os viajantes.
Divergência
O uso do item de segurança divide as opiniões do casal Thaisy Sluszz, de 31 anos, agrônoma, que sempre usa o cinto em viagens, e Roger Leite, de 29 anos, empresário, que não tem o hábito de afivelar o acessório. Moradores de São Carlos, anteontem eles aguardavam o embarque em um ônibus com destino ao Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, distância percorrida em duas horas.
Thaisy é natural de Santa Catarina e faz uso do cinto. A preocupação com a segurança surgiu após ela se deparar com inúmeros acidentes rodoviários na serra catarinense. Já Leite, que acompanhava Thaisy, embora soubesse da existência de lei que obriga o uso de cinto, disse não usar o equipamento pelas seguintes razões: falta de costume e por não receber orientação do motorista ou de fiscal da empresa.
Trauma
No ano passado, o operador de máquinas Hélio Santos, de 55 anos, fraturou a bacia em um acidente de trânsito em Alfenas (MG). Poderia ter ocorrido coisa pior caso não estivesse usando o cinto de segurança. Viajou cinco horas na manhã de anteontem — com o cinto — em um ônibus rodoviário até Campinas, de onde embarcaria em um voo para o Sul do País. “Acho que metade dos passageiros estava de cinto”, recorda.
O administrador de empresas Matheus Ferreira, de 32 anos, saiu da Rodoviária do Tietê, na Capital, às 8h40 do último sábado e viajou sem o cinto durante uma hora. A justificativa para descuidar-se do cinto é não acreditar na eficácia do modelo subabdominal — o tipo mais comuns nos ônibus em circulação — já que a maior parte dos ônibus ainda não oferece o cinto de três pontos. “O cinto que prende a cintura evita que sejamos arremessados, mas não protege a coluna.”
Segundo Ferreira, mais de 90% das pessoas que viajam de ônibus não usam o item de segurança por uma questão de falta de cultura. Também disse nunca ter sido orientado pelas empresas de transportes sobre a obrigatoriedade do uso do cinto. “Se lembrar, uso na próxima viagem”, promete.
Outro exemplo de passageiro que adotou o cinto após experiência traumática é o técnico em esquadrias, Rodrigo Cordeiro, de 32 anos, que nos anos 1990 foi parar na UTI após um acidente de carro na estrada. Anteontem, Cordeiro viajou seis horas do Rio de Janeiro até São Paulo usando o item de segurança. Após desembarcar em São Paulo, a prática foi repetida na viagem até Indaiatuba.
Pesquisa
Um levantamento feito pelo programa SOS Estradas em 2005, com 1.050 passageiros em 35 viagens de ônibus, a maioria entre Rio e São Paulo, concluiu que apenas 2% utilizam o cinto.
Ortopedista alerta para uso correto
Não basta apenas usar o cinto de segurança em ônibus é preciso saber posicioná-lo corretamente abaixo do abdome. Não é à toa que o acessório recebe o nome de cinto subabdominal, explica o chefe do setor de Ortopedia do Hospital e Maternidade Celso Pierro, José Luis Zabeu. O acessório promove a proteção do ocupante evitando que seja projetado em caso de desaceleração ou capotamento.
Quem prende o cinto erroneamente sobre a barriga fica sujeito a hemorragias abdominais por rompimento de vísceras e outros órgãos. Outro alerta do especialista é com relação a não passar o cinto de três pontos sobre o ombro e cruzar o meio do peito, pelo risco de prender no pescoço.
Um dos medos infundados da população para negligenciar o uso do aparato de segurança é ficar preso em uma situação de incêndio no veículo. Zabeu refuta a hipótese se baseando em estatísticas que apontam que é mais provável morrer em um capotamento por projeção do corpo ou politraumas do que queimado preso no veículo.
Legislação
A lei prevê que motoristas que permitam que passageiros andem sem cinto sejam multados em R$ 127,69 e percam cinco pontos na habilitação. O mesmo é válido para ônibus, inclusive com retenção do veículo até que o infrator — condutor ou passageiro — coloque o item.
A responsabilidade em orientar os passageiros é das empresas. Por enquanto a lei não pune o passageiro, como defende a SOS Estradas, que enviou propostas ao Contran e ANTT, sugerindo a aplicação de multa ao passageiro e a sua retirada do veículo caso se recuse a colocar o cinto.
Tramita ainda no Senado um projeto de lei que torna obrigatório o cinto de três pontos nos veículos rodoviários, em vez do cinto subabdominal, que não segura a coluna vertebral no encosto.