VULNERABILIDADE

Maioria dos moradores de rua de Campinas é de outras cidades

Prefeitura auxiliou 220 pessoas a retornar ao município de origem este ano

Isadora Stentzler/ isadora.stentzler@rac.com.br
08/07/2022 às 09:13.
Atualizado em 08/07/2022 às 09:13

Morador de rua esquenta comida em ‘fogão’ improvisado montado em praça na Vila Industrial, onde grupos de pessoas em situação vulnerável se aglomeram (Ricardo Lima)

Foi após a morte da mãe, em 2015, que a jovem Isis Reys Gonzaga saiu da capital São Paulo e foi morar com o pai em Cosmópolis. O abuso de álcool e cocaína, no entanto, a levou, em uma noite de 2018, a dormir aos pés da Catedral, no Centro de Campinas, pela primeira vez. “Me apaixonei por uma pessoa que estava nessa situação e fiquei. É horrível estar na rua, mas é mais horrível lutar contra o vício do álcool. Se eu voltar, meu pai me recebe, mas ninguém quer ser essa vergonha para a família”, afirmou na quinta-feira (7), aos 25 anos, enquanto tragava um cigarro de tabaco envolto em uma folha de caderno. 

Como ela, a maior parte da população de rua de Campinas não é local. Segundo o relatório Contagem da População em Situação de Rua, lançado em dezembro de 2021 pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, com dados do biênio, 37,6% dessa população vem de outros Estados, 20,1% de outra cidade do Estado de São Paulo, 6,9% da capital paulista, 5% de cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e 1,3% de outro país. Nesse quadro, moradores de Campinas representam 29,1%.

Maria Ester Scalet Soeiro, que atua no apoio técnico da coordenadoria da população de rua de Campinas, aponta que uma grande parcela dessas pessoas não chega assim no município, mas acaba nessa situação após o desemprego e o aumento da miséria. Ou seja, são pessoas que vieram para trabalhar em Campinas, mas que perderam seus empregos, tendo a rua como única escolha.

Em outra frente está a migração dessa própria população de rua. Nesses casos, as pessoas já chegam ao município em situação de vulnerabilidade, muitas vezes a convite de outros andarilhos, e permanecem na cidade apenas com apoio de programas de assistência. 

Recâmbio

Parte dessas pessoas em situação de vulnerabilidade, no entanto, busca o retorno à sua cidade natal, após as dificuldades encontradas na rua. 

Pelo Programa Recâmbio de Migrantes, da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, só no primeiro semestre deste ano 220 pessoas conseguiram retornar à sua cidade de origem. O número é 42,86% superior ao mesmo período no ano passado, quando houve 154 encaminhamentos. 

Dos 220 beneficiados, 33,9% voltaram para cidades no Estado de São Paulo, 11,7% para a Bahia, 7,7% para Minas Gerais, 6,5% para Goiás, 5,6% para o Paraná, 5,2% para o Maranhão, 4% para o Mato Grosso, 4% para Pernambuco e 3,2% para o Mato Grosso do Sul. 

Conforme explica Maria Ester, essas pessoas que conseguiram o auxílio para retornarem ao local de origem eram atendidas por programas de assistência do município (Centro POP, SOS Rua e Samim), onde foi identificado o desejo ir embora. Uma vez identificado, Maria Ester explica que é iniciado um diagnóstico, em que é buscado algum familiar ou representante da família na cidade de origem para onde a pessoa possa retornar. Paralelo a isso, segundo ela, é feito contato com os serviços de assistência e de saúde para que haja o acompanhamento contínuo dessa pessoa.

O serviço também é ofertado apenas uma vez a cada morador de rua, a fim de evitar que o programa seja usado para “turismo” e possa garantir reais oportunidades de recomeço a essas pessoas. “A gente não vai jogar o problema para outro município’, frisa Maria Ester.

Em relação ao perfil dessas pessoas, a maioria é homem, com idade entre 23 e 55 anos e, geralmente, com pouco tempo de situação de rua. 

“Quanto mais tempo passa, mais difícil fica a retomada do vínculo familiar”, explica Maria Ester. “Pessoas que estão muito enraizadas na rua não conseguem retomar o vínculo. São pessoas que estão a menos tempo que acabam aderindo ao programa.” O vício ao álcool e outras drogas, aponta, acaba sendo um agravante para permanência da pessoa nessa situação.

A face da rua 

Em frente à Casa da Cidadania em Campinas, na Vila Industrial, grupos de pessoas em situação de rua se aglomeravam na tarde de quinta-feira. Era ali onde estava Isis Reys Gonzaga. Ela dorme na Casa e disse que estar ali, agora, é melhor que os dias vividos próximo à Catedral, onde sofria com a violência e a fome. Ela disse ainda sonhar: primeiro, em vencer o álcool, segundo em se tornar enfermeira.

Do outro lado da rua, Julio, que pediu para ser identificado apenas com o primeiro nome, disse que era a segunda vez que passava pelo Centro. Ele tem 37 anos e também não é natural de Campinas. De Vinhedo, ele se mudou para Minas Gerais, vindo para Campinas em 2020. Na época, buscava emprego e chegou a ser contratado como pedreiro. Porém o desemprego o lançou às ruas no ano seguinte. Este ano, e com o nascimento da filha, em janeiro, ele já havia conseguido voltar ao mercado de trabalho, na mesma profissão, e alugar uma casa no bairro São Fernando. Porém, há um mês, foi demitido de novo, voltando para a conhecida rua do Centro da Cidadania. 

“Na favela, o pessoal expulsa mesmo. Não tem como pagar, não tem onde morar. Então, tive que sair. Minha esposa fica com minha filha no Cambo Belo, na casa da sogra, e eu fico aqui. Mas se der certo, segunda-feira vou consegui mudar isso”, apontou, sobre a possibilidade de começar a trabalhar em uma nova obra. 

Um pouco mais distante da movimentação do Centro de Cidadania, Ismael Aparecido da Silva, de 53 anos, estava sentado em um banco da praça Conde Francisco Matarazzo. Está há cinco meses em Campinas, após se separar da esposa, com quem vivia em Santo Antônio de Posse, e se entregar ao álcool. 

Segundo ele, escolheu Campinas por ser uma “cidade boa”, “acolhedora”. “Me falaram para vir pra cá e eu vim. Aqui tem café, almoço e janta”, pondera. Na praça, onde deixa seu cobertor esticado dando o ar de casa ao espaço cinza, ele falou que não imagina voltar ao que tinha antes. Hoje, se sustenta com as latas que consegue juntar e vender, quando não sente dores nas costas, e com as doações que recebe. Diferente dos demais, não pretende voltar à cidade de origem e nem sair dali. “Sou feliz aqui”, disse, deixando os olhos umedecerem apenas quando lembra do neto, a quem pretende visitar.

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