no domingo

Loja do Centro de Campinas destruída por incêndio está com alvará vencido

Levantamento mostra também que auto de vistoria dos bombeiros não está em dia

Isadora Stentlzer e Rodrigo Piomonte
06/09/2022 às 11:30.
Atualizado em 06/09/2022 às 11:57

Da loja e do galpão de armazenamento de estoque da rede de calçados no Centro de Campinas, restaram apenas algumas paredes, muitos escombros e montes de fuligem (Kamá Ribeiro)

O galpão de estoque e a loja da rede Baby Calçados de Campinas atingidos por um incêndio no domingo estavam com alvarás de uso de lote vencidos. Segundo a Secretaria de Planejamento e Urbanismo (Seplurb), os proprietários já haviam sido intimados pelo setor de fiscalização a apresentar o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros válido e atualizado. 

Além da Prefeitura informar que os imóveis atingidos pelo fogo estão com alvarás de uso de lotes vencidos, um levantamento realizado pela engenheira Caroline Galvão, especialista em segurança contra incêndio, a pedido do Correio Popular, mostra também que eles não têm auto de vistoria do Corpo de Bombeiros em dia.

Essencial para garantir a segurança de construções, o projeto incêndio — auto de vistoria do Corpo de Bombeiros não é mantido em dia por 85% dos imóveis do Centro, sendo 45% só na área comercial. A especialista listou 54 endereços, do n° 60 ao 741 da Rua 13 de Maio no banco de dados dos bombeiros. Segundo ela, essa região do incêndio não está com a documentação atualizada. 

“Pesquisando pelos documentos ativos no Corpo de Bombeiros, não localizei documentação para nenhum dos endereços da 13 de maio, 295 – 303 – 311”, afirmou, ressaltando que “pelo endereço da Visconde de Rio Branco, no site do Corpo de Bombeiros não é possível sequer achar o endereço”. O fato, segundo a especialista, comprova em tese que o local não tem o projeto em dia. “O Corpo de Bombeiros disponibiliza uma consulta pública dos documentos emitidos.”

Ela explicou que a ausência dos dados na consulta pode ser justificada apenas se os responsáveis pelos imóveis tiverem algum tipo de protocolo em andamento. 

Esse auto de vistoria é um documento fundamental para comprovar a segurança de um imóvel contra possíveis casos de incêndio e de todo o público que venha a frequentá-lo.

Imóveis interditados

Diante das grandes proporções do incêndio, cinco imóveis do entorno precisaram ser interditados por questão de segurança. As causas são investigadas pela Polícia Civil. 

De acordo com a pasta, foram interditados os imóveis de números 370/368, 376 e 382, na Rua Visconde do Rio Branco, e os imóveis 295, 303/307 e 311, na Rua 13 de Maio. Devido ao risco de desabamento de uma parede, parte da Rua Visconde do Rio Branco precisou ser bloqueada. "Uma nova avaliação será realizada pelos engenheiros da Seplurb nos próximos dias, após a remoção de escombros dos prédios atingidos. Nesse laudo final, será apontada a necessidade ou não de demolição de estruturas. Os proprietários foram intimados a realizar a limpeza e colocar os imóveis em condições de estabilidade, segurança e salubridade e terão que ter uma empresa responsável para acompanhar o trabalho", diz a Seplurb.

Na manhã de segunda-feira (5), equipes da Defesa Civil e da Secretaria de Planejamento e Urbanismo estiveram no local para vistoriar os impactos. A CPFL Paulista trocou 40 metros de cabo de energia que foram destruídos pelas chamas. 

O incêndio 

O incêndio começou por volta das 7h do domingo, no galpão usado para estoque da loja na Rua Visconde do Rio Branco. O fogo se alastrou por dentro da estrutura, chegando até a loja na Rua 13 de Maio, n° 311. 

Na manhã de segunda-feira (5), era possível ver o estrago causado pelo sinistro. Na Rua 13 de Maio, gotas de água escorriam do teto fazendo uma poça no interior escuro da loja, que era possível ver pela grade entreaberta. Alguns pares de calçados ainda estavam em expositores, que não foram atingidos pelas chamas, porém encontravam-se cobertos pela fuligem.

Já na Rua Visconde do Rio Branco, parte da estrutura metálica que sustentava o teto desabou. Fumaça ainda saía dos grandes amontoados de cinza que restaram no lugar e foi necessário o retorno dos bombeiros para fazer o rescaldo. 

Da janela do 3° andar no número 341 na mesma rua, a dona de casa Isabel Cristina Laner, de 56 anos, viu o fogo consumir a loja. Ela dormia por volta das 8h do domingo quando foi acordada pelos latidos de sua cadela, que corria entre a janela e sua cama, fazendo-a levantar. "Quando cheguei na janela, já vi aquela nuvem preta, muito grande, aquele fogo subindo. A gente ficou num desespero danado, porque tenho meu pai com quase 80 anos ali na cama. Aí eu levantei, meio desesperada, e fiquei na janela. O vizinho debaixo também estava na janela, desesperado. O primeiro caminhão dos bombeiros já estava ali. Passado uma meia hora, o fogo estava chegando no meio, atingindo a loja da Baby Calçados na Rua 13 de Maio. Depois, a luz foi apagada e o elevador não funcionava. Com meu pai com quase 80 anos ali, como é que eu desceria, né, se acontecesse alguma coisa?", conta Isabel ao relembrar o medo que sentiu diante daquela cena.

Há um mês morando ali, ela disse que o pânico no domingo é suficiente para, agora, pensar em mudar de residência. "Estou até pensando em procurar uma casa, porque apartamento é perigoso. A gente nunca sabe se o vizinho debaixo vai esquecer o fogo ligado. Então, a gente fica preocupada. Ali é tudo loja, não tinha morador, então é diferente. Mas em questão de casa, apartamento, é preciso ter bastante segurança. Se não tiver bastante segurança, todo mundo corre risco", afirmou. 

O Corpo de Bombeiros informou que foram necessárias 14 viaturas, 33 bombeiros e quatro caminhões-pipa da Prefeitura e da Sanasa para conter as chamas, além de combate aéreo para controle do incêndio. Ninguém ficou ferido e as causas não foram identificadas. 

A perícia da Polícia Científica esteve segunda-feira (5) na área para elaboração do laudo técnico. As investigações ficarão a cargo da Polícia Civil. 

Segunda vez 

Esta não foi a primeira vez que a Baby Calçados foi alvo de incêndio. A rede existe desde 1946 e a unidade da 13 de Maio foi a primeira a ser inaugurada em Campinas. Na madrugada de 10 de outubro de 2015, parte da unidade da 13 de Maio também foi destruída por um incêndio. Na época, as chamas foram controladas na madrugada do domingo.

"Estou vivendo a mesma coisa, mas na outra vez, não foi nessas proporções", lembra a analista financeira Fabiana França, que com 46 anos de idade, trabalha há 30 anos na rede. "Na época, foi só na parte de cima da loja. Não teve uma proporção tão gigante como essa. É triste, porque estávamos fazendo um grande trabalho aqui dentro, estávamos reestruturando toda essa área de depósito, criando uma nova vertente para trabalhar, estava bem legal o trabalho. Um ano e três meses de trabalho em cima disso. Agora, é começar de novo", desabafou. 

Fabiana trabalha no prédio que fica em frente ao depósito atingido pelas chamas, onde funciona o escritório da rede. No dia do incêndio, domingo, ela disse que estava na igreja quando recebeu as primeiras mensagens, contendo imagens que mostravam as chamas. "Eu falei não, não é possível. Porque, da minha casa, eu via a fumaça, e eu moro perto da saída de Valinhos", conta. 

Na manhã de segunda-feira (5), os cerca de 50 funcionários que trabalhavam no estoque e na loja atingida foram remanejados para outras unidades — são 18 na região — e já era buscado um galpão para servir provisoriamente como depósito. 

Outros funcionários que prestam serviço para a rede também foram até a unidade ver os estragos. Guilherme Alves, de 27 anos, e Adercio Ferreira, de 29, fazem a manutenção do sistema de ar-condicionado há mais de 20 anos na rede. "É uma sensação horrível. Nós trabalhamos com ar-condicionado e, quando chegamos, os equipamentos estavam todos queimados. Me deu uma sensação de impotência", disse Ferreira.

Dono de um dos estabelecimentos que foi interditado não quis falar com a reportagem. Já outros, que ficam nas proximidades, disseram que fica o sentimento de solidariedade pelo ocorrido e o desejo que a fiscalização permaneça para que retomem as atividades. 

Fogo no Eldorado do Centro deixou mortes e destruição

Na véspera do Natal de 1986, o Supermercado Eldorado, que ficava na esquina da Avenida Senador Saraiva com a Benjamin Constant, foi tomado pelas chamas, sendo o maior incêndio registrado no município. Foram 15 horas de fogo que reduziram a escombros os 16 mil metros de área construída. 

Durante o trabalho de cobertura do incêndio, o cinegrafista da TV Campinas (hoje EPTV), Ronaldo Gomes, e o auxiliar dele, Robson Aparecido de Oliveira, morreram soterrados por uma parede lateral que desabou. 

Era 1h30 da madrugada — alguns funcionários da padaria já começavam a trabalhar — quando houve um curto-circuito provocado pela sobrecarga na rede elétrica da loja. Naquela madrugada, ventava muito e o fogo alastrou-se rapidamente por todo o prédio, atingindo proporções impressionantes, fora do controle. Foram 15 horas de fogaréu e nada restou, apenas uma montanha de escombros. 

Já o segundo maior incêndio na região central de Campinas nos últimos cinco anos ocorreu em 26 de janeiro de 2017, no Doidão Autopeças, localizado nas esquinas da Rua Benjamin Constant com Saldanha Marinho — a cerca de 320 metros da unidade da Baby Calçados. 

Foram oito horas de combate ao incêndio. Na época, seis imóveis foram atingidos, 14 casas foram afetadas com a fumaça, 14 famílias tiveram que deixar suas casas e, pelo menos, oito ruas foram interditadas.

Recentemente, o prédio do Curtume Cantúsio também foi atingindo por dois incêndios. O primeiro ocorreu em 26 de julho deste ano e o segundo no sábado, 6 de agosto. 

Em 24 de setembro de 1944, o Correio Popular noticiou o incêndio que destruiu o antigo cine República, que existia na esquina da Avenida Francisco Glicério e rua Costa Aguiar. Em menos de 30 minutos, o cinema foi completamente consumido pelas chamas. Não houve vítimas.

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