Empresária usa retalhos de tecidos, garrafas e tampas na produção de bijuterias
No ateliê montado em sua própria casa, Daniela Nascimento e Silva, a Danny, produz as criativas e inusitadas ecojoias, biojoias e bolsas, que são vendidas a clientes do Brasil, Estados Unidos e México (Gustavo Tilio)
Em um ateliê no final do estreito corredor lateral de sua casa, Daniela Nascimento e Silva, de 44 anos, amontoa retalhos, garrafas e cápsulas de café. Os produtos, que chegam até ela por meio de doação e coleta, ganham uma nova forma e o que seria descartado como lixo converte-se, nas mãos da empresária e artista, em ecojoias, vendidas a clientes no Brasil, Estados Unidos e México. “É mais que uma reciclagem”, frisa. “A ideia nasceu quando me questionei para onde vai o nosso lixo e, assim, decidi dar uma nova vida ao que seria descartado.”
A empresa Danny Aguiar foi criada oficialmente no ano de 2010, quando Daniela ainda estava em Salvador, na Bahia. Desde aquele ano, ela assumiu, oficialmente, o nome da marca para si, sendo conhecida apenas por Danny. O processo que resultou na criação da empresa sustentável, no entanto, começou quatro anos antes, de forma orgânica, quando trabalhava como bordadeira.
Danny é formada em Moda e Marketing e agora também faz mestrado em Artes Visuais, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2006, ela reformava roupas, incluindo bordados que trouxessem a expressão alegre de Salvador.
Ao ser convidada para um casamento, no mês de setembro daquele ano, produziu a primeira peça que impulsionou o trabalho que realiza até hoje. “Eu não queria utilizar uma bolsa formal, então optei por fazer a minha própria. A partir de um vestido velho, confeccionei uma pequena bolsa e coloquei alguns fuxicos nela. Não imaginava que isso seria o start para criar minha própria empresa”, lembra.
A peça chamou a atenção de convidados, que motivaram a empresária a produzir modelos para venda. Logo, o que era uma peça usual para um evento se tornou o mote de produção de Danny.
Para a confecção, ela utilizava pedaços de pano de descarte ou de roupas. A própria parte interna das bolsas, que inicialmente começou a ser feita com papelão, para dar sustentabilidade às laterais da peça, foi substituída por caixas de leite longa vida.
Esse processo é conhecido como upcycling, que consiste em técnica de reaproveitamento. Dentro desse conceito, é possível utilizar diversos produtos que não são apenas reciclados, mas transformados em algo novo.
A partir de 2010, quando Danny resolveu se dedicar apenas à sua marca, o leque de produtos utilizados ampliou e a marca se consolidou no mercado como uma empresa amiga do meio ambiente.
“Foi um processo de muito estudo e pesquisa a fim de entender o que poderia ser feito com esses materiais. Como sou da área da moda, trata-se mais do que reciclar, mas sim de dar nova vida a um produto, ao qual é agregado valor. Ele também precisa se tornar harmônico para ser utilizado. Então, por trás disso, há uma intensa pesquisa”, defende.
Projeto Observância
Hoje, o leque de materiais reutilizados por Danny é maior e baseado apenas no upcycling. Entre as matérias-primas que utiliza, estão cápsulas de café, garrafas de shampoo, garrafas pet, pedaços de panos diversos, tampas de detergente e sementes que se convertem em anéis, colares, brincos e bolsas.
O uso de materiais vindos da própria natureza começou a ser implementado pela artista e empresária aqui em Campinas, a partir do projeto Observância. A vinda para Campinas se deu em 2012, em busca de mais qualidade de vida.
A empresa foi instalada na própria casa de Danny. Em 2017, ela passou a expor e vender nas feiras que ocorrem aos sábados, no Centro de Convivência, na região central de Campinas.
Por meio do projeto Observância, a empresária realiza caminhadas pela cidade, durante as quais observa o local e obtém tanto a inspiração para as peças como a escolha das matérias-primas. No ateliê de sua casa, ela guarda, em potes, sementes de canoinha e frutos de cedro rosa. Esses produtos permitem ainda a produção de outra categoria de acessórios: as biojoias.
“As biojoias são produzidas com matérias-primas provenientes diretamente da natureza. Nesse caso, é um produto natural que ganha uma utilidade e, caso volte para a natureza, se decompõe. O prejuízo ao ambiente é nulo”, frisa.
Para se ter noção do impacto, uma garrafa pet descartada irregularmente na natureza pode levar até 500 anos para se decompor. Nas mãos da artista, é esse o tempo de vida que o produto recebe. Além disso, permite a rotatividade das peças.
“Quando uma cliente não quer mais uma determinada joia que adquiriu, ela pode retornar para mim e eu ofereço desconto na aquisição de outra. O mesmo ocorre com as matérias-primas. Há muitas pessoas que me oferecem cápsulas de café, retalhos. Essas pessoas recebem desconto na hora de escolher uma peça. Fora isso, também mantenho parcerias com empresas que possuem na sua escala um processo consciente e sustentável, para obter retalhos. O objetivo disso é garantir que toda a cadeia de produção seja limpa”, reforçou.
A própria lavagem dos materiais é feita com uso de água da chuva. Na quinta-feira, quando recebeu a reportagem, um balde com diversas cápsulas de café usadas estavam do lado de fora da casa, já que a previsão de tempo era de precipitação.
Não é lixo
Danny conta que já teve seu processo questionado e ouviu alguém dizer que “não usaria lixo”. “Mas eu tenho orgulho do que faço”, rebateu Danny. “Não tenho receio de dizer do que é feito e vejo as pessoas se orgulharem também. Então, acredito que estou impactando. A caminhada para um mundo sustentável ainda é longa, mas podemos ir fazendo-a aos poucos. No meu caso, é com todas essas peças que consigo, além de tudo, gerar renda. Sinto-me muito feliz em poder colaborar para a contramão dos impactos negativos que a moda gera, que essas embalagens geram. Minha proposta é entendermos que aquilo não morreu, que aquilo pode ter uma nova vida."
Paralelamente a todo o projeto que realiza no ateliê, Danny ainda visa multiplicar esse conhecimento por meio de algumas oficinas profissionalizantes para mulheres. Nelas, a empresária e artista ensina os processos de criação das peças, com foco no mercado.
O objetivo, segundo ela, é que a reutilização de produtos suscite mais que a diminuição de lixo no planeta, mas a formação de uma consciência sustentável. “O impacto precisa ser maior. O objetivo é que alguém, ao adquirir uma peça feita a partir da reutilização de produtos, passe a se questionar sobre o lixo ao seu redor. E mais: fazer disso uma ação. Precisamos nos questionar sobre nosso meio. Por que as embalagens não são biodegradáveis? Por que tudo precisa ter plástico? Tudo isso é para passarmos a pensar e fazer, de fato, um planeta sustentável.”