Livro celebra obra digna de reverência

Há 110 anos — em 1909 — tomava posse o primeiro bispo diocesano de Campinas. João Baptista Corrêa Nery, ou apenas d. Nery, como ficou conhecido, permaneceu no cargo por apenas uma década. Partiu no comecinho de 1920, vítima de câncer no fígado. Mas pouca gente, hoje em dia, tem a ideia exata da importância histórica daquele cidadão. Primeiro, ele teve uma ação social fantástica. Quando era padre — e a cidade estava arrasada pela epidemia da febre amarela —, d. Nery criou o Asilo dos Órfãos, acolhendo meninos nascidos em lares destruídos pela peste. O orfanato foi o embrião do Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora. O campineiro, quando garoto, era coroinha na capela da Santa Casa, reconhecido patrimônio histórico da cidade. Estudou no Culto à Ciência, virou seminarista aos 17 anos e, depois de ordenado, teve um papel marcante na organização da diocese local. D. Nery, no entanto, não permanecia na sacristia ou no altar. Orador dos bons, culto ao extremo, o religioso fazia peregrinações por órgãos do governo e atraía o engajamento de lideranças da comunidade para a construção de escolas. E, no comecinho do século 20, muito antes do termo virar discurso fácil de políticos , d. Nery organizou a criação de colégios de capacitação profissional. O empenho do religioso, para se ter uma noção, foi decisivo para a fundação da Escola Normal, do Colégio Diocesano e da Escola Agrícola de Pouso Alegre (MG). No Espírito Santo, ele fundou a Escola Normal de Vitória. Aqui por Campinas, além do Liceu, ele ainda idealizou o Coração de Jesus e o Externato São João, colégio que foi o alicerce de obras sociais mantidas até hoje pelos salesianos na periferia da cidade. Ele também integrou o grupo que fundou a Creche Bento Quirino. O livro raro No dia 1º de fevereiro de 1920, lideranças políticas, culturais e religiosas do Brasil manifestaram o pesar pela morte do primeiro bispo de Campinas. E um livro raríssimo da época — de capa dura e 500 páginas — se transformou num compêndio gigantesco de manifestações emocionadas. A obra, impressa em uma gráfica de São Paulo, foi encontrada na biblioteca do Instituto D. Nery, escola de educação infantil fundada na década de 1930, e que hoje, com a ajuda dos recursos públicos, acolhe principalmente a criançada carente. Segundo o administrador de empresas Roberto Sibila, de 85 anos, há quatro anos na presidência da instituição, o livro guardado como tesouro é um relato detalhado de toda a carreira do religioso, do nascimento à morte, e é ilustrado com imagens preciosas de templos, escolas e movimentos cívicos. Impressionam as fotos do enterro do bispo, com os padres carregando o caixão na rua tomada pelo povo, e do próprio religioso 15 dias antes de sua morte, abatido pela doença que o torturava. Para o administrador de empresas, a obra merece uma releitura, uma edição resumida, com o texto adequado às novas regras do português. “É a chance que temos de divulgar, nas escolas públicas, quem foi e o que fez d. Nery, cidadão que merece ser reverenciado para sempre”. Até fevereiro, centenário da morte do religioso, o administrador pretende conseguir a ajuda de historiadores e patrocinadores para a reedição. SAIBA MAIS O Instituto D.Nery, que leva o nome do religioso célebre, tem sede no Taquaral e tem vagas ocupadas por 210 crianças. O serviço — voltado historicamente a crianças carentes — é mantido basicamente com recursos da ordem de R$ 90,3 mil mensais, disponibilizados pela Prefeitura. São 32 funcionários, entre pessoal técnico e de apoio administrativo. A diretoria é voluntária. As pessoas interessadas em conhecer detalhes da obra D. Nery, publicada na primeira metade do século passado, ou que tenham interesse em participar do projeto de sua reedição, podem escrever para [email protected].