Manifestações ocorreram após presidente Lula criticar prefeito Dário pela construção dos embriões do Mandela
Imóveis compactos estão sendo erguidos pela Administração para amparar cerca de 90 famílias da ocupação Nelson Mandela , que atualmente se instala em área particular (Kamá Ribeiro)
As casas de 15m² entregues pela Companhia de Habitação Popular de Campinas (Cohab) aos moradores da ocupação Nelson Mandela, na região dos DIC’s, viraram pauta de debates ideológicos e técnicos nas últimas semanas.
Os imóveis compactos estão sendo erguidos pela Administração para amparar cerca de 90 famílias da ocupação, que atualmente se instala em área particular em que a reintegração de posse já foi determinada pela Justiça. Mas o tamanho das moradias, que possuem um cômodo e um banheiro, virou alvo de críticas da oposição ao prefeito Dário Saadi (Republicanos). O caso foi comentado até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que acusou o chefe do Executivo campineiro de “desumano” e “político que não entende de pobre”.
Mesmo com o debate acerca do perímetro dos imóveis, entidades e líderes de grupos que lutam por moradia popular saíram em defesa do prefeito e dos embriões. Na terça-feira (20), uma manifestação realizada por moradores da Vila Paula e Vila Joana Darc levou à Câmara mais de 100 pessoas dos dois movimentos, que pedem moradias nos mesmos moldes entregues no Residencial Mandela.
Na segunda-feira, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) emitiu uma nota de solidariedade ao prefeito. A entidade julgou como um “equívoco” a fala desferida pelo presidente Lula, em referência ao loteamento social. “Como vice-presidente de Saúde da Frente e integrante da diretoria executiva da entidade, o governante local demonstra comprometimento com a pauta social”, diz o texto.
O posicionamento se deu em razão de uma fala do presidente da República durante evento em Belém do Pará. Durante entrega de cerca de 200 unidades habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida, o chefe da União disse também que o prefeito “acha que pobre tem que ser tratado como uma coisa qualquer”.
Dário respondeu e convidou o presidente a conhecer a situação dos moradores do Mandela, que atualmente vivem em barracos de 8 m² e em área de risco. “Recebi um vídeo do presidente falando um monte de bobagem e de mentiras a meu respeito. Presidente, se o senhor visitasse a ocupação, saberia a realidade. Lá não é uma política habitacional da cidade de Campinas, é uma ação conjunta da Administração com a Justiça e os moradores. Desumano seria não atender à reivindicação deles. Lula, pare de fazer politicagem”, disse o gestor em vídeo publicado no Instagram na última semana.
Quem também saiu em defesa de Dário foi a Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Subseção Campinas. Em nota emitida na segunda-feira, a entidade enfatizou que a gestão da metrópole teve “papel importante para atender as famílias”, e “que o projeto saiu de um acordo com a Justiça”.
MAIS EMBRIÕES
Ao todo são 116 embriões construídos com verba financiada pelo Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana (Fundap). De acordo com a Administração, cada casa vai custar R$ 21 mil, e o terreno R$ 27 mil, para uma área de 90 m². O valor, que somado representa R$ 48 mil, será pago em prazo de aproximadamente 300 meses, com parcelas a 10% do salário-mínimo, cerca de R$ 132.
Na última semana, apesar do modal habitacional ter sido alvo de críticas, os moradores da ocupação Nelson Mandela emitiram uma nota aprovando o residencial construído pela Prefeitura. “Os embriões foram uma conquista, diante do que poderia ser construído no prazo de 4 meses que o juiz fixou (para a reintegração de posse). Sugerimos que nossa luta seja vista de perto, e não somente agora. Não se viu esta mesma indignação quando (em 2017) nossos barracos pegavam fogo e nossas crianças dormiam na rua, enquanto acontecia a primeira reintegração de posse”, diz o texto elaborado por lideranças da ocupação.
Quem também vê com ‘bons olhos’ a construção dos embriões são os moradores da Vila Paula, que agora pedem à Administração uma solução parecida com a que foi dada às famílias do Mandela. Na segunda-feira, durante sessão da Câmara, pelo menos 100 membros da comunidade na região norte da cidade realizaram uma manifestação neste sentido. Com cartazes que levavam os dizeres “queremos embriões como os do Mandela”, eles pediram ajuda dos parlamentares na campanha para conseguir, junto ao Executivo, a construção de mais embriões.
Na terça-feira (20), a reportagem visitou a Vila Paula para conferir a situação da ocupação, que passa por processo de regularização. O líder do movimento, Jonathas Ferreira da Silva, de 45 anos, conta que tão “desesperadora” é a situação dos moradores que a conquista de um embrião seria algo antes “inimaginável”. “Aqui temos 250 famílias, muito mais que no Mandela. São cerca de 800 pessoas, crianças, famílias de até 11 pessoas que vivem em situação de extrema pobreza e que não têm para onde ir. Não é que aceitaríamos viver apertados, é que teríamos uma base para estar dentro e, posteriormente, com união de esforços, aumentar essas casas e viver com dignidade”.
De acordo com Jonatas, a maior parte das pessoas vive com um salário-mínimo. Para sobreviver, as famílias recorrem às doações de alimentos, roupas e até restos de materiais, como lonas e pedaços de móveis, que são empregados na manutenção dos barracos.
Atualmente, os moradores deixaram o espaço e realizaram um serviço de terraplanagem para facilitar o processo de regularização fundiária junto a Cohab. A companhia realiza análises técnicas para finalizar o processo.
“Estamos aqui desde 2015. É uma luta antiga e que não vai cessar. Se trata da sobrevivência dessas pessoas”, completa o líder da ocupação.
Também na sessão da Câmara realizada na segunda-feira, membros da ocupação Joana D’Arc, iniciada em 2012 no bairro Cidade Jardim, pediram as unidades de 15m². Atualmente, as famílias vivem com auxílio aluguel concedido pela Prefeitura, no valor de R$ 600. A reportagem procurou lideranças do movimento, mas não conseguiu contato até o fechamento desta edição.
POSICIONAMENTO
A Prefeitura se posicionou sobre a manifestação através de nota enviada pela Secretaria de Comunicação. No texto, a Administração ressalta que os casos da Vila Joana Darc e Vila Paula são distintos do Loteamento Social Mandela. No caso da primeira, a gestão municipal afirma que as famílias serão contempladas na segunda etapa do reassentamento do Residencial Mandela. No entanto, a neste momento, não há tratativas para que sejam construídos embriões para a população deste movimento. “A primeira etapa do Loteamento Social Mandela é emergencial por conta do prazo de transferência das famílias”, diz.
Sobre a Vila Paula, a Administração afirma que, em razão da área ser pública, diferentemente do Mandela, a reintegração foi suspensa e a Secretaria de Habitação (Sehab) tem a regularização em curso. E conclui que “Não foi discutida até o momento com os moradores a questão dos embriões”.