Estudantes e responsáveis relatam problemas no cumprimento da nova legislação em unidades de Campinas
Geração que nasceu conectada ficou mais dependente do celular durante a pandemia; trabalho de conscientização e educação ainda não surtiu os efeitos desejados: “é difícil ter esse desapego de uma hora para outra”, explicou a jovem Ágnes Gabriele (imagem superior, à esquerda) (Kamá Ribeiro)
Prestes a completar quatro meses em vigor, a lei estadual que proíbe o uso de celulares nas escolas de São Paulo ainda não é seguida em sua totalidade em algumas unidades escolares. De acordo com alunos e pais entrevistados, as orientações apresentadas pelo governo estadual não abordaram aspectos fundamentais para o cumprimento da medida. Em 27 de janeiro, o órgão estadual, distribuiu um documento na rede com as orientações para que cada unidade de ensino construísse seu próprio plano de restrição dos aparelhos celulares. Além das aulas, eles não devem ser utilizados no período dos intervalos e nas dependências escolares.
O material cita sugestões para o armazenamento dos aparelhos, incentivo a campanhas de conscientização com estudantes e comunidade escolar e medidas disciplinares em caso de descumprimento das regras. No entanto, alguns pais e alunos sentem que as ações deveriam ser mais claras e diretas por parte do Estado para que não haja dúvidas com relação aos procedimentos necessários para a eficácia da medida.
Tânia Pereira, 54, é mãe da Milena, que cursa o 1˚ ano do Ensino Médio na Escola Estadual Carlos Gomes. Ela é favorável à lei e entende que a medida é benéfica para os alunos, mas relatou que a escola precisa avançar para cumprir a lei efetivamente, uma vez que ficou sob responsabilidade dos próprios alunos manter os aparelhos desligados e guardados nas bolsas. “Minha filha conta que alguns alunos são retirados de sala por usarem o celular e que os professores pedem para que os alunos guardem os aparelhos, mas muitos desobedecem.” Tânia entende que é de responsabilidade da escola providenciar um local para que os alunos possam manter os aparelhos guardados até que eles sejam devolvidos ao término das aulas. “A medida teria que ser levada mais a sério por todos. É difícil para os professores e para os alunos entenderem a importância dela”, opinou.
Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, Ana Paula, 43, tem um filho que está no 9º ano do Fundamental na E.E. Carlos Gomes. Diferente do Ensino Médio, ela contou que houve uma orientação para que os alunos do fundamental mantivessem os celulares desligados dentro das mochilas. Ela analisou que o uso dos celulares pelos jovens, especialmente após o período da pandemia, é extremamente prejudicial para o aprendizado. “Meu filho mesmo perdeu o interesse por livros, revistas e outros materiais informativos por conta do celular”. Ela também criticou a utilização das plataformas digitais utilizadas como ferramentas de aprendizagem. “Não é pelo fato de ter tecnologia na escola que o aluno vai aprender”, pontuou. Para ela, o processo de aprendizagem depende de uma boa didática dos professores e de uma metodologia aplicada com referências bibliográficas, “adequadas para que a criança aprenda de uma forma educativa”.
A estudante do terceiro ano do ensino médio, Ágnes Gabriele, 17, observou que em sua sala, que conta com mais de 40 alunos, existe a compreensão sobre a importância da não utilização dos aparelhos durante as aulas, mas nem todos os alunos respeitam a medida. Ela também questionou a própria estrutura escolar. “Existem inúmeras atividades que temos que fazer em plataformas on-line, mas não podemos usar o celular. E os dispositivos fornecidos pela escola são precários e insuficientes para todos os alunos, fica complicado.”
Ágnes refletiu que durante a pandemia todas as atividades eram realizadas virtualmente, o que intensificou o apego dos jovens pelos aparelhos eletrônicos. “É difícil ter esse desapego de uma hora para outra, sinto falta de um acompanhamento mais próximo por parte da escola.”
Aluno do primeiro ano do ensino médio da E.E. Francisco Glicério, Kaique Lima, 16, contou que em sua escola os professores passam uma caixa no início do dia para que os estudantes guardem os aparelhos até o fim de todas as aulas, mas nem todos os jovens entregam o celular. Ele relatou que os professores retiram o aparelho do aluno que é flagrado utilizando no meio da aula, e o responsável precisa ir buscar presencialmente depois. Mesmo assim, não é raro ver os colegas utilizando os celulares durante as aulas. “É difícil. Depois que termina a lição e não tem nada para fazer, dá vontade de usar, mandar mensagem, ouvir uma música, mas tem que respeitar.”
A reportagem do Correio Popular procurou a direção das duas escolas citadas, mas representantes das duas afirmaram que não falariam sem autorização da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Seduc-SP). A Pasta também foi acionada e questionada se há um levantamento sobre o descumprimento das regras e as medidas para repreensão. Além disso, como o uso dos dispositivos é permitido em casos específicos, a Seduc foi questionada quantos alunos possuem a autorização especial em Campinas. A Pasta se limitou a dizer que a lei é fundamental para garantir um ambiente mais produtivo e focado no aprendizado dos alunos e que tem se dedicado a promover a conscientização e o diálogo entre educadores, alunos e pais, a fim de assegurar a aplicação efetiva da nova lei.
Para garantir a implementação das novas normas, a Seduc-SP recomendou que as escolas promovam campanhas educativas e ações de conscientização. Entre as iniciativas, destacam-se o envolvimento de pais e responsáveis em atividades de sensibilização, palestras com especialistas em saúde mental, rodas de conversa e materiais educativos, com a utilização de cartazes e vídeos, que abordam os impactos do uso excessivo dos dispositivos digitais.
A Pasta também afirmou que, em caso de descumprimento das normas, elaborou diversas medidas a serem adotadas pela direção da escola. Em caso de reincidência, o estudante precisa encaminhado para uma conversa com a direção. Caso o comportamento persista, a equipe gestora deve convocar os pais ou responsáveis para uma reunião. Se os responsáveis não comparecerem ou não justificarem a ausência, o Conselho Tutelar poderá ser acionado para acompanhar a situação.
A Prefeitura de Campinas informou que a cidade possui 208 escolas municipais, com 68 mil alunos, e as unidades da rede já obedecem à Lei Municipal 16.605/2024, que faz a proibição do uso do celular nas escolas. Uma comissão de estudos está em andamento para analisar o texto da Lei Federal 15.100/2025, que também tem como objeto a proibição do uso de celulares nas escolas, para avaliar se é possível aprimorar a legislação municipal.
PARTICULARES
O coordenador do Ensino Médio de uma rede de escolas particulares, Luís Felipe Tuon, afirmou que a medida foi implementada com sucesso na escola onde trabalha e que já é possível perceber uma melhora no comportamento dos alunos, que estão prestando mais atenção às aulas e reduzindo o comportamento dispersivo. “Os professores relatam que os alunos prestam mais atenção neles e no conteúdo exposto na lousa e nas projeções”, contou. Os estudantes também não podem utilizar os aparelhos durante o período do intervalo, por isso houve também a percepção de que a socialização entre os jovens melhorou. “São as relações intersociais, fazer novas amizades, como acontecia na época em que os celulares não existiam.” Outro aspecto apontado pelo coordenador é o interesse de alguns alunos por outras atividades, como damas, xadrez e jogo de tabuleiro. “Com certeza o ambiente ficou mais acolhedor”, concluiu.
A diretora Ana Eliza Guimarães contou que no colégio particular em que trabalha o uso dos celulares já é proibido há alguns anos, decisão que teve como foco priorizar o aprendizado. O uso da tecnologia no local serve para fins pedagógicos, por meio de plataformas e dispositivos digitais fornecidos aos alunos pela própria escola. “O trabalho com diálogo e orientação tornou esse processo mais tranquilo e bem-aceito” Ela entende que a aplicação da lei na rede pública é mais delicada por conta das diferentes realidades atendidas, por isso é importante que a sociedade compreenda os efeitos positivos da medida, tornando as famílias parceiras das escolas para que o trabalho de formação dos alunos seja fortalecido. “Tem de haver o apoio às escolas, diálogo com as famílias e alternativas acessíveis de uso pedagógico da tecnologia. Dessa maneira, acredito que é possível avançar com equilíbrio e respeito.”
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