Celebração religiosa é Patrimônio Cultural Imaterial de Campinas
A celebração começou ontem, com um evento realizado no Salão Azul na Prefeitura, que foi marcado pela homenagem às idealizadoras da lavagem das escadarias (Rodrigo Zanotto)
A lavagem das escadarias da Catedral Metropolitana de Campinas, um dos mais tradicionais e simbólicos eventos da cultura popular da cidade, completa 40 anos no Sábado de Aleluia, dia 19 de abril, quando um cortejo sairá da Estação Cultura às 9h. A cerimônia está prevista para acontecer em frente à Catedral, a partir das 11h30. O evento religioso é Patrimônio Cultural Imaterial de Campinas e integra o calendário de eventos da cidade e do Estado.
A celebração pelos 40 anos começou ontem, com um evento realizado no Salão Azul na Prefeitura, que foi marcado pela homenagem às idealizadoras da lavagem das escadarias, Mam'etu Oyá Corajacy e Nengua Dango, assim como dos grupos culturais e religiosos que fazem parte do histórico ato cultural que acontece na cidade desde 1985. A Prefeitura concedeu um certificado de reconhecimento histórico para todos os grupos que fazem parte do movimento.
Após o recebimento dos certificados, Antonio Carlos Silva, representante da Casa de Cultura Tainã, entoou um canto, repetido logo em seguida por quase todos os presentes: "Quando cheguei aqui nesta cidade eu avistei a torre da igreja, mas que beleza, cheguei agora, nossa senhora seja nossa guia".
Nengua Dango afirmou que, além de ser uma celebração religiosa, o ato da lavagem tem como cunho social e político questionar a violência, a raiva e a indiferença em relação às pessoas pretas. "Nós estamos dizendo para Campinas, o Brasil e mundo que nós precisamos congregar e respeitar as pessoas e suas respectivas culturas religiosas." Para que esses objetivos sejam alcançados, Dango reforçou que é necessário um entendimento mais empático a respeito da cultura africana no Brasil dos gestores, da imprensa e da própria sociedade. "Para que eu possa ocupar o meu lugar, sem racismo, sem preconceito". Nengua Dango também lembrou que, desde a primeira lavagem da escadaria até hoje, houve um avanço em relação ao pertencimento cultural. "Naquela época eu não podia nem usar o torço (é um pano de cabeça usado no candomblé que tem função de proteção e identificação) e, hoje, com a vestimenta completa, estamos aqui recebendo essa homenagem".
Mam'etu Oyá Corajacy reforçou o papel da imprensa na consolidação da lavagem como um ato tradicional da cidade. "Foram duas criaturas, uma da TV Campinas e outra do Correio Popular que nos ajudaram a conseguir fazer a lavagem pela primeira vez". Para ela, o ato da lavagem envolve fé, amor, união, perfume e beleza. Corajacy acrescentou que neste ano ela também vai incluir a palavra gratidão no ato de sábado. "Para as pessoas que estão sempre conosco, negros, brancos, índios, todos os nossos parceiros, a palavra é gratidão".
Após sair da missa na Catedral Metropolitana de Campinas ontem, a aposentada Maria José, 68, comentou que, apesar de ser de uma religião diferente da sua, ela considera o ato muito bonito, destacando que todos os anos comparece à Catedral para prestigiar o evento. "É um ato ecumênico muito importante para que as pessoas, ao invés de criticar ou ter preconceito, possam aprender com outras religiões".
O chefe de cozinha, Marcelo Reis, 42, se prontificou em falar com a reportagem, destacando que faz parte de uma religião de matriz africana e que tem muito respeito pelas mulheres que estão à frente do movimento. "Elas contribuem para a valorização e preservação desse importante patrimônio cultural". Para ele, o ato reúne manifestações religiosas, políticas e sociais, uma vez que a lavagem é um símbolo do sincretismo religioso brasileiro e de respeito entre as diferentes crenças da população.
O inspetor de qualidade, Vinícius Fernandes, 34, não sabia a respeito da celebração. "É uma informação relevante". Ele, após entender um pouco mais sobre o assunto, considerou que é fundamental que a lavagem seja entendida como um ato de respeito entre as religiões católica e de matrizes africanas, pois assim as pessoas podem aprender mais sobre tolerância e respeito com as diferenças. Junto a ele, estava a gerente de bar, Fernanda Diniz, 30. "Eu não sabia dessa celebração também, infelizmente o que vemos são muitos ataques baseados na intolerância, e me interessei por esse evento, vou tentar vir no sábado".
COMBATE AO RACISMO
Durante a cerimônia de homenagem no Paço Municipal, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) lembrou que, infelizmente, no período da escravidão, os escravos eram mandados para Campinas como forma de punição. "Eram castigos violentos, inclusive com pena de morte" Além disso, ele ressaltou que a cidade foi uma das últimas a abolir a escravidão no país. O prefeito considerou que existe uma dívida histórica com a comunidade negra e se empenha para fortalecer os movimentos de memória e luta contra o racismo. "Muita coisa evolui por um lado e parece que retrocede por outro. Racismo, intolerância religiosa, o preconceito em geral, são questões que já deveriam estar superadas no século XXI, por isso elas sempre devem ser combatidas".
Dandewara Pereira, membro do Conselho de Desenvolvimento e de Participação da Comunidade Negra de Campinas (CDPCNC), explicou que, a partir do desenvolvimento de políticas públicas, nas esferas nacionais, estaduais e municipais, alguns aspectos de violência contra as pessoas negras melhoraram, porém, ela salientou que tais políticas precisam ser mais eficazes para combater as desigualdades e violências sofridas, especialmente por mulheres negras. "Ainda temos muitos feminicídios, empregos subalternos, diferença de salários, então muito ainda tem que ser feito para revertermos essas situações e as mulheres negras tenham seu espaço reconhecido".
SÁBADO
A cerimônia de lavagem das escadarias começa às 9h do próximo sábado, com a chegada dos ônibus trazendo religiosos e participantes à Estação Cultura Antônio da Costa Santos. Às dez horas o cortejo parte da rua 13 de Maio em direção à Catedral Metropolitana, onde será realizada a lavagem da escadaria em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, previsto para às 11h30.
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA
O evento ocorrido ontem no Paço Municipal também marcou o início da exposição fotográfica "Lavagem da Escadaria da Catedral: Patrimônio Cultural de Campinas", da fotodocumentarista Fabiana Ribeiro. São 60 painéis com fotografias e textos que narram a trajetória e a força simbólica da tradicional cerimônia afro-brasileira. As obras ficarão expostas até o dia 27 de abril no saguão da Estação Cultura. A entrada é gratuita, das 8h às 19h de segunda a sábado, domingo aberto caso haja eventos na Estação.
O local da exposição, de acordo com a secretária municipal de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli, é oportuno, justamente por ser o ponto de partida do cortejo no sábado de aleluia. "Assim as pessoas do cortejo também poderão prestigiar a exposição". Caprioli ressaltou o trabalho de Fabiana Ribeiro, explicando que, além de ser jornalista e ter trabalhado na Secretaria de Cultura, "ela é uma fomentadora dos movimentos populares, registrando por dentro o movimento de todas as mães do movimento, é uma exposição muito linda". As imagens destacam a riqueza estética, espiritual e coletiva da lavagem e, os textos, apresentam conceitos sobre patrimônio imaterial e sua importância para a construção da memória e identidade social, além de trazer trechos de falas de lideranças religiosas e participantes da manifestação cultural afro diaspórica, que ajudam a dar voz e contexto à celebração.
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