Registro da cerimônia de caráter cultural, histórico e religioso como bem imaterial foi aprovado por unanimidade pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Flickr Prefeitura de Campinas)
Manhã de Sábado de Aleluia. Homens e mulheres trajando branco vão chegando à praça diante da Catedral Metropolitana de Campinas. Eles carregam flores e jarros com água perfumada. Em pouco tempo, iniciarão a lavagem da escadaria do templo, um ritual que se repete há 37 anos na mesma data e que é representativo do legado histórico, cultural e religioso deixado pelos povos negros que foram escravizados e trazidos ao Brasil. Desde quinta-feira (24), a tradicional cerimônia passou a ser considerada como Patrimônio Cultural Imaterial da cidade, reconhecido por unanimidade pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc).
O registro do novo status da celebração foi formalizado quinta-feira, no Salão Azul da Prefeitura, pelo prefeito Dário Saadi (Republicanos). Também estavam presentes representantes de religiões de matriz africana, secretários municipais e convidados. Para Mãe Dango e Mãe Corajacy, idealizadoras da lavagem, o reconhecimento do ritual é muito importante porque contribui para resgatar a memória ancestral ligada a homens e mulheres que foram aprisionados, vendidos, açoitados e mortos durante o período da escravidão no Brasil, inclusive em Campinas. "É fundamental não deixar esta tradição de nossa ancestralidade morrer", apontou Mãe Dango.
Na mesma linha, Mãe Corajacy diz que o reconhecimento do Condepacc traz mais riqueza às suas crenças. "Tem uma importância muito grande. É um enriquecimento de nossos eventos. Alguém reconheceu que o que nós fazemos não tem nada de errado. O objetivo é sempre ajudar as pessoas quando vamos para a rua rezar e entoar nossos cantos. É o momento em que pedimos a presença dos Orixás para abençoar as pessoas e oferecer a quem precisa uma palavra amiga", detalhou.
Para Dário Saadi, o tombamento é um reconhecimento necessário "A lavagem é fundamental, não só pelo reconhecimento de uma questão cultural, mas a afirmação de uma cultura que muitas vezes foi perseguida, esquecida e que a gente tem que valorizar. Agora é hora de transformar a cidade, que tem um passado que nos entristece muito, mas tem que ter um presente e um futuro de reparação, de reconhecimento. E é isso que estamos tentando fazer", afirmou.
A CELEBRAÇÃO
A lavagem da escadaria da Catedral Metropolitana de Campinas é a manifestação afro-brasileira que mais reúne movimentos vinculados à cultura negra da cidade, como a capoeira, os tambores, jongo, o samba de bumbo e também as religiões de origem africana, como a Umbanda e o Candomblé. Todos os anos, exceto em 2021 e 2022, por causa da pandemia de covid-19, quando o evento foi realizado de forma virtual, os participantes se reúnem em frente à Estação Cultura. Em seguida, descem pela Rua 13 de Maio - data da Abolição da Escravidão no Brasil - em direção à Catedral. Ali, com vários jarros com água de cheiro e flores brancas, os participantes promovem a lavagem das escadas do templo em meio a muita música e danças. Comerciantes, comerciários e pedestres param para ouvir e assistir ao ritual.
CALENDÁRIO MUNICIPAL
Desde 1997, no Sábado de Aleluia, dia que antecede o Domingo de Páscoa, a celebração é repetida. A manifestação faz parte do Calendário Oficial da Secretaria de Cultura e Turismo de Campinas. Agora, também compõe o rol de ofícios e expressões culturais e religiosas do município. O Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) define o patrimônio imaterial como aquele que "diz respeito às práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial".