Juíza responsável pediu para que sejam detalhadas as informações sobre a proposta de alienação de áreas; governo estadual afirmou que vai recorrer
Considerando todas as 35 propriedades que são alvo de uma possível venda pelo governo estadual, 11 estão na RMC, três em Campinas e oito em Nova Odessa (Alessandro Torres)
A juíza de Direito da 15ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, Gilsa Elena Rios, suspendeu ontem de forma liminar a realização da audiência pública convocada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo para tratar da comercialização de parte da Fazenda Santa Elisa, em Campinas, e de outras 34 propriedades situadas em locais que pertencem a institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. A audiência ocorreria na próxima segundafeira, dia 14 de abril. A Secretaria de Agricultura informou que vai recorrer da liminar.
A decisão da magistrada atendeu a um pedido da Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC). A justificativa de Gilsa é que a alienação de áreas de institutos e centros de pesquisa precisa ser autorizada previamente pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), além da falta de clareza nas informações a respeito da iniciativa da gestão do Poder Executivo, entre outros argumentos.
Na decisão, a juíza da capital paulista explicou que o artigo 272 da Constituição Estadual de São Paulo estabelece que o patrimônio físico, cultural e científico dos museus, institutos e centros de pesquisa da administração direta, indireta e fundacional são inalienáveis e intransferíveis sem audiência com a comunidade científica e aprovação prévia do Poder Legislativo. Ainda de acordo com a magistrada, ao menos de forma preliminar, não consta que a Alesp tenha aprovado o pedido de alienação proposto pelo Governo de São Paulo. “Ainda que exista a Lei Estadual n˚ 16.338/2016 autorizando a alienação sem a necessidade de aprovação da Assembleia Legislativa Estadual, é passível de questionamento sua constitucionalidade, eis que a alteração da Constituição Estadual deve ser realizada por emenda constitucional e não por lei”, argumentou.
A juíza Gilsa comentou também que falta clareza quanto à identificação das áreas afetadas, isto é, se a alienação será total ou parcial; como foi realizado o cálculo para fixar o preço de venda; como será a preservação de toda a produção científica dos institutos afetados; qual estudo econômico realizado que justificou a alienação e se as áreas envolvidas estão sob regime de proteção permanente. “Também é passível de questionamento o local em que será realizada a audiência pública, eis que o Salão Nobre da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, localizado na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo, não teria capacidade para acomodar toda a comunidade cientifica do Estado de São Paulo. Pois ela contaria com 150 lugares, enquanto que a comunidade científica é composta por mais de 600 membros, que teriam sido convocados para participarem da audiência pública.”
Por fim, a magistrada determinou que o Governo de São Paulo forneça mais informações sobre a proposta de alienação, como o detalhamento se houve autorização prévia do Poder Legislativo; especificar as áreas afetadas com metragem, mapas e respectivas divisas; se a alienação será total ou parcial; como foi realizado o cálculo para fixar o preço de venda; como será a preservação de toda produção científica dos institutos afetados; qual estudo econômico realizado que ensejou a alienação e se as áreas envolvidas estão sob regime de proteção permanente.
Em nota, a Secretaria de Agricultura afirmou que vai recorrer da decisão. “A Pasta já havia convocado a comunidade científica para apresentar as áreas a serem desmembradas. A proposta, assim como prevê a legislação vigente, também será alvo de análise da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.”
ALÍVIO
A presidente da APqC, Helena Dutra Lutgens, comemorou a decisão liminar da Justiça e destacou que ela é fundamental para evitar que a ação do Governo de São Paulo avance sem as devidas discussões com o setor científico paulista. “Eu vi com muito otimismo essa decisão judicial. A juíza se mostrou muito sensível à nossa causa, acatou os itens que nós levantamos como importantes de serem avaliados. Mesmo sendo uma liminar na qual cabe recurso, estamos bastante otimistas de podermos continuar na luta pelo avanço da ciência e pelo patrimônio científico e ambiental de São Paulo”, pontuou.
Ainda de acordo com a pesquisadora, é fundamental que os estudos feitos pela Secretaria de Agricultura sejam apresentados para a comunidade científica poder opinar sobre o assunto com mais embasamento. “Nenhum estudo foi apresentado pelo governo sobre os impactos de uma decisão radical como esta tanto para o meio ambiente, já que estas fazendas abrigam remanescentes de mata nativa, quanto para a pesquisa científica.”
O vereador de Campinas, Gustavo Petta (PCdoB), presidente da Frente Parlamentar para a Defesa do IAC e de outros institutos de pesquisas de Campinas, defendeu a decisão da juíza Gilsa de suspender a audiência pública em São Paulo. Ele ressaltou que o processo precisa tramitar pelo Poder Legislativo do Estado. “Também precisa ser feito um amplo debate envolvendo a comunidade científica que atua em torno das questões ambientais. Reitero o nosso repúdio a essa tentativa de venda de várias áreas do Estado de São Paulo, em especial de parte da Fazenda Santa Elisa”, disse.
HISTÓRICO
Considerando todas as 35 propriedades que são alvo de uma possível venda pelo governo estadual, 11 estão na Região Metropolitana de Campinas (RMC), sendo três na própria metrópole - uma de responsabilidade do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), outra do Instituto Biológico (IB) e a terceira da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) - e outras oito em Nova Odessa. Neste segundo caso, são áreas pertencentes ao Instituto de Zootecnia (IZ). O possível impacto da alienação desses espaços gera muita preocupação há meses para a APqC. O argumento do governo paulsita para justificar a iniciativa é se desfazer de propriedades consideradas ociosas e, ao mesmo tempo, gerar caixa financeiro para o Estado.
Além de parte da Fazenda Santa Elisa, que pertence ao IAC e é o mais importante centro de pesquisa de café do país, a Secretaria de Agricultura destinou outras duas áreas em Campinas para serem vendidas total ou parcialmente. Uma delas é o Centro Avançado de Pesquisa e Desenvolvimento em Sanidade Agropecuária (CAPSA), do IB. Sediado no bairro Gramado, em uma área que fazia parte da antiga Fazenda Mato Dentro, o local ocupa uma área de aproximadamente 58 mil metros quadrados. A outra propriedade em Campinas foi nomeada como “Chacrinha” pela gestão estadual. Ela fica próxima ao Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, na Rua Geraldo de Castro Andrade, no bairro Santa Marcelina. Não há informações atualizadas sobre o status atual dessa área, que possui uma extensão total de 25 mil metros quadrados e está sob a responsabilidade da Apta.
Na proposta que seria apresentada na audiência pública, a Pasta também listou oito propriedades pertencentes ao governo estadual para serem alienadas. Uma delas é a sede principal do IZ, na Rua Heitor Penteado, no Centro da cidade, com mais de 8,8 milhões de metros quadrados. Também foram elencadas quatro residências para os funcionários, dois alojamentos para estudantes de pós-graduação e um terreno de propriedade do instituto.
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