Integrantes de grupo que organizou protestos em Campinas analisam movimento e focam objetivo
O último dia 20 de junho já está marcado na história de Campinas. Nessa data, mais de 35 mil pessoas saíram às ruas da região central da cidade para protestar contra o aumento das tarifas de ônibus, mas também sobre os mais diversos temas. Mesmo que a mobilização grandiosa e em sua maioria pacífica tenha acabado em cenas dignas de uma praça de guerra com bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo diante do Paço Municipal, uma semente foi plantada. Das redes sociais, o que até então era uma virtual troca de ideias ganhou o asfalto e conseguiu o apoio de quem se mantinha indignado apenas dentro de quatro paredes.
O “exército cidadão” que marchou com cartazes, faixas, rostos pintados e palavras de ordem pela Avenida Francisco Glicério e outras vias — assim como seus semelhantes em muitos pontos do Brasil — percebeu que pode sim mudar os rumos do País e pressionar os governantes em todas as esferas. Em Campinas, o preço da passagem de ônibus caiu de R$ 3,30 para R$ 3,00 em questão de dias, mas para a juventude local isso não é suficiente. Pelas ruas agora, eles pedem maior transparência e controle social sobre as planilhas do transporte público e a queda do secretário municipal de Transportes, Sérgio Benassi, lembrando que ele presidiu a CPI da Sanasa (em 2010, enquanto era vereador), que acabou em pizza, e que foi o único a votar pela permanência no poder do prefeito cassado Hélio de Oliveira Santos (PDT). O Correioconversou com três integrantes da Frente Contra o Aumento da Passagem, que traçaram um panorama das últimas semanas na cidade e no Brasil.
Correio Popular - As redes sociais tiveram papel de destaque nas recentes manifestações pelas ruas do País e também em Campinas. Elas foram o ingrediente facilitador dessa mobilização histórica?
Filipe Monteiro - As redes sociais são um instrumento a mais para mobilizar e dialogar com mais pessoas, mas o processo político de fato se dá na rua.
Lunara Francine - Parar a rua não é apenas a busca por visibilidade, mas também tem o objetivo de mexer com interesses econômicos muito grandes. Agora (com as redes sociais) temos uma capacidade maior de causar esse incômodo. A juventude, pelo menos a nossa geração da década de 1990, ainda não havia vivenciado grandes manifestações. Nós chegamos e nos integramos aos movimentos sociais vendo as coisas pela internet. Mas eu acho que, historicamente, o movimento social no Brasil conseguiu dizer que a transformação se dá na rua, fazendo ocupações, se mostrando coletivamente e não em ações individuais, cada um na sua casa, no computador. Esse é um momento de muita aprendizagem para a juventude, de identificação de quais são os instrumentos que a gente tem.
O que provocou tamanha adesão? Em Campinas, a questão também não se resumiu ao preço da passagem...
Lunara - Tem a ver com a conjuntura geral, a população se sentindo totalmente desassistida. Aqui em Campinas, especificamente, ainda tem todo o cenário que vimos no final do governo Hélio (de Oliveira Santos, do PDT, cassado em agosto de 2011), o Demétrio (Vilagra, PT, vice-prefeito também cassado, em dezembro de 2011) caindo, a escandalosa tentativa de aumento dos salários dos vereadores em 126%... Mesmo nos momentos de dificuldade de organização, existia um enfrentamento a essa estrutura política na cidade. O movimento social vem, já há um bom tempo, explicitando esse caos em Campinas. O Fórum Popular da Saúde denunciando os problemas na rede e os professores em greve são exemplos de mobilização. Esse ano tivemos uma grande decepção pelo fato da greve dos servidores ter sido “entregue” pelo Sindicato, que fez um acordo com a Administração sem responder completamente à categoria... (o atual secretário municipal de Recursos Humanos é Marionaldo Fernandes Maciel, antigo diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de Campinas, que costumava encabeçar os movimentos grevistas). Ao mesmo tempo que vivemos essa decepção, temos um outro lado que é o de se colocar, fazer parte da mobilização e construir algo novo. Juntando esses vários sentimentos e os exemplos vindos do País e do Exterior é possível entender que nós precisamos nos mobilizar aqui também.
Monteiro - Nos últimos aumentos das passagens de ônibus em Campinas também houve mobilizações contrárias, claro que não tão grandes como agora. Acho que a conjuntura política, tanto nacional como a internacional, conseguiu dar uma tônica diferente para a indignação das pessoas. Uma represa foi aberta.
Lunara - Quando falamos da Copa do Mundo, por exemplo, é evidente aos olhos da população o gasto de dinheiro e o benefício aos empresários em detrimento dos direitos do cidadão. À medida que você não consegue comprar o que gostaria, a passagem do ônibus continua subindo e tem uma Copa do Mundo sendo preparada ao mesmo tempo em que a Educação e a Saúde são ruins... Todo esse conjunto de elementos revolta.
O que se viu nas ruas quebrou a escrita de que a população costuma ser acomodada no Brasil...
Eduardo Vinagre - Dizer que o povo brasileiro é acomodado é uma grande mentira. Desde a nossa colonização sempre existiram focos de resistência contra qualquer tipo de coisas. Desde 2007, vivemos uma crise no mundo. O que marcou no Exterior e o que marca no Brasil é que se trata de um levante da juventude. Que jovem consegue pensar em um futuro justo, digno e com perspectivas hoje em dia? Não tem! Os serviços públicos estão todos sucateados. Além disso, tem toda uma tentativa de criminalizar a juventude, tratando a todos como vândalos. Ao invés de apontar perspectivas e ter investimentos nas áreas sociais, procuram só limar o nosso direito de sonhar.
Monteiro - O Brasil entrou na rota das grandes mobilizações, como as vistas no Egito, Turquia, Espanha... Nossa geração foi formada em cima de um discurso do individualismo, da retirada da pauta política, de que a participação coletiva não é importante. Colocaram Mentos na Geração Coca-Cola! Ela conseguiu extravasar, ocupou as ruas e teve vitórias concretas. Foi possível ver resultados como a redução do preço das passagens em diversas cidades. O medo da reação do povo também provocou a derrubada da PEC 37 (que limitava o poder de investigação do Ministério Público). A gente vê que o poder central, em Brasília, se desestabilizou e o povo ganhou força. Sem dúvida, foi aberto um novo processo histórico no Brasil.
E essa repulsa aos partidos políticos nas manifestações?
Monteiro - Buscamos uma construção política mais horizontal, que renega as estruturas tradicionais de poder. Tem uma questão histórica por trás disso. Há uma decepção muito grande em relação aos partidos que estão no poder e no próprio jogo comum da política. Essa resistência que a juventude mostra em relação aos poderes constituídos acaba refletindo nos partidos.
Lunara - Justamente por isso que esse processo de mobilização de agora é importante, para que a população entenda que não depende de um parlamentar, de um prefeito ou presidente para promover uma transformação social. Essa transformação se dá na rua. Lógico que parlamentares podem contribuir, mas a conquista só é possível com a população se mobilizando.
Mas, ao mesmo tempo, afastar os partidos não acaba ferindo o próprio sistema democrático do País, já que os políticos foram eleitos diretamente pelo voto?
Vinagre - O que a juventude conhece é o PT 2.0, que não é só do mensalão, mas também de uma reforma da Previdência Social contrária a direitos trabalhistas conquistados, da Usina de Belo Monte, desse desenvolvimento e modernização do País que, na verdade, restringe ainda mais os direitos da população. Tudo isso enquanto se vê algumas entidades privadas sendo beneficiadas. Acho que o afastamento não é em relação à política, mas àquilo que as pessoas percebem como o que representa essa velha política que a gente não quer. O partido político é apenas uma das formas de organização. Nas manifestações, as pessoas começaram a questionar sobre quais seriam as melhores formas de atingir os objetivos. Não acho que essa necessidade de uma nova organização elimine por completo o que está aí, mas, ao mesmo tempo, o que está colocado é a possibilidade de construção do novo. Só sistema eleitoral por si não basta. Não é rechaçar a democracia, mas ter mais participação.
Foi ventilada a criação de uma CPI do Transporte “chapa-branca” em Campinas ou de uma simples Audiência Pública sobre o assunto...
Vinagre- Queremos que sejam feitas auditorias nos contratos das empresas ligadas ao transporte público em Campinas. Atualmente, ninguém tem controle sobre os gastos no setor. Em uma reunião recente com o presidente da Câmara, Campos Filho (DEM), e com o secretário municipal de Transportes, Sérgio Benassi, os dois deixaram escapar que nem a Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas) tem controle total sobre os custos.
Os casos de vandalismo atrapalham o movimento?
Lunara - Existe uma revolta contida há muito tempo em uma parcela das pessoas. Acho que a tarefa do movimento é dizer que a melhor maneira para termos conquistas é se organizando. Atos de vandalismo são cometidos contra a população todos os dias, quando ela vai para um hospital e fica várias horas para ser atendida, quando não tem vaga nas creches...
Qual o legado das manifestações?
Lunara - Foi fazer com que toda uma geração aprendesse que é ocupando a rua que se conquista as coisas. Isso é algo que nunca será apagado.
Monteiro - A juventude tem um protagonismo nesses acontecimentos e também uma responsabilidade histórica de se manter organizada para participar dos grandes processos que ainda estão por vir.