COMUNIDADE

Jongo Dito Ribeiro é memória e preservação

Casa de Cultura Fazenda Roseira é também o reduto do patrimônio cultural não material

Francisco Lima Neto
23/11/2019 às 18:38.
Atualizado em 30/03/2022 às 13:33

Campinas aparece na vanguarda do País com relação à salvaguarda de patrimônio cultural não material. Isso, graças à Comunidade Jongo Dito Ribeiro, que além de recuperar uma memória negra da cidade, de quebra, ainda preserva os espaços da Casa de Cultura Fazenda Roseira. Esse é o primeiro exemplo de gestão compartilhada entre a sociedade civil e o poder público, já que o espaço pertence à Prefeitura. Mas o caminho trilhado até chegar nesse estágio foi permeado por percalços e muitas lutas, que se mantêm até hoje. A história começou nos anos 2000, com a recuperação da memória de Dito Ribeiro, avô de Alessandra Ribeiro, que havia chegado em Campinas na década de 1930. Quando ela nasceu, o avô já tinha morrido. "Quando comecei a frequentar e conhecer a cultura popular, a cultura negra campineira, me apaixonei por diversas manifestações. Quando eu vi o jongo achei bonito, maracatu achei bonito, mas não tinham mexido comigo. Até que um dia, na Casa de Cultura Tainã, fizeram uma roda de jongo com jongueiro e eu fiquei emocionadíssima, comecei a chorar enlouquecidamente. Não parava", conta Alessandra. A partir daquele dia, conta, ela passou a sonhar com um homem de branco, que ficava ao lado de sua cama cantando jongo. Por conta desse episódio recorrente e cada vez mais intenso, ela decidiu fazer uma festa junina e convidou o mesmo homem que estava na Casa de Cultura Tainã para cantar o jongo. "Na festa, meu tio falou que meu avô fazia aquilo. Então eu entendi que aquele homem não ia sair nunca do lado da minha cama. Muito pelo contrário, ele queria dar as mãos pra mim porque depois que eu encontrei o jongo minha vida muda", relembra. Jongo O jongo é uma prática cultural, uma dança circular, que começou no Brasil no século 19, na época do café, na região sudeste. Eram os escravizados nas fazendas de café que tinham como hábito dançar o jongo, cantar o jongo como ritmo de trabalho. "O jongo tem uma metáfora. Quando os capatazes estavam longe, eles cantavam uma coisa que para o capataz era só uma música, mas trazia uma mensagem, para falar pode relaxar um pouco, ou agora tem que ser mais, era ritmo de trabalho, de influência bantu da região de Congo, Angola, e que tem como essência tambor, canto metafórico e dança", explica Alessandra. Depois da escravidão, as famílias continuaram com a tradição. O jongo era dança de festa, de aniversário, do dia a dia, presente na vida das pessoas. E ainda hoje, na região Sudeste, mais de 50 comunidades praticam o jongo. Estão em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Com a recuperação da memória do avô, Alessandra passou a ter articulação dentro da cultura e do debate na cidade. "Começamos a recuperar as histórias do jongo, as histórias do meu avô, fui para arquivos descobrir como tinha sido a vivência dele. Fomos para outras comunidades do jongo contando essa história e reaprender a fazer jongo com eles", detalha. "Quando eu encontrei o jongo eu passei a me sentir herdeira de uma tradição. Eu não era mais qualquer pessoa no mundo. Eu era herdeira de uma prática cultural. Esses elementos de pertencimento fortaleceram a minha identidade, a minha autoestima, de saber que a nossa cultura é tão maravilhosa, é bonita, é importante", exalta. Fazenda Roseira O jongo foi praticado na casa da mãe de Alessandra e também no Centro Cultural Casarão, em Barão Geraldo, até 2008, quando passou a ocupar a Fazenda Roseira, no Residencial Parque Fazenda, na Região do Ipaussurama. A fazenda tinha uma grande área, que foi vendida por etapas e deu origem aos bairros do entorno. A família proprietária saiu em meados de 2007. "O próprio ex-proprietário começou a destruir a propriedade. O casarão ali de baixo que não tem telha, era o ex-proprietário que tava desmontando a propriedade. Quem destrói o equipamento não é o povo, é quem sabe o valor que tem. Eles sabiam o valor dessas madeiras, o valor desses tijolos", argumenta. A comunidade fazia denúncias do desmonte na Prefeitura, mas, segundo Alessandra, nada acontecia. Quando perceberam que algo precisava ser feito após inúmeras denúncias não averiguadas, o local foi ocupado. "Entramos, fizemos rodízio entre vários membros da comunidade negra, cada dia um ficava um pouco. Isso foi em 2008, 2009, 2010. Na minha dissertação de mestrado a Fazenda Roseira e a Comunidade Jongo Dito Ribeiro tem todo o processo de ocupação aqui. Minha dissertação foi mostrando esse processo", relembra. "Desde 2015 a gente tem a permissão de uso. A associação do jongo passou a ter um documento formal. É uma gestão compartilhada. (A Fazenda Roseira) é da prefeitura eternamente e a gestão é da associação do jongo", explica. Roteiros A Fazenda Roseira conta com um roteiro afro a partir de 2 anos, sem limite de idade. Ele está estruturado em um modelo de 3 horas, 5 horas ou um final de semana. O roteiro inclui alimentação com temática afro, história da fazenda e a ocupação e vivência de jongo. Ha ainda oficinas de turbante, percussão, culinária, artesanato, agricultura quilombola e tecnologias e ciências africanas. A Fazenda Roseira recebe, junto com a Casa de Cultura Aquarela, a Pós-Graduação em Matriz Africana. Alessandra é a professora e orientadora pedagógica. Marcos Brytto, da Casa de Cultura Aquarela é um dos professores e o coordenador administrativo. Em janeiro, são abertas as inscrições para a terceira turma.  

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