PATRIMÔNIO NACIONAL

Iphan protege perímetro em torno da Casa Grande e Tulha, em Campinas

Medida visa a impedir intervenções urbanas que prejudiquem o imóvel histórico

Rodrigo Rossi
14/02/2023 às 09:18.
Atualizado em 14/02/2023 às 09:23
Vista aérea da Casa Grande e Tulha, no bairro Proença: tombado pelo patrimônio histórico nacional em 2015, o conjunto arquitetônico guarda os resquícios do início da formação da cidade de Campinas (Alessandro Torres)

Vista aérea da Casa Grande e Tulha, no bairro Proença: tombado pelo patrimônio histórico nacional em 2015, o conjunto arquitetônico guarda os resquícios do início da formação da cidade de Campinas (Alessandro Torres)

Considerado Patrimônio Cultural Brasileiro em 2021, a Casa Grande e Tulha, localizada no bairro Proença, em Campinas, teve o seu entorno protegido a partir de diretrizes de preservação e critérios de intervenção e ocupação urbana. Para isso, uma portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), publicada na edição de segunda-feira (13) do Diário Oficial da União, delimitou um polígono de proteção em volta do conjunto arquitetônico. Com isso, quaisquer intervenções no bem tombado ou nos terrenos e imóveis situados no seu entorno precisarão ser submetidos à análise e eventual aprovação do Iphan. A Casa Grande e Tulha, que guarda resquícios da antiga chácara Paraíso das Campinas Velhas e da própria formação da cidade, pertence à família do ex-prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho, que morreu assassinado em 2001.

Segundo a portaria do Iphan, fica estabelecido como o polígono do entorno do conjunto arquitetônico os terrenos localizados na área compreendida pelas ruas Assis, Roberto Gomes Pedrosa, Joaquim Roberto de Azevedo Marques e Avenida Dr. Arlindo Joaquim de Lemos com trechos que fazem fundo com a Avenida Princesa D´Oeste. 

A Casa Grande e Tulha está inscrita no Livro de Tombo Histórico desde 2015, por aprovação do Conselho Consultivo do Iphan, que considerou a importância do local para a compreensão da história da região. O processo de tombamento foi aberto no ano 2000, após pedido do então proprietário do local, o ex-prefeito Antônio da Costa Santos, que adquiriu o imóvel em 1978. 

De acordo com a portaria, a polígono de entorno do bem tombado fica dividido em três setores, que foram estabelecidos conforme a proximidade e as características e critérios específicos da relação com o bem tombado. A intenção da divisão em setores foi estabelecer formas de garantir preservados a visibilidade, a ambiência e a luminosidade do bem de importância histórica reconhecida nacionalmente. 

A portaria estabelece, por exemplo, a adoção do controle da altura máxima das edificações entre outros critérios de controle de ocupação. O objetivo é a preservação das qualidades espaciais e estéticas do terreno que circunda a Casa Grande e a Tulha da antiga Chácara Paraíso das Campinas Velhas.

O documento do Iphan aponta ainda a existência de lotes irregulares com as frentes voltadas para a Avenida Princesa do Oeste e os fundos voltados para a Avenida Doutor Arlindo Joaquim de Lemos, defronte ao bem tombado. A portaria prevê a preservação desse setor de modo a não haver novas ocupações em altura que prejudiquem a manutenção do bem tombado.

Pela portaria, o Setor 1, intitulado de Controle da Ocupação 1, compreende o entorno imediato do bem e fica em um trecho da Rua Assis, a Rua Roberto Gomes Pedrosa e um trecho da Rua Roberto de Azevedo Marques. O Setor 2 abrange um trecho da Rua Assis e os imóveis da avenida Dr. Arlindo Joaquim de Lemos. Ele dispõe sobre as edificações fronteiriças ao quarteirão onde se localiza o bem tombado. A intenção do setor é garantir a manutenção da ambiência por meio do controle da volumetria das edificações, de forma a garantir a insolação, a luminosidade e o uso adequado das áreas em relação à escala do bem tombado, ou seja, as qualidades espaciais observadas no plano de frente da Casa Grande e Tulha.

E o Setor 3 dispõe sobre as edificações em altura imediatamente em frente às edificações do bem tombado. Esse setor compreende os fundos das altas edificações existentes nos tidos pelo Iphan como 'lotes irregulares do quarteirão 1563', com as frentes voltadas para a Avenida Princesa do Oeste, e os fundos voltados para a Avenida Doutor Arlindo Joaquim de Lemos.

Para fins de gestão da preservação e da manutenção dos valores reconhecidos pelo tombamento federal, a portaria estabelece critérios e parâmetros de intervenção. Um deles cita o desmembramento ou o remembramento de lotes. Conforme a portaria, qualquer tipo de intervenção a ser realizadas no perímetro delineado polígono, serão condicionados à apresentação, para análise e manifestação, de projeto da edificação ou da proposta de utilização, e dependentes de autorização prévia do Iphan.

Segundo a portaria, será critério de intervenção estabelecido quanto à localização das edificações o gabarito máximo de um pavimento com 4,5 metros de altura máxima no entorno do Setor 1. No Setor 2, conforme a portaria, serão permitidos edificações de gabarito máximo de dois pavimentos com 8 metros de altura máxima e afastamento frontal de 5 metros.

Do Setor 3, será vedada a construção de qualquer acréscimo na área não edificada de frente para a Avenida Doutor Arlindo Joaquim de Lemos que ultrapasse o gabarito de um pavimento com 4,5 metros de altura máxima. A construção deverá ainda respeitar o recuo mínimo de 6 metros quando frontal à Avenida Doutor Arlindo Joaquim de Lemos e de 4 metros quando lateral, com exceção dos subsolos destinados às garagens, que poderão ocupar a totalidade da área do lote, desde que, nas faixas correspondentes aos recuos mínimos, os níveis superiores da laje de cobertura do primeiro subsolo não se situam acima de 50 cm dos níveis correspondentes do passeio público junto aos respectivos alinhamentos.

Para o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), "o Iphan tem autonomia para definição das áreas envoltórias dos seus bens tombados, não cabendo ingerência do Condepacc", diz trecho de resposta enviada pela Secretaria Municipal de Cultura. 

Segundo a Prefeitura, antes da aprovação final, o Iphan submeteu a proposta técnica para essa área envoltória à consulta pública. Conforme a Secretaria Municipal de Cultura, "a delimitação proposta é compatível com a ocupação urbanística atual da área. E qualquer novo empreendimento nesse polígono deverá respeitar as diretrizes do Iphan".

Imóvel mais antigo foi construído entre 1790 e 1795

A construção da Tulha se deu entre 1790 e 1795. Já a Casa Grande é datada de 1830, momento em que surgia a estrutura cafeeira local. Especula-se que a Casa Grande tenha sido erguida pelo marido de Maria Felicíssima, Joaquim José Soares de Carvalho.

Maria Felicíssima herdou as construções dos pais Cláudio Fernandes de Sampaio e Rosa Maria de Abreu e Silva, sua esposa. Eles são uns dos primeiros moradores de Campinas, na época, final do século 18, quando a cidade já havia sido elevada à Vila de São Carlos, e crescia com uma economia baseada ainda na produção açucareira. Esse período, no entanto, a então vila sofria grandes transformações no centro urbano e zona rural, que mantinha fazendas focadas no plantio da cana e transformação do açúcar.

Conta a história, que com o passar dos anos a propriedade da família foi dividida entre os herdeiros. Arlindo Joaquim de Lemos herdou parte da fazenda, que passou a se chamar Chácara Paraíso e, posteriormente, adquiriu a parte denominada Chácara Proença. Em 1941, a Chácara Proença foi novamente dividida, cabendo sorteio a antiga sede da fazenda a Arlindo de Lemos Jr., que a vendeu à família Hossri.

A propriedade foi comprada pelo ex-prefeito Toninho no final da década de 70. Toninho então iniciou um processo de estudo e restauração do local. Conforme os estudos sobre o local, nos tempos áureos a Tulha serviu de pouso para os bandeirantes que rumavam para Goiás, já foi uma venda, engenho de cana de açúcar e também espaço para estocar café.

Antes da chegada de Toninho ao local, o aspecto histórico era desconhecido. Uma parede da Tulha que é toda de taipa havia sido derrubada para a entrada de veículos, já que no espaço funcionava uma mecânica. O local estava deteriorado.

Uma curiosidade do local ocorreu no final do século passado quando a Avenida Dr. Arlindo Joaquim de Lemos foi aberta e houve um corte no talude causando movimentação no terreno. Isso ocasionou uma leve inclinação na parede. Toninho construiu um muro de pedras para estabilizar o terreno da Tulha. Uma estrutura de ferro também sustenta a parede. 

De posse do local, Toninho operava a área como historiador, arqueólogo e restaurador. Ele fazia escavações e descobria coisas novas como artefatos, moedas e até a base de uma parede de taipa. Escavações feitas pelo ex-prefeito na propriedade também indicam que o local abrigou uma senzala de dimensões impressionantes. A Casa Grande, porém, era pequena, típica de barões de poucos recursos, o que sugere que o ponto servia de comercialização de escravos.

O ex-prefeito estudou todo o local em sua tese de doutorado e lançou um desafio para a cidade: a de preservar os bens e cuidar de seus prédios históricos. A pedido de Toninho, o imóvel foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) do Estado, na década de 80, e depois tombado pelo Condepacc, na década de 90. E, posteriormente, tombado também pelo Iphan, em 2015. 

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