ESTUDO DA UNICAMP

Intoxicações por ingestão de metanol crescem e acendem alerta

CIATox registrou 14 casos nos últimos sete anos, sendo que 10 deles aconteceram nos últimos 19 meses; 11 pessoas morreram

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
18/08/2023 às 09:41.
Atualizado em 18/08/2023 às 09:42

A estimativa é que haja uma subnotificação dos casos e que o fenômeno também esteja afetando outras regiões do país, atingindo, frequentemente, a população mais vulnerável e que está em situação de rua (Rodrigo Zanotto)

O Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) emitiu um alerta à rede pública de saúde diante do aumento de casos de intoxicação humana por metanol - substância encontrada no etanol combustível - nos últimos 24 meses.

De acordo com os registros de atendimento do CIATox, no período entre abril de 2016 e julho de 2023 foram 14 atendimentos de intoxicação grave, dos quais 5 durante o ano inteiro de 2022 e 5 nos primeiros sete meses do ano atual, o que reforça que os casos estão cada vez mais frequentes.

O Centro associa as ocorrências à “abstinência de álcool e dificuldades financeiras”, junção que constituiria a principal explicação para o consumo da substância, que possui alta letalidade.

11 das 14 pessoas que ingeriram o composto faleceram. Das três sobreviventes, duas ficaram com sequelas neurológicas. Todos os casos foram registrados em cidades da Região Administrativa (RA) de Campinas, nas regiões de Campinas, Piracicaba e São João da Boa Vista. Estima-se que a quantidade esteja subnotificada e que o fenômeno também afete outras regiões do estado e do país, resultando na morte silenciosa de algumas pessoas, frequentemente em situação de rua.

Esse foi o segundo alerta lançado em menos de um mês pelo CIATox. Na quinta-feira (17), um evento foi realizado no Hospital de Clínicas (HC) para reforçar o alerta. Isso porque, segundo os pesquisadores, não há disponibilidade do antídoto necessário para combater a enfermidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Para todos os casos analisados no período o antídoto foi fornecido pelo CIATox. “O alerta é feito”, diz o documento, “para deixar os hospitais da região cientes da situação, para que, ao se depararem com os casos suspeitos, consigam fazer a intervenção corretamente”.

O perfil das vítimas é de adultos jovens, com idade média de 36 anos, sendo a maior parte, 12 pessoas, homens.

O problema das intoxicações, no entanto, é tratado pelo CIATox como a “ponta do iceberg” de uma irregularidade de saúde. Segundo relatou o pesquisador Fábio Bucaretchi, o “x da questão” é a circulação do metanol e a facilidade com que as pessoas estão conseguindo acesso à substância. Além disso, o doutor afirma que os casos de intoxicação expõem a face de um outro problema: a adulteração de combustíveis. Ele explica que a composição permitida de metanol no etanol combustível seria, sim, capaz de causar danos à saúde, porém com menor risco de morte.

Segundo o pesquisador Fábio Bucaretchi, todos os casos envolveram ingestão de etanol combustível (Rodrigo Zanotto)

“Todas as 14 pessoas intoxicadas relataram, ou tiveram acompanhantes que relataram, aos médicos o consumo de etanol combustível pela vítima. No entanto, as regras da Agência Nacional de Petróleo (ANP) permitem apenas 0,5% de metanol em sua composição, sendo que o restante deve ser composto por cerca de 92% de etanol e 8% de água. Se a substância estivesse assim constituída, o etanol não permitiria que o metanol fosse metabolizado pelo fígado, não gerando ácido fórmico, que é o que mata”, explica.

Conforme explica o médico, o metanol, quando cai no sangue, segue pelas veias até chegar ao fígado, que vai gerando o ácido fórmico. A missão dos médicos nesses casos é dosar e encontrar um equilíbrio entre o ácido e o metanol. A substância usada para combater o ácido é o bicarbonato de sódio, enquanto, para combater o metanol, usase álcool 100%.

Há casos analisados pelo CIATox que apontam a presença de metanol inclusive no álcool doméstico, empregado na higienização de equipamentos e ambientes, o que não deveria ocorrer.

“Além de alertar o sistema de saúde sobre a gravidade da situação, nossa ação visa também chamar a atenção das autoridades de segurança, a Polícia Civil, a ANP, enfim, as autoridades cabíveis para uma situação grave de saúde que pode ser maior do que se imagina. A presença do metanol nos combustíveis é passível de intoxicar, inclusive, o frentista que trabalha no posto”, conclui Fábio.

Em países com incidência de nevascas, o produto é usado para evitar o congelamento de para-brisas de veículos e vendido a granel em lojas de conveniência.

No Brasil, o produto é comercializado ilegalmente, geralmente de origem chinesa. Um estudo realizado há uma década pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) concluiu que a substância também é encontrada em 68% das bebidas falsificadas. Nenhum dos casos analisados pelo CIATox, no entanto, possui fortes evidência de bebida falsificada contidas nas amostras - já que, nesses registros, outros componentes foram identificados.

O laboratório espera agora que haja uma atenção maior por parte do governo federal, através do Ministério da Saúde, em relação à formulação de um documento nacional com orientações sobre o assunto.

As 11 vítimas referem-se a uma mulher e dez homens, com idades entre 28 e 37 anos. Os casos foram registrados em Campinas (2), Sumaré (2), Santa Bárbara d’Oeste (2), Limeira (1), Itu (2), Jundiaí (1) e Rio Claro (1). Já as vítimas que resistiram à contaminação são de Campinas (1), Limeira (1) e Araras (1).

As intoxicações também já foram alertadas pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), que emitiu um comunicado no último dia 8 informando um aumento de casos reportados em outros laboratórios de análise no Sul e Sudeste.

A venda de etanol em garrafas pet é proibida por lei, no entanto, conforme relataram os pesquisadores, é comum ouvir que o acesso foi facilitado por funcionários de postos.

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